sexta-feira, março 16, 2007

Intrusão salina em ilhas vulcânicas e alterações climáticas

O problema da intrusão salina nos aquíferos (entrada de água salgada em formações geológicas capazes de armazenar e transmitir quantidades significativas de água doce) foi um dos aspectos evidenciados na tese de doutoramento de Maria Emília Novo, defendida no Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores. Subordinado ao tema: "Alterações climáticas e seus impactos nos recursos hídricos subterrâneos em ilhas de pequena dimensão" tendo, como ilha de referência a Terceira, actualmente consiste numa preocupação de vários especialistas e entidades que temem a entrada de água salgada nos sistemas de aquíferos. A especialista sublinhou que de um modo geral, as regiões insulares são, pelas suas características de litologia, estrutura geotectónica, dimensões, topografia, condicionantes geográficas e de natureza hidrogeológica, muito susceptíveis aos impactos das alterações climáticas.


Neste contexto, os aquíferos podem ser modificados pela alteração do nível médio das águas do mar e pela alteração dos parâmetros climáticos, isto é, a precipitação e a temperatura. Segundo a tese de Maria Emília Novo, as alterações climáticas, motivadas por origens naturais e/ou pela acção do Homem, têm impactos nas várias componentes do ciclo da água, de forma a que essas alterações podem modificar a sua qualidade, pela intrusão salina e a sua quantidade, pela redução da precipitação total e aumento da temperatura média, causando um decréscimo nos volumes de recarga. Por outras palavras, a recarga do aquífero, ou seja, a entrada abundante de água e a subida dos níveis de armazenamento subterrâneo, só é possível se chover durante muito tempo.De acordo com o estudo, o "impacto das alterações climáticas sobre os recursos hídricos tem sido estudado sobretudo para a parte superficial do ciclo da água, havendo no geral grande desconhecimento sobre os recursos hídricos subterrâneos, que são vitais para as zonas insulares". A tese de doutoramento consistiu, assim, numa análise dos possíveis impactos das alterações climáticas sobre os recursos hídricos subterrâneos dos Açores, especialmente no vector quantidade, analisando-os quer na perspectiva da modificação local do nível médio das águas do mar, como na da modificação do clima que se admite que venha a ocorrer nesta Região. Com base nos resultados obtidos, relativamente à previsão destes impactos e nas respostas admissíveis dos sistemas aquíferos a estas modificações, procurou-se desenvolver uma metodologia de determinação da vulnerabilidade dos recursos hídricos subterrâneos das regiões insulares às alterações climáticas, extensível às zonas costeiras.No capítulo referente à resposta dos aquíferos às alterações do nível do mar, "a partir dos dados, ainda que plenos de lacunas, actualmente disponíveis sobre o nível do mar, estabeleceram-se cenários de evolução do nível do mar", com a finalidade de definir as áreas litorais mais vulneráveis a estas alterações. Segundo a geóloga, "além da questão da perda de área dos aquíferos litorais por recuo da linha de costa devida à erosão provocada pela subida do nível do mar, o principal impacto da alteração do nível do mar é a intrusão salina, a qual depende igualmente da permeabilidade das formações aquíferas". Em muitos locais, uma medida muito utilizada é a protecção das nascentes do aquífero para que não sejam afectadas pela água salgada.Por sua vez, na Terceira, e "para a generalidade dos aquíferos, as permeabilidades parecem ser no geral moderadas a altas, por vezes mesmo muito altas, pelo que a maioria dos sistemas aquíferos é bastante susceptível a sofrer intrusão salina".O estudo concluiu que os aquíferos mais susceptíveis às alterações do clima são os muito recentes, "preferencialmente lávicos com grandes fracturas e alta densidade de fracturação, cujas fracturas e vazios não estão ainda colmatados e em especial nas zonas onde ocorram tubos de lava, dado estas estruturas serem corredores de acesso preferencial da água do mar ao interior dos aquíferos".As áreas com risco de intrusão salina, à excepção das regiões de eventual sobre-exploração, mais elevado são: Biscoitos-Terra Chã (nos sectores litorais, em particular a região de Biscoitos), Guilherme Moniz-S. Sebastião (em especial a zona de S. Sebastião) e Ignimbritos das Lajes (no sector litoral). O documento dá conta ainda que os cenários de subida do nível do mar indicam que, os "aquíferos suspensos de baixa altitude não parecem correr riscos de contactar com o oceano e, portanto, deverão continuar imunes ao problema da intrusão salina". Por seu turno, os poços e nascentes litorais da Terceira sofrem um significativo risco de submersão, talvez o mais elevado do Arquipélago, atingindo directamente os poços de maré e nascentes litorais até aos 2 metros, embora, no caso da intrusão salina associada, este efeito se estenda mais para o interior, afectando pontos de água até pelo menos aos 10 metros. Quanto ao factor da precipitação que pode alterar as condições dos aquíferos, a especialista traçou um cenário de subida da precipitação, dentro de 110 anos. Neste âmbito e de um modo geral, os Açores poderão viver períodos de pouca precipitação, intercalados com períodos de chuva intensa, podendo originar uma maior pressão sobre os aquíferos na Terceira. A autora considera ser importante alertar para a necessidade de instalação de sistema de recolha, tendo por base a possibilidade de os aquíferos naturais não corresponderem a todas as solicitações da população futuramente. "Os sistemas aquíferos mais favorecidos são os que não se verifica praticamente escoamento (ex.: Graben, Guilherme Moniz-S. Sebastião), seguidos das regiões de escoamento superficial reduzido e com coberto vegetal herbáceo (ex.: sectores de Serra de Santiago ou do Central), as quais poderão passar a desempenhar um maior papel na recarga dos aquíferos", de acordo com o estudo. Daqui resulta que as formações piroclásticas mais recentes (ex.: formações do sistema Ignimbritos das Lajes) ou as formações lávicas basálticas muito recentes com grandes níveis de escórias, densamente fracturadas e/ou com muitos tubos de lava são as que melhor podem acomodar aumentos da recarga no caso de subidas das precipitações. Por sua vez, as áreas de permeabilidade baixa tenderão a sofrer maior variação das recargas em função da variação das condições de precipitação e muito em especial da evapotranspiração (nesta zona do solo, alguma água pode ir para a atmosfera, outra pode ser usada no metabolismo das plantas e outra pode continuar a descer).

Artigo da Jornalista Vera Borges do Diário dos Açores