sexta-feira, janeiro 02, 2009

O relatório hidrogeológico de Lopo Mendonça e o debate na Universidade dos Açores

Eduardo Brito de Azevedo*
Muito embora reconheça que a paciência e a condescendência dos leitores tem limites, e que este assunto bem podia ter sido tratado pessoalmente, vejo-me obrigado a responder pela mesma via ao recente artigo de opinião do Prof. João Lopo Mendonça (DI, 23/12/2008) sobre o já estafado assunto da falta de água em Angra do Heroísmo, onde o meu nome é por várias vezes mencionado (para grande perplexidade minha!), sem que, aparentemente, tivesse tido o cuidado de se informar sobre o verdadeiro conteúdo do que foi tratado no encontro a que se refere, oportunamente e legitimamente promovido pela Universidade dos Açores. Evitaria assim referir de forma incorrecta (no duplo sentido da palavra!) os motivos que me movem, bem como o teor da minha intervenção e as conclusões das matérias que lá foram abordadas.
Teria tido, por exemplo, a oportunidade de saber que falei na precipitação em Angra do Heroísmo mas também na observada no Cabrito e no Pico da Bagacina. Verificaria que as séries de Angra (por serem mais longas) foram utilizadas para enquadrar o problema em relação à pesquisa do sinal climático (o qual necessariamente teria de estar reflectido nos valores de Angra!), enquanto as séries de altitude (Bagacina e Cabrito), mais curtas, foram utilizadas para a interpretação do balanço hídrico sequêncial na zona de recarga aquífera das nascentes do planalto central da ilha Terceira.

Mais uma vez foi possível demonstrar que os registos de qualquer uma das séries, pese embora o facto de terem sido observados valores abaixo da média (mas isso já todos nós aqui sabíamos!), situam-se dentro da variabilidade expectável que determina as respectivas normais (não gostaria de incorrer na indelicadeza de recordar que um valor normal se faz com valores abaixo e acima da média). Neste caso, e com recurso às séries longas de Angra do Heroísmo (é para isso que elas servem!), é possível verificar que a precipitação de 2007/2008 (até ao início do verão!) se enquadrou no intervalo expectável para os anos considerados “normais” (muito próxima do limite superior do segundo quartil da respectiva distribuição de frequência).
Esta minha análise é aliás corroborada pela opinião e registos do Instituto de Meteorologia. E não é “só agora que venho” dizer isto; bastaria ao professor Lopo Mendonça ter lido o material que foi produzido e publicado localmente, e ainda antes do seu relatório ( material que tive o cuidado de lhe enviar!).
Mais ainda. Inclusive com base na curta série de anos abordados pelo professor Lopo Mendonça (de 2000 a 2008), e para períodos hidrológicos equivalentes, é possível verificar que para o ano de 2001/2002 a precipitação no Cabrito fica abaixo da média qualquer coisa como -346.4mm. Menos precipitação, portanto, do que a observada em 2007/08 (-247.5mm). Ora, seguindo o mesmo racicíonio apresentado no artigo de Lopo Mendonça, teriamos tido menos um milhão e quatrocentos mil metros cúbicos de água potável no Cabrito, situação manifestamente mais penalizante da que é apresentada como excepcional para o ano de 2007/08.
E é exactamente este aspecto que está em causa, e até na origem do estudo que lhe foi encomendado sobre a matéria. Saber o que houve de “excepcional” no ano hidrológico 2007/2008 de forma a justificar a situação que este ano se viveu!
Pelos vistos, e em termos estritamente climáticos, não é preciso recuar muito tempo para que se constate aquilo que já tinha afirmado anteriormente; que situações como a que se observou no ano de 2007/2008 podem ocorrer com um período de retorno relativamente curto, e sem que necessariamente se verifiquem cortes de água para os mesmos níveis de consumo.
Depois a questão da evapotranspiração. Tivesse o professor Lopo Mendonça o cuidado de confirmar o que foi falado no debate na UAç para facilmente ter desvanecido as suas dúvidas sobre a forma como calculamos a evapotranspiração. Teria percebido (e poupado muito do seu esforço de escrita) que o que foi discutido e avaliado foi se o grau de grandeza do acréscimo (do acréscimo!) da evapotranspiração real, por via do aumento da temperatura observada para a zona em questão, era suficiente para explicar a situação verificada. Considerando naturalmente o que todos (?) nós sabemos, que a cedência de água do solo para o fenómeno da evapotranspiração em período de déficit hídrico não é linear face à evolução da evapotranspiração potencial.
Em suma, julgo que teriamos poupado algum do nosso tempo de férias de Natal (e do tempo dos nossos eventuais leitores!) caso o amigo Lopo Mendonça tivesse tido a gentileza de me contactar face às dúvidas que o assaltaram sobre o que teria sido dito sobre si, ou sobre o seu relatório, no debate da Universidade dos Açores. Podia ter, inclusive, utilizado o mesmo endereço electrónico com que me contactou a pedir a cedência de dados para o seu trabalho. Mas uma coisa posso desde já acrescentar no sentido de o tranquilizar: que me lembre, pouco ou nada se falou da sua pessoa. Menos ainda do referido relatório. Até porque, convenhamos, tudo o que havia para discutir sobre o assunto estava baseado no material que lhe foi por nós disponibilizado ou em que se fundamentou; designadamente nos meus dados climáticos, no modelo hidrogeológico do colega Cota Rodrigues e no papel do coberto vegetal para a recarga aquífera da ilha Terceira demonstrado pela engenheira Cândida Mendes.

(*Professor de Climatologia Aplicada da Universidade dos Açores)

(In Diário Insular)

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