segunda-feira, março 17, 2008

Lavoura: Mudar de estratégias

As quotas leiteiras estão mortas. Este facto implica uma nova estratégia na produção, sob pena de a rentabilidade, a capacidade de intervenção na política regional e a relevância da Lavoura na economia dos Açores passarem a ser residuais. Aqui há uns anos, ainda hoje, não se deu ouvidos àqueles que disseram que se devia optar por uma política de produção de leite a baixos custos, o que não quer dizer menores lucros. Em vez disso, cedeu-se às exigências daqueles que foram ver explorações no estrangeiro e no Continente sem saber ler, digerir, comparar o que viram com a nossa realidade, não souberam ler os sinais dos tempos e defenderam soluções desajustadas.A solução da Lavoura não passa obrigatoriamente pela autofagia, não é só pôr Lavradores na rua. É preciso não repetir os erros dos países nórdicos, que retiraram Lavradores demais, e que para remediar esses mesmos erros reintroduziram-nos na Lavoura a peso de ouro, mas já com irremediáveis consequências de degradação social. O nosso modelo, tanto na produção de leite como na de lacticínios, está muito mais perto do da Nova Zelândia do que dos modelos europeus ou norte-americanos. À Nova Zelândia foram também inspirar-se os latino-americanos que, não só se propõem fornecer o anel do Pacifico, como também já pensam em vender para a Europa. Europa que usa os cereais de pior qualidade para as rações e biocombustivel. A carne dos porcos e galinhas, que não comem erva, vai subir de preço e quem der erva ou outra forragem ao gado começa a ficar em vantagem. Tendo visão, coragem política e verdadeiro sentido de Estado, noutros lados, já na Mesopotâmia, os Governos concentraram-se em dar oportunidades aos Lavradores para melhorarem os seus conhecimentos, a sua capacidade de gestão e premiaram os mais interessados e eficientes. Noutros lados, de mais brandos costumes, vamos navegando de crise para crise, sempre aflitos.Com a quota morta, o preço do leite vai descer à produção. A questão agora é esta: Com os factores de produção a subir de preço e o leite sem aumentar, pelo menos em termos reais, como é que os Lavradores vão viver? É necessário mudar atitudes e procedimentos.A primeira tem que vir dos políticos: este é um assunto de Estado, não é para servir de arma de arremesso em lutas partidárias, é motivo para um pacto de regime, deve ser tratado com elevação. Está em jogo a vida, o futuro de muita gente, uma parte apreciável da economia dos Açores. Alguns fornecedores da Lavoura têm que ser mais honestos, passam-se coisas… A Lavoura tem que perceber que tem que mudar muita coisa, que a mudança não é má, desde que bem fundamentada.A rentabilidade da Lavoura é possível, desde que seja apoiada na racionalização da utilização dos factores de produção, na optimização da utilização da terra, que pode produzir mais, na optimização das potencialidades dos nossos Lavradores. Isto melhora a sustentabilidade económica, ambiental e social da produção de leite e carne. Os adubos já subiram três vezes este ano e vão subir mais. O Azoto pode ser produzido em grande parte pelas leguminosas, façam-se calagens, estudem-se os melhores rizóbios, procurem-se culturas e cultivares que fixem mais azoto, evitem-se os desperdícios de estrume. Trabalhar as terras, fazer colheitas, é caro: organizem-se os Lavradores em círculos de máquinas. Menos máquinas a trabalhar mais horas fazem mais serviço, pagam-se mais depressa, com menos dívida. Lavradores a comprar em conjunto peças, combustíveis, pneus, têm maior poder negocial, compram em condições mais vantajosas. Em estudos feitos no Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, mostrou-se que o factor determinante no sucesso de uma exploração é a capacidade de gestão, não a quantidade de vacas que se tem ou a sua produção. É preciso não esquecer que as lavouras, rentáveis, de 30 vacas, da Califórnia são objecto de estudo. Nem todos têm a capacidade inata para ser um bom gestor, mas pode-se aprender. Aprender com os teóricos, aprender com os seus pares. Nunca entendi, não é fácil entender, porque razão os sucessivos Governos que temos tido não apoiaram, incentivaram, os Agrupamentos de Gestão. Os Lavradores são apoiados por técnicos, isentos, e na troca de experiencias, aprendem uns com os outros, melhoram claramente o seu rendimento, é assim que se faz noutros lados.Leite é leite, mas o que se faz com ele pode fazer com que valha € 1 ou € 100. O Governo Regional tem que condicionar os apoios á indústria de lacticínios de modo a privilegiar fortemente a produção de lacticínios de alto valor acrescentado. É agora que está na altura de planear esses investimentos.Somos uma região exportadora de lacticínios, devíamos ter um sistema de pagamento do leite que reflectisse essa realidade, premiando claramente os sólidos.Há muitas mudanças, não dramáticas a fazer. A maior de todas é a própria atitude em relação á mudança. Depois de ficar claro que é importante mudar, tudo se torna mais fácil. É necessário que estas e outras ideias sejam discutidas abertamente, sem medo, e que quem tem mandato para mandar, não navegue á bolina, perde-se muito dinheiro, muitas oportunidades. É preciso mais coragem.A terra do “ Antes livres que em paz sujeitos”, anda em paz demais.

(Paulo Caetano Ferreira In Diário Insular)

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