Realizou-se no dia 27 de Novembro de 2006, pelas 21:15H, uma palestra proferida pelo Professor Doutor Airidas Dapkevicius sobre a "Racionalização do uso da água na indústria alimentar". Esta palestra decorreu no novo Campus de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores.
De acordo com um relatório publicado pelo World Bank em 2001, cerca de 20% da água potável extraída presentemente, a nível mundial, é para fins industriais, o que corresponde a cerca de 45 l por dia por pessoa. Verifica-se uma tendência para o aumento do consumo de água industrial com o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) dos países. A UNESCO publicou trabalhos dum grupo científico liderado pelo professor I. Shiklomanov, que revelam que a agricultura e a indústria são os principais consumidores de água a nível europeu (UNESCO, 1999). Nos trabalhos deste grupo é prevista a eficiência da utilização da água na Europa em 2010 para vários tipos de actividades económicas. Os autores acreditam que, no fim desta década, a agricultura vai atingir cerca 80% de eficiência de utilização enquanto a indústria vai efectivamente utilizar só 19% da água extraída. Esta previsão mostra que, no sector industrial, há ainda uma ampla margem para melhorar a eficiência de utilização da água, permitindo minimizar a quantidade de água potável retirada às reservas mundiais.
Em Portugal, a agricultura é claramente o maior utilizador de água, com um volume total de cerca de 6,5 quilometros cúbicos/ano (87% do total), enquanto a que indústria usa é cerca de 5% da água total. Transformando estes valores nos custos efectivos de utilização da água, verifica-se que o sector urbano passa a ser o mais relevante, com 875 milhões de euros anuais. A indústria, que usa água relativamente cara, paga cerca 484 milhões de euros por ano (INAG, 2001). Nem todo este dinheiro é bem gasto. Os custos da ineficiência de utilização representariam 39% do valor global estimado para a procura de água no nosso país, o que dá cerca de 0,64% do Produto Interno Bruto Nacional. Quase um quinto deste valor está associado à indústria, que perde cerca de 140 milhões de euros por ano por utilizar ineficientemente a água (INAG, 2001). O Plano Nacional da Água indica que o maior potencial de poupança no uso industrial da água situa-se na parcela da indústria transformadora. A indústria alimentar é o segundo maior consumidor de recursos hídricos do sector industrial (INAG, 2004).
Analisando os consumos da água na indústria alimentar, é possível indicar três grupos principais de utilização: (1) produção de água engarrafada; (2) utilização da água como ingrediente doutros produtos e (3) utilização da água como recurso tecnológico. Como recurso tecnológico, a água é utilizada em diversas operações unitárias do processamento alimentar, tais como: meio para aquecimento/arrefecimento (cozedura, arrefecimento, descongelação); meio para a transferência de matéria (salga por salmouras, demolha, adição de corantes, re-hidratação); meio para processos biotecnológicos (fermentação, cura, processos enzimáticos); agente para a limpeza e condicionamento (lavagem das matérias primas, do material e equipamento), agente de transporte (da matéria prima e de produto durante o processamento, embalagem); há ainda outros usos, como a separação por flutuação, descasque e redução de tamanhos. É neste terceiro grupo de água de uso tecnológico que residem as principais oportunidades de economia da água. A racionalização do uso das águas tecnológicas na industria alimentar tem duas vertentes: a primeira é a redução do consumo e a segunda é a reutilização de alguns dos fluxos de água já usada.
Algumas das medidas viradas para redução do consumo da água podem ser relativamente simples. Por exemplo: a revisão dos sistemas de condução da água na empresa; instalação dos medidores e "data loggers"; instalação de sistemas de fecho automático do fluxo das mangueiras; optimização da profundidade da cama de produto durante processos de lavagem e outros. Tal como para o uso urbano, na indústria também é possível optimizar o consumo de água para fins sanitários (nas instalações sanitárias, nos refeitórios, etc.). Os processos de fabrico dos alimentos também podem ser adaptados ao funcionamento com menores consumos de água. Os custos de água podem ser reduzidos utilizando passadeiras rolantes ou sistemas pneumáticos em vez de transporte por flutuação, utilizando sistemas de flutuação com secção transversal parabólica, recorrendo a vapor em vez de água nos processos de transferência de calor (branqueamento, pasteurização) e utilizando sistemas de arrefecimento por evaporação em vez de arrefecimento por água. Entre outras medidas, também podem ser mencionadas a combinação da lavagem com o transporte por flutuação; a reorganização dos processos de lavagem com o objectivo de separar as águas mais limpas para recirculação e a aquisição de equipamento novo com alta eficiência de uso da água.
Outra vertente de racionalização do uso da água consiste na reutilização de água de processamento para outros fins. As águas que mais facilmente podem ser reutilizadas são: as águas resultantes dos processos de extracção (p. ex. na indústria dos óleos vegetais, produção de açúcar); as águas resultantes dos processos de lavagem de produtos e de embalagens; as águas usadas nos processos de aquecimento/arrefecimento e as águas usadas para transporte dos produtos/embalagens. Algumas das tecnologias aprovadas para o reacondicionamento das águas usadas são baseadas na microfiltração, osmose inversa, oxigenação, radiação, tecnologia de biorreactores de membranas, entre outros.
Osmose inversa
Tem que ser a indústria a encontrar as suas próprias soluções para a economia da água, embora necessite para tal da cooperação da ciência, tecnologia e entidades governamentais para a pesquisa de conclusões viáveis. A educação ambiental da população alvo (isto é, produtores e consumidores) também tem aqui um papel importantíssimo. Sensibilização, informação e educação dos gerentes, operadores e consumidores, medidas económicas e financeiras acompanhadas de regulamentação técnica e legislativa devem ser aplicadas conjuntamente com soluções científico-tecnológicas de modo a obter os melhores resultados na racionalização do uso da água pela indústria alimentar.
Fontes usadas:
Eco-efficiency Toolkit for the Queensland Food Processing Industry, 2005.
Waste Management and Utilization In Food Production and Process, CAST, 1995.
The United Nations World Water Development Report, UNIDO, 2006.
Plano Nacional da Água, 20/58, 4 – II, INAG, 2004.
Prof. Igor A. Shiklomanov, UNESCO, 1999.
Executive summary of the WWDR., World Bank, 2001.
Programa Nacional Para o Uso Eficiente da Água, INAG, 2001.