quinta-feira, junho 11, 2009

Homenagem a João Ângelo é tributo à cultura açoriana

JOSÉ ELISEU: “Os improvisadores devem orgulhar-se ao verem o decano a ser galardoado”.

João Ângelo recebe hoje das mãos do Representante da República nos Açores uma medalha de mérito. Ficou surpreendido?
Não, não fiquei. Já o disse diversas vezes que João Ângelo foi o cantador popular que nos últimos 30/40 anos conseguiu projectar os cantares de improviso para além da esfera rural. A finura com que elabora as suas cantigas satíricas levou-o ao trono de cantador mais emblemático da ilha Terceira e até dos Açores. Este galardão acaba por ser um prémio de carreira. E justíssimo. João Ângelo pelos lugares que passou deixou um rasto de simpatia, seriedade e qualidade no repentismo, onde ele é mestre. Apesar de já idoso, consegue encantar todas as faixas etárias. Ele bem pode gabar-se de ser autor de “velhas” eternas. Aquelas estrofes que permanecerão na memória popular pelo menos por mais 100 anos.
Acha que este galardão terá reflexos no futuro das cantigas ao improviso e das “velhas”?
Repare, reconhecer João Ângelo é valorizar a arte popular e por arrastamento os que a divulgam, neste caso os cantadores. Os improvisadores devem orgulhar-se ao verem o decano a ser galardoado. Porque acrescenta nobreza a uma arte até há poucos anos considerada rústica e com pouco impacte nas elites pensadoras. Além de que jovens que tenham propensão genética para o improviso, sentir-se-ão motivados para experiências públicas e com isso aumentarem o quadro de cantadores que continua curto. No que concerne às “velhas”, parece-me que todos os que cantam esta moda têm a consciência de que João Ângelo é insubstituível. Foi o melhor de todos os tempos. Sem dúvida nenhuma. E eu falo por experiência própria. Uma conjugação de factores, de gestos, de voz, de expressão, de conteúdos, faz com que as “velhas” de João Ângelo sejam cantadas em todo o lado por quem as plagia. Eu próprio, comecei a cantar “velhas” dele.
Por que é que João Ângelo é uma pessoa…especial?
Simplesmente pela simplicidade. Ele é genuíno, indisfarçável. É sincero, coerente e não bajula. Como ele próprio costuma dizer, “o que tem na montra, tem no armazém”. Ele é mestre na sua arte mas nunca assoberba nem tenta tirar proveito próprio da fama. Agora falo por mim: quando iniciei esta actividade de cantador, muito mais do que hoje, era de recursos muito limitados. Aos meus colegas exigia-se paciência e solidariedade; e ele teve-as sempre comigo. Fica aqui o meu agradecimento público.
Há dedo de João Ângelo nas características de José Eliseu, cantador?
Há, sim senhor! Primeiro deixe que lhe diga que João Ângelo foi o colega com quem mais convivi, cantei e viajei. Com ele aprendi a moldar o meu cantar conforme a ocasião e o ambiente envolvente. Tornei-me mais versátil. Tenho uma vertente cómica que tem forte influência de João Ângelo sem que talvez ele o saiba. Por um lado por contágio e por outro por mecanismos que encontrei de provocação para que ele explorasse todo o seu potencial cómico. Penso que todos os terceirenses e os cantadores, particular, sentem-se lisonjeados porque o Governo da República vai homenagear uma das figuras mais carismáticas dos cantadores e da cultura açoriana.

(in Diário Insular)

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