sábado, maio 09, 2009

Presidente da Direção dos Amigos dos Açores -Associação Ecológica

Jaime Por que razão os Amigos dos Açores, como o próprio nome indica, não se assumem como uma ONGA de âmbito regional, em vez de centrarem e limitarem a sua acção a S. Miguel e S. Maria? Parece que cada ilha tem a sua ONGA privativa e para consumo interno. Não será precisamente esse um factor que retira força e credibilidade ao movimento ambientalista açoriano?


Os Amigos dos Açores são assumidamente uma associação de âmbito regional, tal como é reconhecida pelo sistema jurídico português. Esse âmbito regional não implica que tenha acção local em todas as ilhas, mas sim participar activamente em diversas temáticas de interesse regional. Convém reparar que os Amigos dos Açores não se debatem apenas pelos assuntos relacionados com as ilhas do grupo oriental. No entanto, a acção local incide fundamentalmente nestas ilhas, porque são as ilhas onde temos colaboradores activos. Assumindo a descontinuidade territorial do arquipélago só com colaboradores locais podemos desenvolver acções desse âmbito noutras ilhas. Não concordo com a observação das ONGAs para consumo interno. Veja que os Montanheiros, ONGA de âmbito regional, possui para além da sua sede na ilha Terceira, núcleos em mais três ilhas: Pico, São Jorge e São Miguel.

Valério Gostaria de saber se como presidente de uma Associação Ecológica na Região tem alguns dados relativos ao comportamento e consciencialização dos açorianos para as questões ambientais, e quais são esses resultados?

Tenho conhecimento de um trabalho desse género desenvolvido pela Universidade dos Açores, coordenado pela Prof. Doutora Rosalina Gabriel. Dada a extensão do trabalho recomendo a sua consulta nas Bibliotecas da Universidade dos Açores ou por contacto directo com a coordenadora. Dados concretos desenvolvidos pelos Amigos dos Açores não dispomos. Desenvolvemos, neste momento, através da nossa página web um inquérito aos comportamentos ambientais relacionados com a participação pública, que será brevemente apresentado.

José Os Amigos dos Açores, ao contrário da Quercus encabeçada na altura pelo malogrado Veríssimo, expressaram uma oposição muito tímida, quase envergonhada aliás, no início da obra da Fajã do Calhau ainda em 2007, quando poderia ser perfeitamente evitado aquele descalabro. Agora, depois do mal feito e sem remédio, veio contestar a obra... Casa roubada, trancas à porta?

Entendo não fazer sentido a culpabilização dos Amigos dos Açores pelo avanço da obra, quando a participação é um direito e dever de todos os cidadãos. E os cidadãos não se devem demitir da participação só porque existem Associações.Numa lógica participativa, o promotor da obra deveria ter realizado uma apresentação pública do projecto do acesso, dando oportunidade para a sua discussão aos cidadãos. E não só os proprietários de prédios na referida Fajã, uma vez que todos somos contribuintes e potenciais futuros utentes.Para além da posição que entende como tímida no início da obra, não foi feito qualquer movimento informal por cidadãos, como aconteceu recentemente com o movimento SOS Porto Formoso. A contestação recente da obra surge de uma solicitação de um parecer por parte de comissão parlamentar constituída para avaliação dos impactos da referida obra. Tal como acontece com os demais pareceres, este foi difundido através dos meios próprios da Associação, como a página web. Contrariamente ao referido já existiam no mesmo espaço outras publicações sobre o mesmo assunto.

Margarida Sendo a gestão de resíduos um tema estratégico na qualidade ambiental e desenvolvimento sustentável de ilhas como as nossas, como deve a RAA posicionar-se face a este problema?

Segundo ponto, como é possível que uma ilha com a dimensão e dinâmica de S. Miguel ainda não possua pelo menos um centro de triagem? Trata-se acima de tudo de uma problemática de modelo de sociedade baseado no consumismo. A política dos 3Rs (reduzir, reciclar e reutilizar) assume especial importância no seu primeiro R –reduzir, que é recorrentemente esquecido. Por exemplo, se reflectirmos sobre a generalidade dos produtos alimentares embalados, depreendemos facilmente que é muito grande a quantidade de resíduos gerados pelas embalagens em função do produto alimentar adquirido. No entanto, por estar subjacente uma alteração de comportamentos este é um assunto que poucos abordam como seu. Por outro lado, a reciclagem e reutilização representam actividades económicas que moldam a sociedade para os seus interesses.

Reconhece algum trabalho de sensibilização para a redução de resíduos como se verifica para a reciclagem?

O consumo de produtos locais sem grandes necessidades de embalagens, o boicote da compra de produtos com embalagens inapropriadas e a opção, sempre que possível, por embalagens maiores são exemplos de medidas que podemos promover enquanto cidadãos pela redução de resíduos. É obviamente desagradável não existir ainda nos Açores um sistema eficaz de recolha, triagem e reciclagem ou expedição de resíduos, especialmente nas ilhas de maior dimensão, que face à sua escala poderiam ter, desde já, melhores soluções.

Tiago Creio que as infestações vegetais e animais são um dos maiores problemas ambientais que os Açores enfrentam. No entanto, os processos que têm sido abordados quer para a contenção de populações de ratos e coelhos, por um lado, e as de erradicação de infestantes vegetais, por outro, têm pesadíssimos impactos ambientais, nomeadamente através da deposição nos solos de químicos perigosos. Como enfrentar este problema de uma forma que seja ambientalmente sustentável, eficaz e económica viável? Será que existe alguma solução que reúna estas três condições? Que pensa sobre isto?

Também creio que as infestantes são um dos maiores problemas ambientais dos Açores. Obviamente que decorrerão sempre impactes da remoção ou eliminação desse tipo de espécies. As melhores metodologias têm sido alvo de diversos estudos, como os da Universidade dos Açores e da Sociedade para o Estudo das Aves (SPEA). Penso que sempre que possível a erradicação de espécies deve ser efectuada directamente, por remoção manual ou através de meios biológicos.No entanto, a discussão da viabilidade remete a parâmetros técnico-científicos que só com estudos se podem aferir. Essa análise, neste momento, extravasa o âmbito da nossa Associação. A exemplo do movimento criado no fim do ano passado – Liga dos Amigos da Lagoa do Fogo – gostaria que existissem mais manifestações de voluntários que tivessem como alvo a protecção e recuperação ambiental.

Fernando Porque razão não apoiou o movimento SOS Porto Formoso, quando este movimento entrou em contacto com a associação Amigos dos Açores?

Os Amigos dos Açores defendem um modelo de participação activa ambiental plural, não tendo esta Associação de estar necessariamente envolvida em todas as iniciativas de defesa do ambiente desenvolvidas no âmbito geográfico da sua acção. Não considero que seja exigível às Associações a participação em todas as iniciativas formais ou não formal. Reconheço e louvo o movimento cívico desenvolvido, principalmente por ter partido de um grupo não formal de cidadãos e ter resultado num debate alargado a decisores, com entrega de manifesto escrito.Também considero que partir do princípio que uma Associação adere a um movimento sem a consultar previamente não é um juízo de valor correcto.

Manuel Concordo com a posição generalista dos Amigos dos Açores relativamente ao espectáculo taurino na Região. Contudo, porque não defender para a Terceira um regime de excepção da sorte de varas e touros de morte tal como acontece com Barrancos no continente, salvaguardando assim a sua identidade cultural?

A sorte de varas e touradas de morte são práticas de tortura animal extrema, desrespeitadoras da sensibilidade animal, que nos opomos claramente. Não há sentido para qualquer excepção uma vez que as tradições taurinas da ilha Terceira nada têm a haver com estas práticas.

Miguel O Planeamento do Território à escala de Ilha, de cariz intermunicipal (Planos de Ilha) tem sido ultimamente discutido na Região. Poderá na sua opinião contribuir para um maior equilíbrio no desenvolvimento de cada ilha e consequentemente da própria região?

Territórios fragmentados, dispersos e pouco habitados como a maioria das ilhas dos Açores apresentam constrangimentos naturais ao nível do planeamento.Nas ilhas com mais de um concelho não existe, normalmente, uma visão de desenvolvimento integrado. A unidade geográfica de cada ilha poderia ser potenciada se cada uma delas efectuasse, de facto, um planeamento que a visualizasse como um todo. O ideal seria que os investimentos previstos nesse planeamento fossem inseridos no orçamento da Região de uma forma discriminada por cada ilha, uma vez que hoje em dia essa distribuição não é totalmente clara.No âmbito social, a assumpção das assimetrias e a minimização das rivalidades concelhias e de ilha, em prol de uma unidade regional que reconhecesse igualmente todos os cidadãos, respeitando o reconhecimento da sua identidade a cada ilha, poderiam ser factores potenciadores do desenvolvimento regional e até do reforço da identidade autonómica.Veja-se o caso dos conselhos de ilha e a pouca expressão que possuem no planeamento e política regional e compare-se com o modelo político das ilhas Canárias, onde o reconhecimento das ilhas enquanto unidades geográficas é muito mais forte, através dos Cabildos, cujos membros são eleitos por sufrágio universal directo pelos cidadãos.

André Tal como fez com as Touradas de Morte, porque não defendem os Amigos dos Açores duas iniciativas que salvaguardem a nossa biodiversidade e paisagem: - Açores como território livre de OGM? - Açores como território ecologicamente inviável para centrais energéticas de queima de biomassa?

Os dois temas são de reconhecido interesse, no entanto, os nossos recursos humanos são escassos e de natureza voluntária, pelo que não podemos estar envolvidos em demasiados assuntos simultaneamente, sob pena de não lhes darmos o devido acompanhamento. A sorte de varas e as touradas de morte foram assuntos que começamos a trabalhar antes das iniciativas parlamentares para a sua regulamentação, mas que estas lhe atribuíram uma eminência e prioridade particulares. Gostaríamos de ter um maior número de colaboradores voluntários que nos permitisse o envolvimento simultâneo em mais temas. Aproveito para deixar um apelo aos interessados.

José Para quando um arquipélago com extracções de areias, terras e britas a operar na legalidade? Vamos deixar que esburaquem as nossas ilhas todas com toda a gente a fingir que não se passa nada? Não tem sido esse um assunto ignorado pelos ambientalistas para satisfação dos governantes e empresas de construção?

Não considero o assunto da extracção de inertes como ignorado pelos ambientalistas e pelas associações. Existem denúncias sobre este assunto na nossa página Web (ex. Monte Escuro), foi um assunto tratado recentemente pelo nosso representante na ilha de Santa Maria aquando da visita do Secretário Regional do Ambiente e do Mar. Este tema foi também alvo de manifestação da Associação Gê-Questa, com se na ilha Terceira, durante o ano passado. Já em 2009, este assunto foi novamente alvo de denúncia por um deputado de um partido político, na ilha Terceira.No entanto, a participação activa não se resume às associações. Todos os cidadãos têm o direito e dever de participar. Todos devemos contribuir por um mundo melhor. Da parte dos Amigos dos Açores é completamente infundada a presunção de assuntos ignorados para satisfação de terceiros.

Francisco Numa região que quer ter no Turismo de Natureza uma das suas principais vantagens competitivas em relação a outros destinos, como explica que situações como a Fajã do Calhau (entre muitas outras situações) ainda ocorram? Que fazer para que os interesses partidários e pessoais não se continuem a sobrepor aos interesses públicos em matéria de ambiente? A qualidade de um determinado local dependerá sempre, em grande medida, da população que o habita. Até porque é essa mesma população que o valia em função da sua qualidade de vida. Penso que a solução principal para o assunto que refere está na participação e envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão, quer seja ela feita por meios formais ou não formais.Participar é um direito e dever de todos, apesar de poucos o exercerem. Dotar a população de informação e massa crítica em matérias ambientais é uma das nossas missões, esperando que os cidadãos actuem directamente pelo melhor desenvolvimento do meio onde vivem. No meu entender, o nosso maior desafio ambiental para as próximas décadas é o da participação pública deixar de ser uma forma de actuação das instituições e passar a ser também dos cidadãos, que devem usar directamente dos seus direitos e deveres na luta por um mundo melhor. Neste enquadramento, as instituições deveriam ser pólos dinamizadores dessa mesma intervenção atribuindo à participação um sentido verdadeiramente democrático ao dispor de todos os cidadãos.

Daniel A relação entre o financiamento público e o grau de independência das ONGA tem sido largamente discutido. Podem as ONGA ser totalmente independentes do apoio público?

Não vejo qualquer obstáculo ao apoio público às ONGA, uma vez que esta é uma obrigação governamental, segundo a lei portuguesa. No entanto, o financiamento das ONGA não passa exclusivamente pelo apoio público. Conheço inclusive ONGA que não recebem, por opção, qualquer financiamento púbico, que realizam excelentes trabalhos e demonstram grande sustentabilidade financeira no seu funcionamento. Os Amigos dos Açores têm demonstrado a sua sustentabilidade financeira, em cada relatório de contas anual aprovado em Assembleia Geral, baseada em receitas próprias. O funcionamento da Associação nunca esteve dependente do financiamento público. Por outro lado, esta associação tem recebido apoios governamentais para execução de determinadas actividades (ex. ecotecas), que caso deixem de existir não comprometem as funções basilares dos Amigos dos Açores. Com ou sem apoios públicos, a independência de acção das ONGA, pelo facto destas serem muitas vezes grupos de pressão em contraposição com as entidades governamentais, deve ser sempre mantida e reconhecida. Cooperar com as entidades públicas num determinado assunto não implica concordar com todas as acções por estas desenvolvidas. É essa a perspectiva que tenho defendido nos Amigos dos Açores.

Félix Qual o caminho que defende para promover um verdadeiro interesse, envolvimento e participação dos açorianos nas questões relacionadas com a Conservação da Natureza, Ordenamento do Território e Urbanismo?

Os níveis de interesse e participação nestes assuntos são muito baixos nos Açores, a exemplo do contexto nacional. Se por um lado os cidadãos se demitem dos seus direitos e deveres em prol das instituições, por outro lado é recorrente ouvirem-se posições das instituições que lamentam a falta de envolvimento dos cidadãos.Penso que o caminho a seguir é o da procura de uma maior dinâmica entre as instituições e os cidadãos, devendo as primeiras mostrarem uma postura exemplar nesta missão, assomando-se como pólos dessa dinamização pela experiência e conhecimento que possuem.Vivemos hoje num paradigma de participação centrado na informação e consulta pública, onde a dinâmica participativa é baixa. Há que elevar os níveis de participação e procurar gradualmente um envolvimento, cooperação e capacitação dos cidadãos, de modo a que estes possam envidar esforços profícuos por um mundo melhor.Tal como já disse anteriormente, entendo ser este o maior desafio ambiental para as próximas décadas.

Alexandre Como encara a crescente tendência de profissionalização dos quadros técnicos das principais ONGA nacionais e internacionais? Este é o caminho que preconiza para os Amigos dos Açores?

Entendo que cada associação tem de decidir e pugnar da melhor forma pelos seus interesses.Os Amigos dos Açores possuem apenas uma funcionária administrativa nos seus quadros. No entanto, possuem outros elementos contratados a prazo, em projectos de cooperação financiados pela administração pública, como é o caso das Ecotecas.Entendo que a base de uma ONGA como os Amigos dos Açores deve centrar-se, acima de tudo, no voluntariado, desde os associados aos dirigentes. No entanto, entendo que em projectos específicos e com financiamento próprio poder-se-ão recorrer a profissionais, de modo a que estes possam ser dinamizadores de actividades que enriqueçam o contributo associativo para a sociedade, desde que a sua missão seja temporária (ex. ligada a um projecto). Defendo que estas funções nunca devem ser desempenhadas por elementos dos órgãos sociais, de modo a que não seja inibida a sua acção voluntária Entendo que o movimento associativo tem de se distinguir claramente das instituições governamentais, das instituições técnicas e científicas e das instituições empresariais. O voluntariado enquanto força motriz das associações potencia a sua diferenciação sobre este tipo de instituições afirmando a sua mais valia no processo social, enquanto entidade fundamentalmente de intervenção cívica.

Bete Defende que devem ser as ONGA e outras associações de desenvolvimento local, regional e rural a assumir a gestão das áreas protegidas de modo contratualizado com a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, como já existem alguns exemplos nos Açores? Estão os Amigos dos Açores disponíveis para enveredar por este tipo de acções?

Entendo que cada associação tem de decidir e pugnar da melhor forma pelos seus interesses. Dada a distinta natureza das associações de desenvolvimento referidas, também entendo que não devo falar por estas. Esta pergunta terá ser efectuada aos responsáveis destas associações.Os Parques Naturais de Ilha possuem um conselho consultivo, onde se farão representar as ONGA, que decidirá o seu modo de funcionamento. Penso que as ONGA podem colaborar na gestão e monitorização de áreas protegidas, com missões específicas que nunca deverão englobar toda a gestão, que deverá caber, no meu entender, às entidades públicas.

Mário A maioria das ONGA regionais e nacionais tem tido altos e baixos junto da população local. Como explica que os Amigos dos Açores tenham vindo a conseguir cativar de modo constante e regular os seus associados?

Os Amigos dos Açores desenvolvem iniciativas que visam, acima de tudo, a participação e envolvimento dos associados e cidadãos nas diversas temáticas ambientais. Nos 25 anos que este ano se assinalam, os Amigos dos Açores desenvolveram um trabalho reconhecido pela sociedade, penso eu, que devido à sua coerência e, precisamente, constância.Sem desprezo por quaisquer outros dirigentes actuais ou passados, entendo que o anterior presidente, Teófilo Braga, é uma pessoa com um sentido social e político excepcional, a quem a sociedade açoriana muito deve, pela dedicação e empenho em prol do ambiente ao longo de quase um quarto de século. No meu entender, foi o seu carácter o pilar fundamental para a dimensão e respeito institucional que a Associação hoje merece.

(in Açoriano Oriental)

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