quarta-feira, janeiro 21, 2009

PRECONIZA MIGUEL GOMES "Empreendorismo desenvolvido entre os estudantes de enfermagem"

Sónia Bettencourt - sonia@auniao.com

A Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo – Universidade dos Açores (ESEnfAH – UAc), completou 32 anos de existência (10 de Janeiro), assinalados no passado fim-de-semana, em simultâneo com as III Jornadas da Associação de estudantes dessa Escola.
O nosso jornal conversou com o presidente do conselho directivo da ESEnfAH – UAc, Miguel Gomes, que falou dos cursos, dos modelos de estudo, do sucesso académico e profissional, e das ambições de um estabelecimento de ensino superior que conta, actualmente, com 400 alunos, 26 docentes, e duas tunas: TAESEAH e Neptuna. A União (a U)– O “Empreendorismo na Enfermagem” foi o tema do programa das comemorações do 32º aniversário da ESEnfAH - UAc. No seu entender, os nossos profissionais de saúde, sobretudo os mais jovens, terão “espírito de iniciativa” para colocar esse conceito em prática?
Miguel Gomes (MG) – A pertinência da escolha da temática do Empreendedorismo é de elogiar, uma vez que é uma temática emergente que necessita de ser conhecida e desenvolvida nomeadamente entre os estudantes de enfermagem. Tivemos oportunidade de ouvir conferências de especialistas e docentes dessa área, e constatámos que os portugueses são muitas vezes acomodados às práticas existentes e temem o risco de novas actividades de novos desafios.
Mais do que espírito de iniciativa para promover actividades empreendedoras, julgo que os novos profissionais possuem uma capacidade de reflexão sobre a realidade que os levará a tentar inovar como estratégia de empregabilidade e também de satisfação das necessidades dos novos públicos alvo dos cuidados de enfermagem.
a U – Considera, então, o empreendorismo uma das “alternativas” mais eficazes para a garantia de trabalho, tendo em conta que os recém-licenciados não encontram facilmente lugar nas unidades de saúde públicas?
MG – Certamente os jovens têm de ter a consciência que já não é possível fazer um licenciatura ou outros cursos de 2º e 3º ciclo e procurar emprego junto de casa uma vez que os quadros das instituições de saúde da região estão quase preenchidos por profissionais muito jovens, o que levará ainda muito tempo para a sua renovação. Temos incentivado os estudantes a participarem em programas de mobilidade para o continente e estrangeiro de forma a tomarem contacto com outras realidades e onde as iniciativas empreendedoras são resultados evidentes porque satisfazem as necessidades das populações e porque criam emprego, riqueza e melhores cuidados em rede.
a U - Para onde se dirigem, actualmente, a maior parte dos jovens enfermeiros açorianos quando não encontram emprego na Região?
MG – As escolas possuem um contingente de 50% de vagas de estudantes que vêm do continente e da Madeira. A grande maioria desses regressa à origem, outros optam por ficar nas ilhas. Nos últimos anos alguns dos nossos jovens enfermeiros têm recebido proposta de emprego bastante aliciantes na Espanha, nas Canárias, temos um caso na Irlanda, alguns em Inglaterra.
a U - A ESEnfAH – UAc tem, neste momento, 400 alunos. Este número é superior aos valores registados nos últimos três anos?
MG – Desde 2000 que o número de estudantes da Escola e a tipologia de estudantes modificou-se. Por um lado houve a necessidade de aumentar o número de vagas de ingresso para a licenciatura, depois regressaram à escola todos os enfermeiros bacharéis para completarem um ano de estudos e ficarem com a sua licenciatura em enfermagem. No último ano foram todos os fisioterapeutas da região e ainda este ano virão todos os profissionais (em seis grupos distintos) que possuem o bacharelato adquirido em Escolas de Tecnologias da Saúde e neste ano de transição para o modelo de Bolonha vão adquirir o grau de licenciado. Este é o último grupo de profissionais que acede a este modelo de formação apoiado num protocolo com a Secretaria Regional da Saúde e a Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Instituto Politécnico de Lisboa.
a União - A taxa de sucesso é significativa? No contexto nacional, que atribuições se pode dar a esta Escola que acabou de completar 32 anos de existência?
MG – O modelo de formação em enfermagem baseia-se num modelo de formação tutorial onde docente, estudante e tutor (enfermeiro da prática profissional) possuem uma relação pedagógica próxima e muito aberta. Efectivamente o sucesso escolar é elevado. Temos o prazer de receber os jovens enfermeiros que regressam à ilha Terceira e que nos visitam e referem sentirem-se bem preparados para trabalhar em outras instituições do país ou estrangeiro; o retorno da informação dos empregadores é oficioso, mas garantem-nos que o nosso produto é de qualidade, com uma forte formação relacional e uma capacidade de reflexão sobre as práticas e adaptação a novas situações.
Para além da formação científica existe uma forte relação de amizade entre os estudantes e aqueles com quem se relacionaram com maior intensidade. E isso é demonstrado pelas amizades que mantemos com os jovens enfermeiros que num momento são formandos e depois de um período de integração profissional são colegas tutores na formação de novos enfermeiros.
Um recente estudo de investigação demonstrou que é na dimensão relacional que os estudantes de enfermagem desta escola adquirem mais competências.
a U - Que cursos e especialidades estão disponíveis nesta instituição de ensino superior, e que instrumentos de trabalho os alunos têm ao seu alcance?
MG – Este ano lectivo a escola possui em exercício o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciatura em enfermagem; o Curso de Pós-graduação em Gestão de Unidades de saúde; e o curso de mediação familiar e mediação de conflitos. No decorrer do 2º semestre estão disponíveis 6 cursos das áreas das tecnologias da saúde para os profissionais que vão adquirir o grau de licenciados na sua área científica de exercício profissional e os cursos livres de Inglês, Alemão e Espanhol. Aguardamos que o Ministério faça o registo do Mestrado em Gerontologia Social, grau associado com mais quatro universidades portuguesas e espanholas e o Curso de Preparatórios de Fisioterapia.
Os estudantes estão sujeitos a um novo paradigma de formação denominado Processo de Bolonha onde existem várias modificações em relação ao modelo anterior, embora no ensino superior politécnico sejam menos evidentes. Como recursos possuem em primeiro lugar o seu próprio modelo de estudo, os docentes, o grupo de estudantes, o centro de documentação bem equipado com as bases de dados adequadas, todos os cursos estão implementados sobre a plataforma de e-learning Moodle.
Uma das maiores qualidades da especificidade da formação em enfermagem encontra-se na componente de ensino clínico que corresponde no mínimo a 50% da carga lectiva, o que permite ao estudante uma aquisição de competências gradual e consciente com o perfil de enfermeiro proposto pela Ordem dos Enfermeiros.
a U - Falou em outras ocasiões da ESEnfAH - UAc transitar para Escola Superior de Saúde. Essa vontade é muito antiga, no entanto espera, sem dúvida, que o desejo se concretize?
MG – O projecto de evolução para Escola Superior de Saúde possui alguns anos e alicerça-se na necessidade de um diversificação da oferta formativa na área da saúde. Novos clientes dos serviços de saúde estão a emergir, os padrões de saúde doença estão a modificar-se e torna-se necessária uma antecipação das instituições formadoras para que não existam lacunas nos cuidados de saúde prestados ou amadorismo nas práticas profissionais.
Não queremos repetir os modelos de formação de 1º ciclo que abundam pelo país a partir do ano 2000, mas sim criar possibilidades de formação pós-graduada e de 2º ciclo de modo a especializar os profissionais já existentes e a criar maior conhecimento uma vez que se deve basear essa formação em estratégias de investigação e de conhecimento das realidades específicas para a partir da evidências modificar os cuidados de saúde prestados.
a U - Que benefícios traria para os Açores enquanto região insular?
MG – Primeiro aumentava a oferta formativa, logo poderia captar novos públicos, mesmo vindo do continente.
Trazia mais conhecimento, melhorava as qualificações profissionais e promovia o trabalho em rede com outras instituições formativas e de saúde o que só beneficia as instituições insulares.
Em termos pragmáticos e institucionais traria mais estudantes à Universidade e à Escola, o que por si só é um indicador de avaliação e financiamento por parte da tutela.
a U - Entretanto, os órgãos internos da Universidade dos Açores serão todos reestruturados em breve. Como responsável desta Escola, que vantagens vai trazer o novo modelo de gestão e organização?
MG - A elaboração dos novos estatutos da Universidade foi um momento de reflexão interna bastante importante. Como é normal não se conseguiu alcançar todas as potencialidades que a nova legislação permitia. Contudo acredito que é uma oportunidade para reestruturar uma Universidade onde todos têm um papel participativo em que são chamados a desenvolver eticamente. Novos elementos irão desempenhar novos cargos de gestão administrativa científica e pedagógica, pelo que por si só corresponde a novas iniciativas, novos projectos e possivelmente a um novo paradigma. Esta Universidade possui um sistema binário de ensino superior, é insular, tripolar em estrutura de campus universitário que pela sua implementação em diferentes ilhas constituem pólos de desenvolvimento económico e social, além do científico e cultural que constituem a sua missão.
a U - Depois de “a casa arrumada” o desafio será as novas instalações? É urgente a mudança da Escola para a Universidade dos Açores, no Pico da Urze?
MG – Em saúde existem dois conceitos muito semelhantes: o emergente e o urgente. O emergente é imediato e o urgente é crucial que seja prestada assistência mas não se corre perigo de vida nas 24 horas seguintes. Utilizando essa metáfora considera-se que para a quantidade de estudantes que já possuímos, para os projectos apresentados e devido ao estado degradado de alguns espaços, torna-se urgente a construção de um edifício no Campus do Pico da Urze. Já existe uma proposta entregue há dois anos que tem sido alvo de atenção de arquitectos e engenheiros e em breve será apresentado à tutela. Faz parte do plano de campus universitário em Angra do Heroísmo a construção de um edifício, e com o evoluir rápido da construção dos dois edifícios que correspondem aos serviços de acção Social e o edifício interdepartamental estou confiante que brevemente se iniciará o edifício em falta.
a U - Até ao final deste ano todos os agrupamentos de Centros de Saúde terão no mínimo uma equipa de apoio domiciliário, no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, segundo anunciou há dias a ministra da Saúde. O que pensa desta medida do Governo?
MG – É uma medida sensata e necessária, que deverá ser implementada também na região, uma vez que como já referi novos clientes e novos padrões de saúde doença vão emergindo e é junto das suas áreas de residência junto dos seus espaços socioculturais de origem que os utentes devem ter acesso à satisfação das suas necessidades de saúde. Já se iniciam experiências deste âmbito com grande satisfação para profissionais e utentes e seus familiares melhorando a qualidade de vida e a satisfação dos clientes dos serviços de saúde.
a U - Que outros modelos ou outras estratégias poderiam ser postas em prática para auxiliar os mais vulneráveis da sociedade, nomeadamente os idosos?
MG – Julgo que possuímos já inúmeras iniciativas junto das populações que devem ser analisadas e melhoradas. Os centros de dias são uma realidade de grande importância para a promoção de um envelhecimento activo.
a U - Como enfermeiro como é lidar com a vida e com a morte em simultâneo?
MG – O enfermeiro é o profissional de saúde que vive 24 horas em presença junto do indivíduo família e comunidade. O ciclo de vida é belo, recheado de singularidade e cada pessoa é única, por isso é sempre um desafio para o enfermeiro o encontro com o outro uma vez que o outro por si só tem uma história de vida única e irrepetível. Tanto nascer como crescer e desenvolver-se e por fim morrer são etapas do ciclo de vida que podem e devem ser vividas em plenitude com uma consciência da realidade e da unicidade da pessoa. Os enfermeiros possuem formação adequada e o dever deontológico e ético de se prepararem para satisfazer as necessidades de saúde e doença da pessoa em cada etapa, inseridos numa equipa interdisciplinar.

(In A União)

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