segunda-feira, maio 11, 2009

Saber olhar o passado

RM
A ânsia cega de sermos modernos e evoluídos leva-nos, na maior parte das vezes, a esquecer que olhar para trás é um exercício que pode evitar os erros cometidos e garantir a manutenção das boas soluções já experimentadas. Isto a propósito da repetida discussão por causa da escassez de água na ilha Terceira. No ano passado, os angrenses e os lavradores viveram um Verão complicado: uns sem água dois dias por semanas; os outros obrigados a percorrer quilómetros para que as vacas não morressem de sede. Um ano depois, o cenário tende a repetir-se. Mas, mais do que procurar responsabilidades pela aparente inércia e reivindicar medidas que invertam um cenário cada vez mais real, importa fixar a reflexão de Félix Rodrigues, professor do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores. O académico, no fundo, diz duas coisas: primeiro, meteram canos de água nas explorações agrícolas e nas casas, ficando os antigos tanques, cisternas e talhões cheios de ar, entulho ou flores; segundo, a Região vive o ciclo da vaca, que promoveu a produção extensiva de erva, tornando residuais produções que já provaram ser rentáveis nas ilhas. Quer isto dizer que o arquipélago decidiu trilhar um novo modelo de desenvolvimento, mas, mais uma vez, fez tábua rasa do passado.
E, no fundo, é esta a ideia que pretendemos realçar neste escrito. Quem ocupou estas ilhas, percebeu que a chuva não cai sempre na mesma quantidade. Solução? Toca a armazenar a que ia caindo, não fosse o diabo tecê-las. E percebeu também que numas terras há coisas que crescem melhor do que as outras. Solução? Plantar de acordo com as capacidades da terra. Para ser mais rentável e, ao mesmo tempo, para que se uma falhasse, a outra havia de dar alguma coisa. E onde só dava calhau, toca a plantar as casas. No fundo, a exploração do território foi operada numa lógica de sustentabilidade e rentabilidade, tendo por base a noção que os recursos poderiam ser finitos. As preocupações energéticas das casas construídas nos séculos seguintes ao povoamento são exemplos perfeitos dessa preocupação. Hoje, a importação de lógicas de desenvolvimento tolda-nos a vista e obriga-nos a olhar sempre em frente, mesmo que nessa direcção se rume ao abismo. Não defendemos o regresso à carroça, à burra de milho e às sapatas de sola de pneu. Mas que o tractor, a comida “ligth” e o telemóvel não sejam mais importantes do que o solo que habitamos. Porque é nesse que a vida é possível.
(in Diário Insular)

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