terça-feira, abril 03, 2007

Rumo à autonomia energética das ilhas

O desenvolvimento das energias renováveis nos Açores está nas mãos dos investidores privados. “Não é de esperar que sejam os governos a fazerem grandes investimentos na área da energia. O Estado tem um papel regulador, deve estabelecer quotas, legislar, criar incentivos fiscais... A mudança vai acontecer pela economia, não porque é imposta por um governo ou pela questão das mudanças climáticas”, garante o director do LAMTec, Mário Alves.

Qual deve ser a maior aposta, em termos de energias renováveis, nos Açores?

A geotermia é um recurso com grande interesse aqui nas ilhas, nomeadamente em São Miguel, mas não em todas. Não porque não esteja disponível, mas porque para tornar a sua exploração economicamente viável é preciso atingir um determinado volume de produção. Essa exploração geotérmica já existe em São Miguel e, em breve, deve estender-se à ilha Terceira. São as ilhas com mais população e com um potencial de produção maior. A geotermia é um investimento na área da electricidade e, no meu ponto de vista, uma aposta bem feita pela EDA.

Essa aposta é suficiente para a Região fazer a transição para as energias renováveis?

A electricidade tem um peso enorme no mundo moderno, mas apenas 20 por cento da energia é consumida dessa forma. Os combustíveis representam o maior volume de consumo. Os transportes não utilizam directamente a electricidade, a indústria utiliza muitos processos em que a electricidade não é a fonte de energia base. Podemos dizer que 80 por cento da energia que utilizamos não é electricidade e parte dessa electricidade é produzida com combustíveis. Por exemplo, parte da electricidade consumida em Portugal continental é gerada a partir do carvão. Nas nossas casas utilizamos grandes quantidades de gás. Há uma partilha desigual entre o que é a utilização de electricidade e o que é o uso de combustíveis. Tendo em conta que a geotermia se traduz na produção de electricidade, não terá reflexos na utilização directa de combustíveis.

O que é preciso fazer na área dos combustíveis?
É preciso recorrer a combustíveis renováveis, como o biodiesel ou o hidrogénio. São essas as soluções que vamos ter de encontrar e que vão ser certamente posta em prática no futuro, em substituição dos combustíveis fósseis, do carvão, do petróleo... O biogás normalmente é produzido através da biodigestão de excrementos animais. É essencialmente constituído por metano, que é também o constituinte principal do gás, mas a concentração é muito menor. Quando o biogás é queimado tem uma capacidade quase idêntica ao do gás natural. O biodiesel é produzido através de óleos vegetais e o bioetanol é, no fundo, o álcool que aparece no vinho, mas purificado. O bioetanol pode ser misturado com gasolina. Podemos ter 80 por cento de gasolina e 20 por cento de álcool. O automóvel anda perfeitamente.

A solução é a conciliação dos combustíveis renováveis com os combustíveis fósseis?

Neste momento é. Por ano, consomem-se no mundo inteiro mais de 3 mil milhões de toneladas equivalentes de petróleo em gasolina. Substituir essa quantidade de combustíveis por álcool e biodiesel é muito difícil. O que se consegue neste momento são porções que correspondem a uma pequeníssima quantidade do volume total de combustíveis. Há países em que isso já está modificado, como é o caso do Brasil, que produz álcool a partir de cana-de-açúcar, que já tem percentagens na ordem dos 15, 20 por cento da quantidade de combustíveis que consome. Aqui nos Açores, é utilizada a beterraba para a produção de açúcar. Essa mesma beterraba pode ser utilizada para a produção de álcool, mas apenas numa pequena percentagem. Até porque o mercado não está preparado ainda para isso. O álcool não está introduzido no nosso sistema de taxação como sendo um combustível. Seria preciso fazer essas alterações legislativas, de forma que o álcool pudesse entrar. Além disso, a produção de álcool é muito cara. Para ser competitivo não lhe pode ser aplicado imposto, ou então sai mais barato encher o depósito de gasolina. Já no caso do biodiesel, existe isenção de imposto até uma produção de cerca de 300 mil toneladas por ano. Uma empresa que atinja esses valores, pode produzir biodiesel, estar quase isenta de imposto, colocar o seu produto no mercado e lucrar. Desta forma, as pessoas conseguem obter biocombustível, sem que lhes saia mais caro do que os combustíveis fósseis. O hidrogénio é outra opção... O hidrogénio surge também como uma solução, mas tecnicamente mais atrasada do que os outros biocombustíveis. O hidrogénio exige alterações na mecânica dos automóveis e nos postos de abastecimento. Se nos dirigirmos a um posto, podemos encontrar gasóleo, gasolina, talvez etanol e biodiesel, sem quaisquer alterações no posto. Mas para o hidrogénio é preciso introduzir um novo posto de abastecimento, que tem de respeitar um conjunto de normas de segurança. Neste momento não é possível comprar um veículo a hidrogénio e abastecê-lo. Mas posso abastecer um veículo a diesel com biodiesel e qualquer automóvel a gasolina com etanol. Além disso, para a utilização do hidrogénio existem muitas soluções, que contribuem para dificultar uma escolha final. Por exemplo, os alemães produziram veículos que utilizam hidrogénio líquido, mas existem outros fabricantes com veículos a hidrogénio comprimido. Cada opção exige tecnologia diferente.


Posto de abastecimento de hidrogénio


Na sua opinião qual seria a melhor solução?

É difícil dizer. Do ponto de vista tecnológico, não existem soluções piores ou melhores. As escolhas vão ser feitas pelos investidores e a força que estes têm para implementar essas soluções no terreno. A solução que surgir com mais força e em maior quantidade será a que vai dominar.Disse recentemente que os Açores se podem tornar independentes a nível de energia, se apostarem nas renováveis.

Como se consegue isso?

Os Açores têm grande abundância de água e de recursos eólicos. A combinação dos dois, utilizando a energia eólica para fazer a produção de hidrogénio, pode levar a quantidades que sejam suficientes para suprir o volume de combustíveis fósseis que utilizamos. A forma como esse hidrogénio vai aparecer no mercado é que é uma incógnita. Os Açores não terão um desenvolvimento diferente do resto do globo e, por conseguinte, vão adoptar as tendências dominantes. Não é viável produzir automóveis unicamente na região para utilizar determinada forma de hidrogénio. Qual é o limite de tempo para essa autonomia energética? Os Açores vão ser autónomos a nível energético. Não consigo dizer é se vai daqui a cinco, 10 ou 20 anos. Tecnicamente pode avançar-se já, mas, na prática, isso vai depender do investimento. Mas penso que será nos anos mais próximos. Todos os temas relativos ao aquecimento global e à dependência face aos combustíveis fósseis estão na ordem do dia. As alterações ao sistema energético estão a processar-se neste momento. A Região não vai ficar, com certeza, de fora. O LAMTec tem trabalhado no sentido de encontrar investidores para virem para os Açores. Estes existem. A área dos biocombustíveis, sobretudo do hidrogénio, é muito atractiva. É tudo uma questão de tempo.

EXPORTAR, É possível exportar?

Sim. Uma das soluções que eu vejo para a autonomia energética nacional passa pela exportação a partir dos Açores. A Região tem capacidade para produzir não só para si, mas também para o resto do território nacional. Temos recursos eólicos suficientes para produzir aquilo que são as necessidades regionais e até para gerar excesso. Em contrapartida, no território continental existe capacidade de produção a partir do solar, do eólico e da energia das ondas, mas é difícil implementar muitas destas soluções, dado o conflito que existe com outras actividades económicas. Uma das zonas onde existe mais vento disponível é na orla costeira, o que entra em conflito com os grandes empreendimentos turísticos. Os turistas não vão querer olhar para grandes aparelhos e as próprias populações também não. Vão haver restrições em relação à quantidade de aparelhos que se podem colocar. Como a quantidade necessária é relativamente grande, é pouco provável que hajam grandes parques de produção. Provavelmente, o que se produzir no Continente não será suficiente para suprir as necessidades de todo o território. No caso dos Açores, que tem vento em grande abundância, podemos utilizar esse recurso eólico para produzir mais do que precisamos e exportar para o continente. Mais depressa os Açores exportam para o Continente do que o contrário. Não só temos condições para sermos autónomos, como exportadores. Não digo que o façamos para todo o mundo, mas o excesso pode ser encaminhado para o resto do território.

As energias renováveis podem ser um motor de desenvolvimento da economia açoriana?

As energias renováveis vão ser a indústria mais poderosa do país. Não tenho a menor dúvida. Atingindo um nível de substituição que permita a autonomia energética do país, a partir do momento em que isso aconteça, estamos a falar de qualquer coisa como 26 milhões de toneladas equivalentes de petróleo por ano. Se fizermos as contas, vemos que, em termos de investimento, é um volume muito grande e, em termos de valor ilíquido anual resultante da transacção desses produtos equivalentes, estamos a falar facilmente de valores próximos dos 10 mil milhões de euros. Além disso, todo o investimento é muito superior a isso e toda a indústria que se cria para produzir e exportar equipamentos dará lucro. Tudo isso significará uma fracção muito significativa do Produto Interno Bruto nacional.

Também se pode tornar na indústria mais poderosa do arquipélago?

Tem potencial para isso. Desde logo, se tornarmos a Região independente em termos energéticos, o volume de negócio anual líquido andará na casa dos 250 milhões de euros. É um volume de negócios que pode ser superior ao da própria indústria turística. Mas tudo tem que ver com os investidores e com o tipo de produtos que se venham a gerar. A solução que vejo para fazer esse salto é, seguramente o hidrogénio, nas suas mais diversas formas possíveis. É em torno do hidrogénio que pode ser montada toda a indústria energética regional e nacional.

Pensa que vai ser esse o caminho escolhido?

É inevitável. Se vai acontecer rapidamente, com que forma ou com que cor, isso é prematuro e especulativo dizer neste momento. Mas é o hidrogénio que vai estar por trás da grande transição para as energias renováveis.Acredita que se vai seguir o caminho das energias renováveis antes de se chegar a uma situação desesperada? Sim. O grande motor destas coisas é a economia. Desde que as soluções sejam economicamente viáveis, aparecem imediatamente investidores. Neste momento, existem muitas oportunidades na área das energias renováveis que são economicamente rentáveis. Se apresentarmos um projecto de energias fósseis e outro de energias renováveis a um investidor, ele provavelmente irá constatar que tem níveis de rentabilidade idênticos ou até mais interessantes. E com menos penalizações, porque não será sancionado por poluir e emitir CO2. A mudança vai acontecer pela economia, não porque é imposta por um governo ou pela questão das mudanças climáticas.

O LAMTecExistem condições para implementar as energias renováveis nos Açores, a nível de apoios e de investigação?

As oportunidades aqui na Região são melhores para os investidores do que nos outros sítios do país. O que é preciso é convencê-los que têm mais a ganhar do que se investirem em outros sítios.

Qual é o nosso cenário?

As iniciativas começam a configurar-se. Existem investidores interessados nos Açores. Alguns são os mesmos que já se encontram na área das energias renováveis no Continente. Foi feito trabalho pelo LAMtec no sentido de mostrar as oportunidades que existem nos Açores, que correu bem. Agora é toda uma questão de se criarem os mecanismos regionais para a entrada dessas empresas e dos seus investimentos. Estou convencido que, nos anos mais próximos, vão surgir iniciativas neste domínio.

O LAMTec tem beneficiado de incentivos regionais?

Este laboratório, como departamento da Universidade dos Açores, tem tido para a Região um enquadramento idêntico ao de qualquer outro laboratório da instituição. É universidade que está na Praia da Vitória. Tem sido encarado como toda a universidade. Temos projectos que foram apoiados por verbas da comunidade europeia e enquadrados em programas regionais, o das Acções Inovadoras, que nos permitiu construir este edifício. Estivemos envolvidos também em programas do Interreg III- B e temos colaborações com empresas privadas, no sentido de desenvolver equipamentos, como o aerogerador que construímos juntamente com uma empresa local. Não considero que tenhamos sido mais ou menos favorecidos.Recentemente, o LAMTec recebeu a visita do líder do PSD, Marques Mendes, que afirmou que reside aqui um grande potencial. Esse tratamento “igual” deste laboratório é suficiente ou devia haver mais investimento? Todos estes investimentos na área da energia, como deixei entrever há pouco nas minhas palavras, são investimentos muito grandes, por isso devem ser veiculados por investidores privados. Não é de esperar que sejam os Estados a fazer investimentos grandes na área da energia. O Estado tem um papel regulador, de estabelecer quotas, legislar, criar incentivos fiscais...É aí que deve intervir. Como estamos integrados na Universidade o laboratório não pode ter um investimento à parte. Tem de ser a instituição a fazer a opção de dizer que considera este sector importante. Agora, já existem dificuldades até para encontrar financiamento para as prerrogativas de base, como a formação de estudantes ou a criação de instalações, quanto mais para financiar um ramo específico de investigação. Tem de ser esse ramo a criar projectos e encontrar financiamentos.A forma do LAMTec crescer será através desses projectos? Será sobretudo através de projectos. Temos materializadas estas instalações através de programas como o Interreg, mas também através de projectos com empresas privadas.

O LAMTec dispõe das condições ideais para fazer investigação?

Foram criadas as condições necessárias para desenvolvermos investigação. É isso que estamos a fazer. Por exemplo o túnel de vento, que é um dos equipamentos que foi adquirido no âmbito do programa regional das Acções Inovadoras, está a ser utilizado intensivamente em experiências de aerodinâmica de pás de geradores. Com esse equipamento, já fizemos testes para empresas privadas. O nosso objectivo era reunir as condições necessárias para fazer formação e investigação. Isso foi conseguido com estas instalações. O próximo passo é a divulgação das energias renováveis, que já estamos a fazer, recebendo visitas de escolas da ilha e também de grupos de escuteiros. O próximo passo é regularizar essas visitas, desenvolver actividades. No fundo, ter uma espécie de aulas sobre as energias renováveis.

Conseguir estas instalações foi um processo demorado?

Sim. Foi preciso percorrer algumas etapas. Mas temos tido uma boa colaboração por parte da Câmara Municipal da Praia da Vitória, que criou as condições de base para as instalações. Houve um bom entrosamento com esta instituição que, obviamente, só tinha beneficiar com a presença da universidade aqui. Também existiu apoio explícito e inequívoco da Universidade dos Açores. Por parte das actividades regionais envolvidas nos programas regionais em que participamos houve também uma excelente abertura para levar isto a bom porto. Agora, estas coisas demoram tempo, não se faz de um dia para o outro. O laboratório foi constituído em Outubro de 2001, decorreram perto de seis anos. As infra-estruturas estão construídas há um ano. Pode-se dizer que 5 anos se calhar é muito, mas não conheço muitos sítios onde as coisas se processem de um a forma mais rápida, a não ser nos países ricos.Existem cidades do país que têm autocarros movidos a biocombustíveis, por exemplo.

O que falta para começarmos a assistir a uma aplicação prática destes projectos nos Açores?

São iniciativas interessantes, que servem para sensibilizar as populações. Têm mais um efeito de marketing. Os projectos que são importantes, e que nós queremos ver implementados no terreno, são os que possam constituir mudança. Essa mudança tem de partir da iniciativa privada, porque os investimentos são demasiado grandes. Agora, o papel do LAMTec é fazer investigação e formação.

Que projectos estão a ser desenvolvidos pelo LAMTec?

Estamos a desenvolver a construção de um aerogerador, que pretende ser uma forma mais económica do que as soluções que estão disponíveis no mercado. Estamos também a fazer estudos para o perfil de pás de aerogeradores, que tem que ver com a definição das pás mais eficientes. Além disso, estamos a fazer trabalho de formação, por exemplo, com pessoas que estão a desenvolver doutoramentos e estão a trabalhar em áreas como o hidrogénio.

Essas pessoas podem ser um motor de desenvolvimento para a Região?
Sim. Se existirem iniciativas privadas aqui nos Açores que tenham que ver com energias renováveis, essas pessoas terão facilmente acesso a lugares nessas empresas.

Qual é o futuro do LAMTec?

Continuará a ser um laboratório da Universidade. Deve permitir, no futuro, uma formação mais no âmbito dos projectos que vão surgir na Região. Podemos coordenar esforços com as empresas, no sentido de formar os quadros que lhes interessam. Quadros que vão estagiar nessas empresas e que serão imediatamente absorvidos. A nível de investigação, podemos seguir o mesmo sistema. Mesmo a nível de equipamentos, alguns deles muito caros, faz mais sentido que o laboratório crie uma parceria para utilizar o que já existe em determinada empresa, do que estar a financiar um equipamento para ser utilizado no laboratório. Não tenho qualquer dúvida que esse será o futuro: Criar sinergias entre o LAMTec e o tecido industrial.ENERGIA DE TODOS. As energias renováveis estão no centro de uma revolução que vai alterar o modelo de produção e distribuição energética tal como o conhecemos. Em causa está a microgeração - produção descentralizada - de energia eléctrica através de instalações de pequena escala como as microturbinas, células de combustível, painéis fotovoltaicos e mini e micro-hídricas. As aplicações destas instalações de pequena escala são múltiplas. No futuro, as zonas residenciais terão uma arquitectura adaptada à energia fotovoltaica, os parques de estacionamento necessitarão de painéis fotovoltaicos para recarregarem as baterias de carros eléctricos e os esgotos urbanos poderão servir para abastecer centrais de biomassa. No caso do hidrogénio, os carros poderão abastecer-se em estações de serviço que produzem o próprio combustível.O estudo da microgeração está já a dar grandes passos em Portugal. A Unidade de Sistemas de Energia do INESC, localizada na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, tem mais de 40 cientistas pioneiros na área e dispõe de parcerias com empresas como a Red Eléctrica de Espanha, a EDP Distribuição, a Electricidade dos Açores (EDA) ou o Operador Nacional do Sistema Eléctrico do Brasil.Segundo o presidente da Associação de Energias Renováveis, António Sá da Costa, em declarações ao jornal “Expresso”, o sucesso dos sistemas de microgeração reside num passo fundamental: o licenciamento. “Tem de se tornar tão fácil instalar um microgerador como uma máquina de lavar a roupa”, disse, acrescentando que devem ser criadas tarifas que interessem aos produtores.As vantagens da produção descentralizada de energia são grandes: reduzir as perdas de energia na rede de distribuição eléctrica, maior resistência aos apagões, quebrar a forte dependência energética de Portugal, melhorar o ambiente, criar novas oportunidades para a indústria nacional de produção de equipamentos do sector eléctrico, gerar empregos e crescimento económico. Mas a maior vantagem é dar mais poder de decisão aos consumidores individuais e às comunidades. Criar uma energia de todos.

(In Diário Insular)