DEFENDEM JOSÉ MATOS, DA UNIVERSIDADE DOS AÇORES, E ANTÓNIO VENTURA, ANTIGO PRESIDENTE DA AAIT: Lavoura deve regressar ao gado alimentado a erva.
Escalada no preço das rações preocupa produtores de leite açorianos. Os investigadores põem em causa as vacas de elevado rendimento e sugerem o regresso a animais alimentados apenas com erva.
As vacas de alto rendimento (melhoradas geneticamente para produções maiores de leite) estão a revelar-se um quebra-cabeças para os produtores açorianos, confirmou DI. O aumento do preço das rações – das quais depende a produtividade destes animais – fez reduzir os lucros das explorações agrícolas. E, sendo certa a tendência de crescimento do custo dos concentrados, o futuro não é risonho. “Os lavradores estão numa encruzilhada: apostaram no melhoramento genético para conseguirem produções em quantidade e, agora, perante o preço das rações, vêem-se em apuros para conseguir manter esses animais. E não podem reduzir os concentrados porque essas vacas precisam deles para produzir e viver”, explica António Ventura, antigo presidente da Associação Agrícola da Terceira. “Vai ser necessário voltar-se às vacas de produções inferiores, na casa dos 20 litros ao dia, que se alimentam de erva e silagem. Este tipo de animais garante, contudo, um leite de melhor qualidade”, sugere José Matos, professor do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, em declarações ao DI. “Em meu entender, só há duas soluções: aqueles que apostaram muito no melhoramento genético e que se encontram num patamar que impossibilita o retrocesso, devem procurar alternativas que lhes garantam a matéria-prima para os concentrados, nomeadamente o milho; as explorações onde seja possível a reconversão para um efectivo de rendimento médio, na casa dos 20 litros diários por animal, devem enveredar por aí, apostando na erva, na silagem e na selecção genética destes animais”, sublinha António Ventura.“Os produtores que possuam terras a baixa altitude podem, com o devido acompanhamento, apostar na produção de milhos, que podem usar para silagens de elevada qualidade, capazes de servir como suplemento para a alimentação dos seus animais. Esses poderão manter a alta rentabilidade dos seus animais”, alega José Matos.
MÁQUINAS DE LEITE
Nos últimos 40 anos, a palavra de ordem no sector agrícola insular foi “produzir muito”. As políticas governamentais e comunitárias encaminhavam nessa direcção, incentivando o produtor a melhorar o seu efectivo bovino para a excelência na produção em quantidade.“Apostou-se na raça Holstein-frísia. Estes animais tornaram-se verdadeiras máquinas de produzir leite”, refere António Ventura.“Estes animais exigem um complemento de nutrientes, assegurado pelos concentrados, as rações. Uma vaca que produz 30 litros de leite por dia necessita de, pelo menos, dez quilos de concentrados por dia”, explica o antigo presidente da AAIT e actual deputado na Assembleia Legislativa, integrado na bancada do PSD/Açores. Em 2007, o preço dos concentrados subiu 45 por cento. O mercado mundial está a ser influenciado pela enorme procura dos cereais, muito por culpa da crise energética derivada da escalada do preço do petróleo (que está acima dos 100 dólares), que fez voltar as atenções para o bio-combustível. Nesta equação, o preço do milho tem vindo a subir consideravelmente, já que o produto é importante para a produção de etanol, uma alternativa à gasolina.Prevê-se que a utilização de etanol triplique até 2012 nos EUA. Muitos agricultores optaram por se concentrar na produção de milho, desviando-se da produção de trigo e soja, e contribuindo para a enorme subida dos preços destes cereais. Na Europa, os Governos pretendem que os biocombustíveis representem 10 por cento dos combustíveis utilizados em transportes, até 2020. Em termos globais, para serem atingidos os objectivos de aumento de produção de biocombustíveis até 2015, os terrenos adicionais necessários para a produção de cereais seriam de 80 milhões de hectares, uma área superior a França, Portugal e Suíça juntos.
PRODUZIR MILHO
Esta conjuntura afectou o preço das rações, recaindo sobre os produtores açorianos, na sua maioria sem grande capacidade financeira para enfrentar as flutuações do mercado.“Com o valor a tender para a equivalência com o preço que o produtor recebe por cada litro de leite produzido, é óbvio que as explorações que possuem estes animais enfrentam um problema muito complicado. A erva e a silagem de boa qualidade – que temos capacidade para produzir - afiguram-se como as melhores alternativas para a resolução deste problema. Essa, a meu ver, é a melhor opção para a Lavoura açoriana”, refere José Matos.“Além disso, a produção de leite com base na erva e em silagens de qualidade permite leite de melhor qualidade, com mais proteínas, caseína e gorduras, elementos que contribuem para uma melhor classificação do leite no arquipélago”, sublinha o professor da Universidade dos Açores."Os Açores têm óptimas condições para que a alimentação das vacas tenha como base, a erva", refere João Batista, investigador do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, citado pelo Diário dos Açores, em Janeiro deste ano.“Outra das alternativas é conseguirmos, no arquipélago, produzir milho em grão, que nos permita diminuir a dependência do exterior. Já existem experiências em curso cá [a experiência afecta 700 alqueires de campo agrícola]. Se forem aproveitadas para esse fim as terras que deixaram de ser usadas para produção de leite por via dos resgates leiteiros, poderemos ter aí uma forma de contribuir para o abaixamento do preço dos concentrados”, refere António Ventura.
(In Diário Insular)
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