domingo, junho 14, 2009

Sustentabilidade da produção leiteira nos Açores (2)

José Estevam da Silveira Matos (*)


CAPÍTULO II - A DIMENSÃO ECONÓMICA (EFICIÊNCIA, COMPETITIVIDADE)
Embora os Açores apresentem uma estrutura de produção menos diversificada do que o resto do país, esta assenta nas suas vantagens naturais para a produção animal, através da pastagem. Como a vaca leiteira é o animal que melhor é capaz de transformar erva em alimento para os humanos, leite e carne, não espanta por isso que os Açores produzam cerca de 30% do leite nacional e que nele existam cerca de 100.000 vacas leiteiras e que o número total de bovinos ultrapasse o número de humanos – um caso raro no mundo.
Os ruminantes são capazes de utilizar dietas ricas em componentes fibrosos (forragens e subprodutos), não utilizáveis na alimentação humana. De entre todos os ruminantes o que transforma a erva da pastagem em proteína de elevado valor biológico com maior rentabilidade é, sem dúvida, a vaca leiteira. Este facto situa estas espécies numa posição muito vantajosa dentro dos sistemas de produção animal. Para além disso, existem razões geográficas, orográficas, climatéricas e económicas - diríamos que também culturais - para a opção pecuária e pela especialização na produção de leite nos Açores.
A produtividade da indústria regional de lacticínios representava apenas 61% da média nacional, facto que pode ser explicado em grande pela especialização da região em produtos com baixo valor acrescentado: essencialmente queijo flamengo e leite em pó.
Como factores limitantes à sustentabilidade do sector, na vertente económica, apontamos este facto, o de a maioria dos lacticínios produzidos terem um baixo valor acrescentado, havendo ainda uma insuficiente promoção e valorização nos mercados de consumo das muitas virtudes dos produtos lacticínios regionais. Destas virtudes salientam-se aspectos da composição química do leite influenciados pela dieta natural das vacas criadas nos Açores, em liberdade, num sistema mais de acordo com as novas regras do bem-estar animal.
No entanto velhas debilidades tardam em ser resolvidas: demasiada pulverização da propriedade falta de abastecimento de água potável e energia, refrigeração do leite, qualidade do leite etc.
Os tempos de instabilidadeOs tempos que correm caracterizam-se do ponto de vista económico por uma grande incerteza e instabilidade, fruto em primeiro lugar de uma grave crise financeira, que persiste, e que dá mesmo sinais de poder vir a agravar-se. Esta instabilidade tem vindo a repercutiu-se no mercado do leite, com diminuições acentuadas dos consumos, principalmente do queijo e do leite em pó, com descidas acentuadas do preço do leite ao produtor. Os preços médios do leite pagos ao produtor na União Europeia atingiram mesmo o patamar mais baixo dos últimos 10 anos. Esta situação diminui a margem de competitividade dos lacticínios açorianos face à concorrência europeia e global e a manter-se a tendência verificada nos preços internacionais tal só poderá significar uma baixa acentuada dos preços do leite à produção no futuro mais próximo.
A RESPOSTA POSSÍVEL E DESEJÁVELUM MODELO SUSTENTÁVEL DE PRODUÇÃO A APOSTA NA DIFERENCIAÇÃO E NA DIVERSIFICAÇÃO NA TRANSFORMAÇÃO
Tenho vindo a defender, junto da lavoura açoriana, a necessidade de esta apostar num modelo mais sustentável da produção de leite, baseada principalmente na erva das nossas pastagens, em detrimento de uma produção de leite feita com concentrados, necessariamente importados, cujo preço não controlamos. Uma vez que vaca leiteira entrou hoje em competição directa com os automóveis e a razão preço do leite pago ao produtor, preço do concentrado, e a resposta produtiva esperada em função dos suplementos de cereais, faz com que esta nossa defesa ganhe hoje mais força ainda.
A vaca é um ruminante (por vezes esquecemos este pequeno grande detalhe!), uma máquina de 4 estômagos perfeita para transformar aquilo que não conseguimos comer, erva, em alimentos ricos e saborosos, leite e carne, aproveitando assim, indirectamente a energia solar captada pelas plantas através da fotossíntese.
Para que se disponibilize aos animais o máximo de erva possível e ao preço mais baixo, há que manejar melhor a pastagem, escolhendo-se as cultivares melhor adaptadas, mais ricas do ponto de vista energético (com mais açúcares), em pastagem consociada com leguminosas, garantindo-se o máximo de fixação natural de azoto, usando-se bactérias melhor adaptadas aos nossos solos ácidos.
Mas a produtividade e o rendimento são o produto de uma trilogia:PRODUTIVIDADE = GENÉTICA X ALIMENTAÇÃO X MANEIO
A exploração de animais melhor adaptados à produção de leite a partir da erva deve condicionar as opções genéticas, numa lógica de maximização da produção de sólidos por hectare em detrimento da produção individual, maximizando-se o encabeçamento. A opção por raças produtoras de maior quantidade de sólidos, ou de cruzamentos destas com a raça "holstein", garantem não só uma maior produção por hectare, através de um maior encabeçamento, mas também, no caso dos animais híbridos, a avaliar pelo exemplo da Nova Zelândia, um maior rendimento, fruto também de uma maior longevidade dos animais, maior resistência às doenças, maior fertilidade, maior rusticidade, maior eficiência económica.
Vender melhor ou produzir mais?Mais do procurar aumentar o rendimento dos agricultores incentivando-os a produzir mais, numa lógica produtivista, feita à custa de imputes importados, cujos preços não controlamos e nem sempre geradores de maiores rendimentos para o agricultor, importa vender melhor, produtos de elevada qualidade e de maior valor acrescentado, aumentando a rentabilidade dos sistemas mais sustentáveis de produção, através de mais conhecimento e de tecnologias apropriadas, numa lógica de sustentabilidade. Mais que a produção física, o sector precisa de intensificar o seu valor, apostando na diferenciação, na inovação ao nível da oferta e na comercialização dos produtos, na qualificação dos recursos e na sustentabilidade.
Os produtos com selo, com garantia de uma origem controlada, ilustram a formalização de novo paradigma na produção alimentar. Em nossa opinião os produtos da nossa agricultura e da nossa pesca, deveriam ser comercializados com a identificação de “Produzido nos Açores” defendendo-se a todo o custo que este rótulo esteja sempre ligado a uma imagem de qualidade, de mais natural, de segurança, de mais nutritivo. Mas, com maior agressividade, fazendo uso de técnicas de marketing modernas, explorando bem os mercados que nos ficam mais à mão: Lisboa; Madeira; Canárias e o mercado da saudade.
E porque estamos em ilhas, forçoso será pensar em transportes a preços mais acessíveis, bem organizados, pensados também numa lógica de exportação dos nossos produtos e não apenas da importação dos bens de consumo. Mais do que subsidiar a importação de cereais e adubo de outras paragens, importará mais fazer o inverso, subsidiando o transporte dos bens a exportar. Este é o grande desafio a colocar à comunidade europeia na negociação do POSEIMA.
E SEMPRE A QUALIDADE DA MATÉRIA-PRIMA
Os indicadores de qualidade apontam para níveis de cumprimento relativamente aos parâmetros de higiene do leite satisfatórios, embora em algumas das ilhas haja que fazer um maior esforço nesta vertente. Destacamos pela positiva o caso da Ilha de S. Jorge, que produz um leite de excelente qualidade, talvez o melhor leite do país, graças ao esforço efectuado pelas cooperativas locais, produtoras do queijo DOP S. Jorge. Este deveria ser claramente um exemplo a seguir pelas restantes ilhas.
O POTENCIAL DE DIVERSIFICAÇÃO PELA INOVAÇÃO
Como referimos anteriormente os lacticínios açorianos tem baixo valor acrescentado, havendo ainda uma insuficiente promoção e valorização dos seus produtos de referência com qualidade diferenciada, como os 2 queijos regionais DOP, a manteiga e o leite líquido UHT. O queijo S. Jorge representa, em quantidade, cerca de 60% da produção total nacional de queijos DOP, mas é aquele que apresenta a menor cotação no mercado, ao que não será alheio o facto de ser um queijo de vaca, tradicionalmente menos valorizado que os queijos fabricados com leites de cabra e ovelha. O “Queijo do Pico”, não tem registado, infelizmente, produção e comercialização, o que o coloca à beira da extinção, justificando-se um esforço especial e urgente no sentido de o preservar.
Um dos dramas da comercialização dos lacticínios dos Açores é - uma vez que cerca de 87% do leite é constituído por água - fazer face aos custos de transporte para os seus principais mercados, sobretudo para Lisboa. Daí que a opção seja a concentração em matéria sólida e que não seja de espantar que mais 80% dos lacticínios dos Açores sejam constituídos por sólidos do leite: queijo (52,6%), essencialmente queijo flamengo, e leite em pó (27,5%), o mais pobre dos lacticínios em termos de valor acrescentado e o mais dependente de energia fóssil. Será isto sustentável? Claro que não! Aumentos bruscos do preço da energia, como recentemente aconteceu, poderão colocar em causa de um dia para o outro a sustentabilidade económica desta indústria.


Ora, uma forma de absorver no produto os custos de transporte será acrescentar-lhe mais valor, inovando, diversificando, fraccionando-o. Existe certamente um grande potencial para produzir novas variedades de queijo, produtos fermentados do leite, sobremesas, leites modificados, gelados, lacticínios destinados a grupos específicos de consumidores: pediátricos, geriátricos, para grávidas, jovens em crescimento, atletas, etc.
Os gelados, considerados em alguns países um produto “dairy”, são o lacticínio com maior taxa de crescimentos no seu consumo e maior valor acrescentado Dada a preocupação com o fenómeno da obesidade e com as doenças nutricionais, há a necessidade de desenvolver novas variedades “light”, por exemplo, a partir do iogurte, do soro em pó, com incorporação de frutos locais, com flora activa - mais adequados a uma nutrição equilibrada, em particular dos jovens, sem lhe retirar o prazer no momento de consumo.
O consumo de leites suplementados ou modificados, pela adição de minerais (Cálcio); ácidos gordos (omega3; CLA); vitaminas (Ex.:vitamina D); com flora activa (Por ex. Lactobacillus acidophilus, no leite dito acidófilo); extracto de plantas (aloés); leite achocolatado, rico em proteínas do soro (lactoalbumina; lactoglobulina; lactoferrina) tem vindo aumentar nos últimos anos. Estes processamentos tendem a acrescentar muito valor à matéria-prima, viabilizando o suporte dos custos a grandes distâncias.
Outra forma de acrescentar valor será através de novas embalagens, mais apelativas, fraccionando-se o produto, em doses individuais, adequadas à confecção de pratos rápidos. São exemplos o queijo fatiado; ripado; ralado; os iogurtes bicompartimentados; o leite chocolatado enriquecido, em embalagem em dose individual e de fácil consumo.
Os produtos com selo DOP ou IGP (Indicação Geográfica Protegida) acrescentam valor comercial aos alimentos, pois o consumidor relaciona facilmente estes produtos com a imagem cultural e ambiental de uma determinada região, garantia de virtudes relacionadas com as origens, as raízes, uma certa forma de fazer mais natural, por isso mais genuína! O conceito, recente, de Indicação Geográfica Protegida (IGP) denominada “Carne dos Açores”, deveria, com mais propriedade, ser aplicado ao “Leite dos Açores”, o que daria um contributo importante para uma maior valorização do nosso leite possibilitando níveis de organização e integração destas duas fileiras- de si intimamente relacionadas ao nível da produção - essenciais à afirmação de uma imagem no mercado que permita a qualificação e valorização destes produtos ao nível do seu próprio mérito. A este respeito a recente abertura na baixa lisboeta de uma loja gourmet de produtos açorianos é de louvar e incentivar.
(*) Professor Catedrático da Universidade dos Açores
Síntese baseada numa comunicação apresentada ao 9º Encontro de Química dos Alimentos QUALIDADE E SUSTENTABILIDADE - UMA ABORDAGEM INTEGRADA. Angra do Heroísmo. 29 de Abril a 2 de Maio 2009

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