sexta-feira, junho 12, 2009

Sustentabilidade da Produção Leiteira nos Açores

José Estevam da Silveira Matos(*)


A noção de sustentabilidade, aplicada aos processos de produção agrícola, tem vindo a impor novos desafios ao desenvolvimento da pecuária, tornando-se mesmo determinante das estratégias do seu desenvolvimento. Importará então saber – com base numa noção de sustentabilidade construída a partir de 3 diferentes dimensões: social (Capital Humano, cultural e a política); económica (eficiência, competitividade); ambiental (solo, água, qualidade do ar; biodiversidade, paisagem) - se o actual modelo de produção leiteira praticado nos Açores é, ou não, sustentável a médio-longo prazo - face às mudanças de paradigma associadas à globalização dos mercados, à grande instabilidade económica, à emergência de novos mercados, às novas energias, etc.Abordaremos cada uma destas dimensões em capítulos separados.
CAPÍTULO I - A DIMENSÃO SOCIALO CAPITAL HUMANOAs práticas da agricultura, em particular a produção leiteira, são mão-de-obra intensiva, exigentes em mão-de-obra jovem e saudável, dada a exigência de uma actividade física intensa, 365 dias por ano, quase sempre sobre condições adversas no caso dos Açores.Um dos factores de instabilidade no sector é representado pelo franco envelhecimento da população agrícola e a diminuição drástica do número de agricultores, com a eventual deslocação das explorações para zonas mais populosas, “mais favoráveis”, com a consequente desertificação das regiões mais remotas. Embora a diminuição do número de produtores de leite tenha sido acompanhado pelo aumento da dimensão média das explorações e o aumento da produção de leite por exploração, há que garantir que as explorações leiteiras do futuro sejam geridas por profissionais agricultores mais jovens e mais qualificados e que os recursos disponíveis, nomeadamente os solos e as pastagens, sejam explorados de forma sustentável , quer o sejam através da vaca leiteira quer da dos bovinos de carne ou através dos pequenos ruminantes: a cabra e a ovelha.
Comparativamente com o todo Nacional, os Açores têm uma maior percentagem de jovens; e uma menor percentagem de idosos mas com uma menor percentagem de indivíduos em idade activa (dos 15 aos 64 anos). Mas, as médias podem ser enganadoras uma vez que os Açores são, também neste aspecto, 9 realidades territoriais diferentes.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística (Estimativas da População Residente, de 2006) indicam que entre 2005 e 2006, o Índice de Envelhecimento da população açoriana voltou a aumentar, passando de 63,4 para 64,4, mesmo assim, este indicador é inferior ao do país, que é de 111,7. Mas analisando o que se passa nas diversas ilhas, a perspectiva é bastante menos animadora, pois, algumas ilhas estão a envelhecer acentuadamente (Quadro 1). A média Regional é claramente influenciada pela população da Ilha de S. Miguel, que constitui a maior percentagem da população das ilhas.
QUADRO 1. População residente nos Açores e seu envelhecimento – comparação com o todo Nacional TOTAL 2001 Índice de envelhecimento1991-2001
PORTUGAL 10,5 milhões 111,7AÇORES 243.018 64,4Corvo 468 193,2Lajes das Flores 1.513 133,3Santa Cruz das Flores 2.546 113,0Lajes do Pico 4.772 148,5São Roque do Pico 3.776 136,4Madalena 6.258 135,2Calheta 3.906 126,9Velas 5.598 108,1Santa Cruz da Graciosa 4.838 137,2Horta 15.426 86,4Angra do Heroísmo 35.115 78,3Vila da Praia da Vitória 20.582 72,4Povoação 6.771 72,5Nordeste 5.276 96,4Vila Franca do Campo 11.089 50,2Ponta Delgada 64.384 49,2Lagoa 15.139 41,3Ribeira Grande 30.012 34,6Vila do Porto 5.549 68,0FONTE: INE, Estimativas da População Residente - 2006
Mais preocupante ainda se torna se analisarmos a variação percentual da população por grupos etários (Quadro 2). Destacamos aqui nesta análise o grupo dos mais jovens (0-14 anos), acentuando o facto da variação ocorrida entre o censos de 1991 e 2001 ser negativa em todas as ilhas, mais acentuadamente em S. Jorge (-28,5%); Flores (-28,3%); Santa Maria (-27,3%); Graciosa (-23,5%); Corvo (-22,9%); Faial (-22,6%). Apenas S. Miguel apresenta uma evolução percentual um pouco melhor do que a Nacional (-16%), embora também negativa (-15%).
QUADRO 2. Variação Percentual da População Residente por grupos etários (1991/2001)
GRUPOS ETÁRIOS 0-14 15-24 25-64 >=65PORTUGAL -16 -8,1 11,8 26,1AÇORES -17,6 2,9 11,6 5,5CORVO -22,9 47,9 22,3 15,6FLORES -28,3 -1,7 1,5 -11,0PICO -20,9 0,2 3,5 -0,6S.JORGE -28,5 -2,0 0,5 9,3GRACIOSA -23,5 1,3 -5,6 -3,2FAIAL -22,6 7,2 13,1 -5,4TERCEIRA -18,4 5,5 6,3 6,6S.MIGUEL -15 2 18 9,7SANTA MARIA -27,3 8,1 -0,8 5,9
Este envelhecimento da população tem levado algumas das ilhas a optarem por sistemas de produção pecuária muito extensivos, por exemplo por produção de carne, com produtividades menores - diríamos que mesmo por sistemas de semi-abandono das terras.
Apesar do número de explorações leiteiras não ter cessado de diminuir nos últimos anos nos Açores, passando de 9712, em 1985, para 3.537, em 2007/08, a produção de leite aumentou substancialmente, de cerca de 381.000 toneladas, em 1996/97, para 538.000, em 2007/08 (+41,2%), concentrando-se esta produção essencialmente nas Ilhas de S. Miguel e da Terceira (87%).
Acresce ao problema da desertificação e do envelhecimento dos agricultores o baixo nível de instrução e da sua formação profissional, embora exista nas ilhas de S. Miguel e Terceira uma franja importante de agricultura profissionalizada, com lavouras prósperas, tecnicamente evoluídas.
CONSEQUÊNCIAS AMBIENTAiS DA DESERTIFICAÇÃO

O nosso ambiente, dito “natural”, não passa de um imenso jardim, amanhado por várias gerações, que levantaram paredes, muitas vezes à luz do luar, roçaram silvados e outras ervas daninhas. Sem estes amanhos constantes as tão admiradas hortênsias (Hidrangea macrophyla), o incenso (Pittosporum undulatum) e a roca-de-velha (Hedychium gardnerarum) - que são plantas exóticas, mas que por cá se dão excepcionalmente bem - seriam pragas ainda mais generalizadas. A multiplicação, desgovernada destas espécies, estranhas, é responsável pela extinção de espécies endémicas, já hoje raras, e que fazem parte do nosso património natural.
A diminuição da população agrícola, conjugada com o seu relativo envelhecimento, a continuar nos próximos anos, inviabilizará, por exemplo, qualquer política da recuperação das vinhas da Ilha do Pico, classificadas como Património Mundial pela UNESCO. A recuperação destas vinhas só será então possível com o recurso a mão de obra imigrante.
CONSEQUÊNCIAS CULTURAISA forte ruralidade da RAA está bem patente na identidade cultural do povo açoriano, na ocupação do território e nas paisagens características das ilhas – aspecto também relevante para o desenvolvimento do emergente sector do turismo.
As grandes referências cultura açoriana, como as festas do Divino Espírito Santo (a grande festa da partilha da abundância gerada pela terra), o Carnaval da Terceira, o folclore, a tourada à corda, tradições cuja matriz é profundamente rural, terão a perder com a desertificação humana da agricultura de algumas das nossas ilhas.
Também, por isso mesmo, o turismo que queremos tanto desenvolver será também prejudicado pois, quer os aspectos ambientais, quer os culturais, lhe dizem respeito.
Há portanto que entender que a actividade agrícola é mais do que simplesmente um sector económico, percebendo-se a riqueza do conceito da sua multifuncionalidade, a importância que ela tem para potenciar o desenvolvimento de outros sectores da actividade económica; como o turismo, a preservação da paisagem, enquanto valor cultural, a conservação dos recursos naturais (água, solo, biodiversidade e outros), a segurança alimentar, das próprias famílias e da sociedade. Para que o sector continue a desempenhar estas diversas funções, todas igualmente úteis e importantes, existem grandes desafios para a sua continuidade, na busca de um equilíbrio entre a tradição e a constante necessidade de inovação e que os fenómenos de desertificação e envelhecimento demográfico de algumas das ilhas acarretarão consigo mais do que a perca de produção de uns milhares de litros de leite ou toneladas de carne.
OS DESAFIOS POLÍTICOSAS INCERTEZAS DA PAC A possibilidade de as quotas acabarem em 2015, ou mesmo antes (?!!!), a demora na definição de um prazo exacto, a indefinição no regime de transição, na maior ou menor “suavidade na aterragem”, coloca os produtores de leite europeus perante uma grande dificuldade de planeamento das suas explorações a médio/longo prazo, uma vez que estes se adaptam com grande dificuldade a mudanças súbitas de rumo, dada o grande compasso dos ciclos naturais com que tem que lidar. Certo é que o fim da quota leiteira, num quadro de maior competição global, e de retracção dos consumos, terá como consequência previsível um aumento da produção de leite na União Europeia, um aumento da dimensão das explorações e obviamente a uma diminuição substancial dos preços do leite ao produtor. Este sector é, por tradição, muito dinâmico nas respostas, ou na exploração de novas oportunidades, tendo mesmo sido vítima no passado do seu próprio dinamismo.
(*) Professor Catedrático da Universidade dos Açores
Síntese baseada numa comunicação apresentada ao 9º Encontro de Química dos Alimentos QUALIDADE E SUSTENTABILIDADE - UMA ABORDAGEM INTEGRADA. Angra do Heroísmo. 29 de Abril a 2 de Maio 2009

(in Diário Insular)

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