segunda-feira, março 26, 2007

As pequenas ilhas são mais vulneráveis às alterações climáticas globais

Como é estudado o clima nos Açores? Estamos ou não vulneráveis ao aquecimento global e às mudanças climáticas?Como é estudado o clima nos Açores? Estamos ou não vulneráveis ao aquecimento global e às mudanças climáticas? A estas perguntas responde em entrevista ao Açoriano Oriental o director do Centro do Clima, Meteorologia e Mudanças Globais (C_CMMG) da Universidade dos Açores, Eduardo Brito de Azevedo. Na sua opinião, pequenas mudanças nos Açores, devido às suas características, podem trazer maiores problemas. Há quanto tempo existe o C_CMMG da Universidade dos Açores e qual a sua organização actual?

Muito embora o Centro do Clima, Meteorologia e Mudanças Globais tenha sido formalmente criado em finais do ano de 2006, a sua justificação decorre do trabalho desenvolvido desde há muito por um grupo de investigadores da Universidade dos Açores que, principalmente no Pólo de Angra do Heroísmo, se têm dedicado a estas temáticas. Este trabalho traduz-se em numerosos projectos de índole científica e técnico-operacional, que envolvem não só as equipas e parceiros locais, mas também investigadores e técnicos de outras instituições nacionais e estrangeiras. Em termos de organização interna o C_CMMG está fundamentado em cinco grandes linhas de trabalho, designadamente: climatologia e meteorologia insulares; clima marítimo e meteo-oceanografia; propriedades físicas e químicas da atmosfera; hidroclimatologia e bioclimatologia. A algumas destas componentes estão associadas actividades relacionadas com a problemática das mudanças globais do clima, particularmente naqueles sectores que mais directamente nos dizem respeito, como insulares.

O aquecimento global é um tema muito forte na opinião pública actual. Os Açores estão muito ou pouco vulneráveis a ele? Qual é a sua opinião, como cientista, sobre o tema?

As pequenas ilhas, designadamente as oceânicas, apresentam-se como territórios mais vulneráveis às alterações globais previsíveis. Neste contexto, assume particular relevância a susceptibilidade destes territórios face aos mecanismos climáticos que condicionam a segurança e as disponibilidades hídricas, designadamente aqueles que determinam as reservas em água potável, a sustentabilidade dos sistemas agrícolas e a manutenção dos sistemas naturais, incluindo a biodiversidade. Todas estas componentes determinam a manutenção da habitabilidade das ilhas e a sustentabilidade das sociedades e economias regionais insulares. Muito embora com características distintas, que conduzem a diferentes graus de vulnerabilidade, praticamente todos os territórios insulares comungam de uma limitada capacidade de adaptação face aos desafios que se adivinham. Mesmo as ilhas de maior desenvolvimento vertical, como as ilhas atlânticas dos Açores, enfrentam problemas específicos que, com alguma frequência, são desvalorizados face aos cenários das projecções das variáveis climáticas directas - temperatura e precipitação - quando comparadas com as projectadas para as regiões continentais. De facto, atendendo à fraca capacidade de retenção hídrica, típica dos territórios insulares, a menores amplitudes da variação climática expectável podem, à escala regional, corresponder impactos ambientais e socioeconómicos mais problemáticos. Caracterizadas por apresentarem uma grande heterogeneidade geológica e uma extensão de fronteira com o mar desproporcionada face à pequena dimensão do território, as ilhas atlânticas apresentam processos hidrológicos com uma expressão temporal e espacial peculiares e pouco favoráveis à retenção hídrica. A predominância do escoamento torrencial de superfície, o rápido e permanente rebatimento - descarga natural - dos níveis freáticos, bem como as condições circundantes de apertada fronteira com a água salgada do mar, conduzem a que as reservas em água doce tenham um tempo de residência curto bem como um decaimento muito acelerado da sua qualidade. Estes aspectos são particularmente importantes nas ilhas mais pequenas ou em unidades geológicas mais recentes. A sobreelevação do nível do mar, também ela consequência do clima e da sua evolução futura, constituindo uma pressão periférica aos territórios insulares, revela-se como uma séria ameaça às zonas costeiras, bem como às reservas hídricas insulares, sobretudo sobre aquelas que se localizam nos aquíferos basais. Mal estruturados, os novos substratos agora expostos à acção do mar e à intrusão salina necessitarão de tempo geológico para se adaptarem às novas funções. rcabral@acorianooriental.pt