O Roubo do Leite
Os protestos são frequentes: as associações agrícolas acusam a indústria de absorver uma esmagadora parte do preço final do leite, enquanto os produtores obtém retorno reduzido. Mas, e se existir um terceiro elemento que aumenta todos os anos a sua fracção de lucro, com investimento quase nulo?
(In Diário Insular)
A ideia é defendida pelo professor da Universidade dos Açores, José Matos, que lembra um debate aceso, já há alguns anos, no Reino Unido. No site “The Great Milk Robbery”, que pode ser consultado no endereço “http://www.thegreatmilkrobbery.co.uk/” e que, à letra, se traduz como “O Grande Roubo do Leite”, o sector da distribuição, especialmente as grandes superfícies, é culpado pela cada vez mais escassa margem de lucro dos produtores. “Os supermercados usam o seu poder de compra para pressionar os fornecedores. Os agricultores não têm qualquer influência sobre os supermercados e acabam por ter de aceitar preços miseráveis pelo seu leite, que permitem à indústria de lacticínios e às grandes superfícies obterem lucros”, pode ler-se no site. José Matos, do Departamento de Ciências Agrárias estima que, nos últimos 10 anos, a fracção do preço final do leite que é arrecadada pela distribuição tenha aumentado, de cinco, para perto de 30 por cento. “É necessária legislação que imponha limites à margem de lucro que o sector da distribuição pode ter. Actualmente, existe um verdadeiro monopólio das grandes superfícies. A indústria coloca o seu produto à venda em duas ou três cadeias de super e hipermercados, que representa perto de 80 por cento do mercado. Isto significa um grande poder. É este sector de distribuição que impõe preços à indústria. Se a indústria recusar determinado preço, estas grandes cadeias podem simplesmente dizer que vão comprar a outro sítio”. Na opinião de José Matos, os protestos que se ouvem por parte dos produtores podem estar deslocados: “ouvem-se muitos argumentos, contra a indústria, que são baseados em dados antigos, sem aplicação nos dias que correm. Pensa-se sempre a questão do mercado do leite como tendo dois grandes intervenientes: a indústria e os produtores. A verdade é que surgiu um terceiro elemento neste diálogo: a distribuição. É esta que tem a faca e o queijo na mão”. O presidente da Associação Agrícola da Ilha Terceira, Paulo Simões Ferreira, concorda: “os agricultores trabalham e investem para conseguirem um bom produto e a indústria faz o mesmo, apostando na modernização. No meio disto tudo, a distribuição é quem consegue mais lucros sem grande investimento”.“As grandes superfícies, conseguem fixar preços junto da indústria e, como detêm o monopólio, não existe grande margem para negociação. Não se consegue fazer nada frente a um poder desta dimensão”, desabafa. Embora não existam dados a nível nacional, o exemplo do Reino Unido é claro: em 2005, por litro de leite, a indústria e os produtores recebiam perto de 12 cêntimos cada, enquanto a distribuição recebia 11 cêntimos. No espaço de uma década, estima-se que o lucro do sector de distribuição tenha aumentado 4 000 por cento, enquanto o dos produtores terá descido oito por cento.
(In Diário Insular)
Etiquetas: Açores, comércio, José Matos, Leite, Produção animal, Produtos Açorianos
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