quarta-feira, maio 11, 2011

Qualidade é essencial na carne açoriana



Graça Silveira: "Não existe uma política regional para o setor da carne".



As negociações para a liberalização do comércio da carne dos países da MERCOSUL no mercado da União Europeia que estavam suspensas desde 2004 foram retomadas. Quais as consequências de uma eventual liberalização para os produtores europeus, em especial para os açorianos?Este retomar das negociações era de prever que acabasse por acontecer mais cedo ou mais tarde, pois por um lado a União Europeia tem progressivamente deixado de ser autosuficiente em termos de produção de carne e por outro a MERCOSUL representa um parceiro cada vez mais importante para a União Europeia. Nos últimos quatro anos, as exportações da União Europeia para o MERCOSUL aumentaram em mais de 15 por cento ao ano, pois este é um mercado relativamente protegido, sendo a proteção em setores de especial interesse para os exportadores da União Europeia ainda maior, nomeadamente de 35 por cento para o setor automóvel. Além disso, não nos podemos esquecer que a MERCOSUL é um bloco comercial que não concluiu ainda qualquer acordo de livre comércio (TLC) com nenhum dos principais concorrentes da União Europeia. Se efetivamente dessas negociações resultar uma liberalização do comércio da carne, o aumento da importação de carne da América Latina terá como consequência imediata um desincentivo à produção de carne na Estados Unidos, o que a longo prazo nos deixará, no setor da carne, completamente dependentes da importação e consequentemente, completamente vulneráveis.Em relação a Portugal 48 por cento da carne de bovino que consumimos é importada, dos quais 60 por cento de Espanha, e portanto, penso que numa primeira análise a abertura do mercado europeu à carne da América Latina, não se traduzirá pelo menos de imediato num aumento da importação, mas sim numa alteração dos mercados preferenciais de importação.A fileira da carne nos Açores procura afirmar-se em termos qualitativos. Essa via é a melhor estratégia para competir num mercado liberalizado?É importante referir que mesmo num contexto em que desapareçam as barreiras alfandegárias, existem outros condicionalismos à comercialização da carne, nomeadamente, a existência de sistemas de identificação e registo dos animais, que sejam um garante da qualidade higienossanitária da carne. Em virtude da ocorrência de surtos BSE e da febre aftosa, o mercado europeu tornou-se muito exigente quanto à proveniência das carnes. O nosso isolamento geográfico, pode representar uma mais-valia, uma vez que é mais fácil evitar a importação de doenças. Neste contexto, a carne dos Açores pode surgir como uma alternativa de qualidade credível.Aliás, as crises de confiança do consumidor, devidas a receios relacionados com a segurança alimentar, têm prejudicado bastante mercados que de outra forma teriam uma evolução muito mais positiva. Num artigo publicado no "The Scottish Farmer", Roger Taylor, afirma que o Brasil durante anos tem vindo a quebrar as regras Europeias e que devido a problemas como o da febre aftosa, a carne brasileira não pode continuar a ser comercializada sem restrições. Consequentemente, o Brasil não conseguiu cumprir sequer 10 por cento do volume de 10 mil toneladas de quota Hilton a que tinha direito de julho de 2009 a junho de 2010, por incumprimento dos requisitos em termos de certificados de saúde de origem. Durante o "Beef Committee meting of the International Meat Secretariat" em Buenos Aires, o Presidente Conselho Nacional da Pecuária de Corte do Brasil "ameaçou" que os requisitos excessivos em termos de rastreabilidade por parte da União Euroepeia estão a fazer com que os exportadores brasileiros de carne bovina percam o interesse no mercado europeu e procurem outros mercados.
Apostar na qualidadeComo é que a carne açoriana enfrentar a concorrência dos produtos oriundos de países da América do Sul?Obviamente que em igualdade de circunstâncias a carne dos Açores não consegue competir em termos de preço de mercado com a carne da América Latina. Aliás, no contexto atual nem sequer faz qualquer sentido falarmos em competição com exportadores de carne como a Argentina e o Brasil que exportam carcaças provenientes de animais de pastoreio extensivo. A capacidade competitiva dos Açores no mercado da carne, no cenário atual é inexistente, até porque a carne continua ainda a ser um sub-produto do leite.Nós temos em primeiro lugar começar a abastecer o mercado local e garantir que empresas hoteleiras e de restauração da região servem carne Açorea na de qualidade, um dos nossos cartões de visita tem que ser que nos Açores se come carne açoriana de excelente qualidade.
Existe uma raça de gado bovino mais indicada para os Açores ou deve-se apostar em diferentes animais para a produção de carne?Não existe uma política regional para o setor da carne.
De que modo se pode valorizar o produto açoriano?Penso que a questão que se deve colocar me primeiro lugar é o que é "o produto Açoriano" quando se fala do setor da carne Não tenho dúvida de que os Açores tem condições para produzir um produto diferenciado, valorizado por nichos de mercado como o que referiu, mas para isso temos ainda uma longo percurso a percorrer, começando pela introdução de raças mais precoces, rústicas e com boa apetência para pastoreio. A carne IGP já é um primeiro passo nesta caminhada.



(in Diário Insular)