Produção Animal e Desertificação
Realizou-se no dia 30 de Novembro de 2006, pelas 21:30 H, no novo Campus de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, uma palestra proferida pelo Professor Doutor Henrique Rosa, sobre Produção Animal e Desertificação.
A temática da desertificação com origem na Produção Animal insere-se no contexto mais vasto das relações existentes entre os animais ditos zootécnicos (basicamente animais pecuários) e o ambiente. Estas relações, ou melhor dito, interacções, visto elas ocorrerem nos dois sentidos, estabelecem-se da seguinte forma; os sistemas de produção animal intensivos afectam o ambiente por via da poluição (são produzidos resíduos que contêm poluentes que poluem o ar, água e solo e provocam efeitos vários como patogenicidade, maus cheiros, efeito estufa, eutrofisação), os sistemas extensivos afectam-no por via da desertificação, enquanto que o ambiente reage aos sistemas extensivos condicionando (seleccionando) as espécies e mesmo as raças que podem ser exploradas, visto este ambiente possuir características ditas “difíceis” (i.e., temperaturas extremas, escassez de água, abundância de substâncias tóxicas e salgadas, orografia acidentada e mudanças sazonais acentuadas da composição florística que se reflecte na qualidade da dieta).
Dos animais zootécnicos, são fundamentalmente os pequenos ruminantes (ovinos e caprinos) e os camelídeos, aqueles que melhor resistem aos ambientes difíceis - áridos por possuírem um conjunto de características fisiológicas (e.g. rusticidade, resistência à desidratação, resistência a substâncias tóxicas e salgadas, elevada capacidade de termorregulação, superior digestibilidade para a fibra), anatómicas (e.g tamanho corporal, membros longos, pelagem clara, focinho afunilado, mobilidade labial e lingual, agilidade) e comportamentais (e.g grande capacidade de ingestão, capacidade selectiva para as peças anatómicas mais nutritivas das plantas, i.e. meristemas, flores e frutos, grande versatilidade alimentar, comportamento browser, posição bipedal, carácter independente, corajoso e curioso).
São os caprinos que apresentam o maior número destas características e que por isso mesmo, em associação com outras virtudes que possuem (importância social pela qualidade dos seus produtos e outras utilidades), estão mais presentes nas regiões áridas onde o processo de desertificação está em estádios mais avançados e é mais visível. Daí, a tendência para se associar a cabra à desertificação, considerando-se mesmo um dos seus agentes principais.
Ora, se por um lado a cabra pode de facto contribuir para a desertificação devido ao seu comportamento alimentar (as suas preferências vão para as estruturas anatómicas das plantas que são essenciais para o seu crescimentos, desenvolvimento e dispersão, i.e. rebentos flores e frutos) não será menos verdade que muitas vezes a cabra faz parte de uma longa cadeia do processo de desertificação onde já participaram outros animais, o clima e fundamentalmente o homem pelas más práticas agrícolas que adopta. Mas como a cabra aparece em último lugar, paga “culpas próprias e alheias” tornando-se num “bode espiatório”. Por todo o mundo, são raros os países que já não introduziram programas de perseguição e mesmo de erradicação da cabra. Portugal é um “bom” exemplo pois já “conseguiu” eliminar uma espécie selvagem (cabra do Gerês –Capra pirenaica lusitânica, extinta em 1921 numa excursão venatória promovida pelo jornal “O Século”) e agora, possivelmente com alguma justificação, tenta, se é que ainda não conseguiu, eliminar a cabra feral das ilhas Desertas da Madeira (para protecção de flora endémica).
Cabra pyrenaica da Península Ibérica
Será ainda de salientar a acção positiva que a cabra pode exercer sobre o ambiente, mesmo na defesa contra a desertificação, na medida em que ela pode ser muito eficaz na luta contra incêndios, na dispersão de vegetação através das sementes transportadas nas fezes (a cabras faz grandes percursos diários), a recuperação de flora herbácea (a cabra prefere arbustos) ou o controle de infestantes.
Cabra feral das Ilhas Desertas do Arquipélago da Madeira
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