domingo, abril 12, 2009

Astrobiologia – dos tesouros subterrâneos à exploração do espaço

Maria de Lurdes Nunes Enes Dapkevicius (*)


FIGURA 1. Extensos tapetes microbianos recobrem as paredes da Gruta da Terra Mole, na Ilha Terceira, conferindo-lhe uma cor dourada.


FIGURA 2. Estruturas hexagonais em rochas do Algar do Carvão, na Ilha Terceira.

Quando, em 1953, Stanley L. Miller conseguiu produzir matéria orgânica a partir duma mistura redutora de gases semelhante ao que se acreditava ter sido a atmosfera da Terra primitiva, a pesquisa de vida noutros locais do Universo ganhou novo alento. O campo do saber humano que se dedica à pesquisa de vida fora do nosso planeta chama-se Exobiologia ou Astrobiologia, que pode definir-se como sendo o estudo da vida no espaço exterior à Terra. Como ainda não foi encontrada vida fora da Terra, presentemente o principal objectivo da Exobiologia é esclarecer se pode ou não existir vida noutros locais do Universo. Esta é uma questão fundamental da ciência, porque para além de aumentar os horizontes da Biologia, irá ajudar a responder a uma das grandes interrogações sobre a vida – o local onde se originou.
A pesquisa de vida no espaço faz-nos pensar em missões em zonas longínquas do Universo, mas na verdade esta busca começa aqui mesmo, no planeta Terra, do qual conhecemos ainda tão pouco. Sabe-se hoje em dia que existem na Terra muitos ambientes aparentemente inóspitos para a vida, por serem muito quentes, muito frios, demasiado salgados, sem água, sem luz, ou sem matéria orgânica que alimente os seres vivos. Contudo, tem-se encontrado vida na Terra em muitos destes ambientes, como os solos dos desertos mais secos do planeta ou as fontes geotermais submersas. As profundezas da Terra também abrigam comunidades microbianas que são independentes duma fonte de luz – utilizam, em seu lugar, energia química do basalto, uma rocha que abunda na Terra... e em Marte. A descoberta destes ecossistemas de profundidade levou alguns cientistas a pensar que a vida na Terra poderá ter principiado nas profundezas, tendo posteriormente migrado para a superfície, quando as condições da Terra primitiva se tornaram mais hospitaleiras. E em Marte? Poderá ter acontecido o mesmo?
Descobriu-se recentemente que Marte possui estruturas semelhantes a tubos de lava. Os tubos de lava são grutas em forma de túnel por onde passou uma corrente de lava resultante duma erupção vulcânica e existem também na Terra. Só nos Açores, Os Montanheiros, a sociedade espeleológica local, explorou mais de duzentas destas estruturas. Os tubos de lava não são, em princípio, locais muito acolhedores para a vida. A luz, que é a força motriz dos ecossistemas da superfície terrestre, não chega às zonas mais recônditas destas grutas, que podem ter vários quilómetros de extensão e o alimento (matéria orgânica) não abunda. Apesar disso, os microrganismos prosperam nas paredes e no tecto dos tubos de lava dos Açores, formando nalguns locais espessos tapetes com mais de um centímetro de espessura (figura 1). Se a vida sem luz e sem alimento orgânico é possível nos tubos de lava da Terra não o será também nos de Marte?
Antes de partir à aventura até ao planeta vermelho em busca de “marcianos microscópicos”, temos que desenvolver métodos para distinguir o que, num ambiente extremo, é vivo do que não o é. Parece fácil? Na fotografia da figura 2 pode ver-se umas estruturas hexagonais de cor avermelhada que existem no Algar do Carvão da Ilha Terceira. Minerais, com certeza! Pois, quando observadas ao microscópio electrónico, revelaram as estruturas nitidamente microbianas que se vêem na figura 3 e análises mais apuradas demonstraram a existência de dois elementos em concentrações elevadas: carbono ( que reforça a hipótese de se tratarem de estruturas vivas) e ferro (que leva a pensar em estruturas minerais). Então em que ficamos? Tratar-se-á, provavelmente, de microrganismos que utilizam o ferro como fonte de energia, depositando óxidos deste mineral.
Este e outros estudos feitos em tubos de lava da Terra preparam-nos para procurar vida mais além. Decorre, presentemente, na Universidade dos Açores um projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior denominado “Compreender a Biodiversidade Microbiana Subterrânea. Estudos dos tubos de lava dos Açores” que tem como objectivos estudar a vida subterrânea para responder a algumas questões fundamentais em Biologia, como a compreensão do funcionamento da vida em ambientes extremos e a pesquisa de novas espécies microbianas. Este projecto tem também uma vertente de ciência aplicada, porque pretende compreender o impacto humano sobre as comunidades microbianas dos ambientes extremos, bem como pesquisar potenciais aplicações para estes microrganismos. Até ao momento, foram encontrados muitos isolados de bactérias que possuem a capacidade de impedir o desenvolvimento de microrganismos causadores de doenças e que são, por isso, promissoras como fontes de novos antibióticos. No projecto participa uma equipa numerosa, com elementos do CITA-A, d’Os Montanheiros e da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos. No primeiro ano do projecto, foram explorados onze tubos de lava localizados na Ilha Terceira, mas estão previstas expedições a outras ilhas do arquipélago.
Os tubos de lava dos Açores albergam autênticos tesouros subterrâneos. Para além da sua beleza, que pode, nalguns casos, ser alvo duma exploração turística sustentável, contêm comunidades microbianas com potencial utilidade em termos industriais e podem ser um local de treino para a pesquisa de vida no espaço. A sua conservação é, por isso, prioritária. Os Montanheiros têm desenvolvido um esforço notável nesse sentido, mas é necessária a colaboração de todos os que, por um motivo ou por outro, visitam as grutas. O material que recobre a parede destas, de consistência mole e por vezes gelatinosa, é um espesso tapete de bactérias que poderá ter levado milénios a formar-se. Em muitas grutas, encontram-se grafitti nestes tapetes, alguns datados de há mais de vinte anos e que ainda não “cicatrizaram”. Deve evitar-se danificar estes tapetes, tal como não devem introduzir-se contaminantes no ambiente das grutas, nem matéria orgânica. Por isso, durante a visita a uma gruta não se deve comer, nem deixar ficar lixo, nem fazer necessidades fisiológicas. Desta maneira, os tesouros de beleza, conhecimento e valor que as grutas albergam passarão às gerações vindouras para que possam também admirá-los e tirar partido deles.

FIGURA 3. Fotografias ao microscópio electrónico de varrimento de estruturas hexagonais de rochas do Algar do Carvão, na Ilha Terceira. À direita, pode ver-se que estas estruturas são constituídas por filamentos, de origem microbiana.

(*) Professora auxiliarCentro de Investigação e Tecnologias Agrárias dos Açores (CITA-A)Universidade dos Açores - Departamento de Ciências Agrárias.

(In Diário Insular)

Etiquetas: , , , , ,