Avelino Meneses: A Universidade deve chegar a mais ilhas
“Sou visto como o reitor da tripolaridade, tenho-me debatido para que os novos “campus” de Angra e da Horta venham a atingir a excelência das instalações, mas eu gosto de encarar a UA como instituição multipolar” - Avelino Meneses.
Correio dos Açores – A Universidade dos Açores é, sem dúvida, uma das grandes conquistas da Autonomia dos Açores. O seu futuro está assegurado?
Avelino Meneses (Reitor) – A Universidade dos Açores foi, como disse, uma das principais conquistas autonómicas. Ao longo dos seus 33 anos de existência, nestas últimas 3 décadas, foi um dos principais agentes de transfiguração, para muito melhor, da face dos Açores.
O futuro continuará a ser de sucesso, fundamentalmente pelo seguinte: Porque nunca como hoje, a UA dispôs de tantos meios, materiais, e sobretudo humanos, para cumprir a sua missão principal que é a de indutora de desenvolvimento, na sua circunstância mais imediata, que é o arquipélago dos Açores.
Nunca tivemos tantos quadros qualificados como os que temos hoje, fruto de uma política de formação ao longo de 3 décadas, e também da juventude dos próprios quadros, que foi cumprindo as suas etapas no percurso académico.
A UA nunca dispôs de tantos estudantes como os que tem hoje. Eu cheguei à reitoria da UA no ano lectivo de 2003/2004, e na altura, não conseguíamos ultrapassar o patamar dos 3.000 alunos. Hoje, em 2008/2009, a UA chegou, em matéria de contingente estudantil, a um número histórico: temos mais de 4.000 estudantes. Este é o resultado de um crescimento verificado nos últimos 3 anos, a que não é alheio a introdução de nova legislação que possibilita o acesso ao ensino superior dos denominados maiores de 23 anos, que têm agora a oportunidade de almejar algo que não conseguiram fazer num passado mais distante.
Este crescimento decorre também da expansão dos Segundos Ciclos, vulgo Mestrados, que têm trazido á UA um público relativamente diferente, um pouco mais velho, que procura uma complementaridade profissional, uma especialização científica e um aprofundar dos seus conhecimentos, e também um público mais novo, que desenvolve resultados e conhecimentos obtidos na licenciatura.
No entanto, continua a transmitir-se uma imagem de que a Universidade dos Açores está em crise. É uma crise orçamental ou de carácter funcional?
O que faz passar a imagem de crise da Universidade são, curiosamente, problemas financeiros, como houve há 2, 3 anos atrás afectavam sobretudo a UA. Isto deve-se ao facto de esta Universidade ser a mais peculiar das Universidades portuguesas: É aquela que mais depende do carácter da sua geografia, que assume a sua insularidade, que está também ainda dividida por 3 pólos separados pelo mar, e esta orgânica universitária, que é a única que se coaduna com o carácter da nossa história e com o sentido da nossa geografia, acarreta sobre custos porque temos de duplicar, triplicar, recursos humanos e financeiros. Isso fez, com que, nos últimos anos, surgissem algumas dificuldades financeiras decorrentes da estagnação e abaixamento dos “plafonds”, anualmente, atribuídos pelo Ministério.
Mas curiosamente, os problemas financeiros, hoje em dia, no sistema do ensino superior, não são só apenas da UA, são desta, mas também de um outro grupo de Universidades, infelizmente, cada vez maior. E isso acontece porque, nos últimos 20/30 anos, verificou-se uma grande massificação no ensino superior público, que não se fez acompanhar do correspondente envelope financeiro que o movimento exigiria. E nestas circunstâncias, começamos a encontrar situações de sub-financiamento. Por outro lado, temos no nosso sistema de ensino, e também no sistema de ensino superior, o propósito de atingir os patamares de desenvolvimento da Europa mais evoluída, na qual agora estamos integrados. Mas curiosamente, em matéria de percentagem de investimento no ensino superior, estamos com percentagens inferiores às da generalidade dos Países da Comunidade Europeia. Isso também dificulta muito o nosso desejo de atingir os patamares que, efectivamente, pretendemos. A junção destes dados todos e, fundamentalmente, a política restritiva que agora poderá agravar-se pela crise que passamos, tem feito com que as Instituições de Ensino Superior tenham gasto os parcos saldos que tinham acumulado, e que estejam a viver agora, fundamentalmente, dos orçamentos de funcionamento, anualmente atribuídos pelo Ministério, que obviamente cria situações de grande precariedade.
Agora, gostaria apenas de rematar isto: problemas financeiros na UA, como houve no ano passado e se resolveram, como houveram há 2 e 3 anos e se resolveram, como haverão este ano e se hão-de também resolver, não significam portanto crise institucional, porque, e para regressar ao início, nunca a Instituição dispôs de tantos quadros qualificados e estudantes como hoje tem.
A “Batalha de Bolonha”
As alterações no ensino universitário decorrentes do “Tratado de Bolonha”, visaram exclusivamente facilitar o acesso ao ensino superior, ou aproximar as universidades às novas realidades do mundo laboral?
É um processo iniciado em 1999 que vai culminar no próximo ano de 2010 com a criação de um espaço europeu de ensino superior que visa uma uniformização de procedimentos desde as periferias insulares, até às maiores centralidades europeias. Bolonha, traduziu-se, na prática, no encurtamento dos planos de estudo ao nível das licenciaturas mas é fundamentalmente um processo que pretende colocar o estudante no centro do sistema do ensino superior. Pretende ultrapassar o ensino dito tradicional, mais magistral, por um outro ensino em que a ênfase seja dada na aprendizagem, um outro ensino que confira competências, que seja desenvolvido num contacto mais contínuo do estudante com a investigação, através de uma participação mais activa do mesmo no seu processo estudantil.
Bolonha, sob o ponto de vista técnico, é um processo encerrado na UA, pois todos os cursos estão adequados às normas impostas pelo Ministério. A “Batalha de Bolonha”, só a médio prazo se saberá se está ganha, como esperamos, ou se eventualmente estará perdida, como não queremos. Porquê? Porque Bolonha implica uma revolução pedagógica e uma alteração nas mentalidades dos docentes ao transmitirem os conteúdos e aí, os estudantes não estão em vantagem porque estão mecanizados na cópia de apontamentos. Bolonha, exige um ensino de maior proximidade, e como tal, mais investimento, mais recursos e poderemos não reunir todos os meios que permitam este ensino de proximidade. Mas este é um problema dos Açores e também um problema geral.
Universidade e Politécnico
No inicio do “Processo Bolonha”, chegou a recear-se que a tendência da UA era a de perder a sua essência universitária e transformar-se numa estrutura mais próxima do chamado ensino politécnico. Concorda com esta afirmação?
Não creio, embora nos Açores, pela pequena dimensão do Arquipélago, haja soluções que aqui se justificam e que externamente, nem sempre são implementadas. Estou a reportar-me, nomeadamente, à relação entre o universitário e o politécnico. Temos uma Universidade nos Açores onde as Escolas Superiores de Enfermagem, foram integradas na UA. Quer isso significar, que neste momento, a UA é uma Instituição que possui no seu seio ensino universitário e ensino de carácter politécnico. Inclusivamente, acho que deveríamos acrescer a nossa oferta ao nível do ensino politécnico, e foi por isso que o Senado Universitário, no ano de 2005, aprovou a constituição das Escolas Superiores de Tecnologia e Administração de Angra do Heroísmo e de Ponta Delgada para que, no domínio do Politécnico, pudéssemos ultrapassar a área da Saúde, que é coberta pelas Escolas de Enfermagem. Infelizmente, a proposta ainda não obteve a conveniente homologação Ministerial, mas creio que este é o caminho inevitável, porque numa Região tão pequena como os Açores, sobretudo a partir do momento em que o ensino politécnico é integrado na Universidade, não se justifica de todo que haja uma instituição universitária, e ao lado, uma Instituição Politécnica, que depois vão disputar o mesmo público, os mesmos recursos, agravando as suas dificuldades conjunturais. Entendo, sim, é que o Politécnico e o Universitário, embora sejam dois ensinos diferenciados, e devam continuar efectivamente a sê-lo, são dois ensinos que podem conviver perfeitamente sob o mesmo tecto, aproveitando até alguns recursos comuns, numa Região tão pequena como é a nossa.
Em termos científicos, o que é que a UA tem feito no sentido de formar gente que tenha lugar num mercado de trabalho, cada vez com menos oportunidades, mais competitivo e concorrencial?
Um curso Universitário tem que ser, antes de mais, um projecto de qualidade científica e pedagógica. Nós, na UA, temos pugnado para que os nossos cursos sejam, simultaneamente, soluções de qualidade e respostas a exigências comunitárias. Agora, também não podemos esquecer que a realidade do advento do séc.XXI é diferente da realidade de meados do séc.XX. Hoje. um curso não é, de forma alguma, uma solução de vida. Um estudante não pode, jamais, ir para uma Universidade, tirar qualquer curso, do primeiro ou segundo Ciclo, com o intuito de, depois, se acomodar a uma qualquer ocupação profissional para a vida toda.
Hoje, um curso universitário é, fundamentalmente, um instrumento de construção de uma carreira, e nessa construção, o próprio diplomado deve ter um papel fulcral. Isto não desvaloriza a importância da formação, que continua a ser necessária da mesma forma, pois cria condições para que os jovens melhor se defendam no futuro.
Já lá vai o tempo em que, em matéria de emprego, imperava a força da administração pública. Hoje, a dinamização económica e social é também motivada pelo maior ou menor dinamismo do sector privado.
Uma formação é útil à saída de uma Universidade mas, ao fim de alguns anos, esta desactualiza-se, exigindo uma especialização e um retorno à Universidade. Por isso, costumo dizer que o estudante de hoje vai ter que interiorizar a ideia que terá de ser, de certa forma, um estudante para sempre. Por isso, as Universidades têm que estar preparadas para receber estes alunos mais tarde, com outra idade, exigências, maturidade e a carecer de outra formação.
De um modo geral, estamos hoje como estávamos há 30 anos atrás: A formação universitária é fundamental para afirmação do indivíduo na sociedade. A diferença é que, hoje, deixou de haver uma acomodação profissional, passando a existir uma inquietação permanente. Essa realidade, acontece nos Açores e em todo o mundo.
Universidade Multipolar
A repartição tripartida do funcionamento da UA, foi a forma encontrada de dar dimensão regional à sua própria função formativa? Ou é uma questão meramente de interesse político?
Em matéria de organização, o lema da Universidade dos Açores, é: “A construção da Unidade no respeito pela Diversidade”, e só assim nos coadunamos com o carácter do nosso arquipélago.
A UA, tem a sua sede em Ponta Delgada, que é a sua reitoria, todavia, são os Pólos que asseguram a sua diversidade. É uma Universidade tripolar que melhor pode garantir um melhor desenvolvimento regional de equilíbrio. Porém, ao contrário do que se pensa, não gosto muito do termo tripolaridade. Eu sei que sou visto como o reitor da tripolaridade, tenho-me debatido para que os novos “campus” de Angra do Heroísmo e da Horta venham a atingir a excelência das instalações já verificadas em P.Delgada, mas eu gosto de encarar a UA como uma Universidade multipolar, ou seja, uma Universidade que tenha uma sede, que esteja dividida por outras ilhas, e que chegue cada vez a mais ilhas e outros lugares, sem a necessidade de construir novas infra-estruturas. Isso consegue-se através do apoio do poder local, que já temos tido, e da utilização das novas tecnologias que possibilitam, fazer experiências de sucesso ao nível do ensino à distância, que se justifica numa região tão descontinuada como a nossa.
Numa altura de grande contenção orçamental, a UA está a investir em novas instalações nas Ilha Terceira e no Faial. São investimentos de carácter estruturante e prioritário?
Costumo dizer que as instalações não são a essência das instituições e a prova está na própria UA que, com instalações mais precárias, conseguiu mesmo assim, ao longo de 3 décadas, a transfiguração para melhor, da face das ilhas.
Mas também reconheço que a disponibilização de instalações modernas, funcionais, propiciam e estimulam o trabalho colectivo, é um chamamento para o ingresso de mais estudantes e, por isso, estamos empenhados em dotar a UA com instalações condignas.
Quando assumi as funções de Reitor, a UA vivia numa situação de profunda desigualdade, ou seja, tinha e tem em P.Delgada um “campus” amplo, novo, capaz de suportar qualquer política de desenvolvimento. No entanto, tinha na Horta e em Angra do Heroísmo uma situação completamente inversa. Nestas circunstâncias, o nosso esforço foi no sentido de criar instalações para que em Angra e na Horta houvesse condições de dignidade para se conseguir manter as exigências de trabalho. Neste capítulo, a minha satisfação é grande. Inauguramos na Terceira, em finais de 2006, no novo campo do Pico da Urze o primeiro edifício chamado “Complexo Pedagógico”. Antes do Verão, inauguraremos um segundo edifício, de acção social e de apoio ao estudante e ao mesmo tempo, está a ser construído o maior edifício da Universidade na Terceira chamado “Interdepartamental”. Ainda em Angra, em pareceria com a Câmara, pensamos lançar este ano o processo de construção de um novo Pavilhão Gimnodesportivo e mais tarde, tentaremos também construir um novo Edifício para a Escola Superior de Enfermagem, agora integrada na Universidade dos Açores. Portanto, o novo “Campus” da ilha Terceira, é uma realidade.
Em relação ao Faial, passa-se algo de semelhante. Desde Março de 2007, está em processo de conversão a sede do departamento de Oceanografia e Pescas, o velho hospital de Walter de Bensaúde, uma obra que nós queremos inaugurar no princípio do próximo ano lectivo. Posto isso, a UA ficará com instalações suficientes para potenciar e solidificar o seu projecto de desenvolvimento.
Ainda faltam dois anos para terminar o seu mandato. Por imperativos legais, r não se pode recandidatar. Sei, que nos bastidores, se começam a sentir algumas movimentações. Qual a sua posição sobre esta matéria?
Sou reitor da Universidade dos Açores há 6 anos, o período de vida máximo de um reitor são 8 anos, estou já no meu segundo mandato e, portanto, não me posso recandidatar.
Como é sabido, as Universidades estão num processo de profunda alteração, com a implementação do denominado Novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Foram alterados e publicados novos estatutos, está em curso um processo de eleição de novos órgãos. Eu só tenho, nesta conjuntura, e porque já estou no meu segundo mandato, dois caminhos: Ou chego à conclusão que, neste momento, há uma alteração enorme de paradigma que me obriga a sair, e terei que sair para não mais voltar, ou então, de acordo com aquilo que a lei e os estatutos permitem, cumprirei o meu mandato até ao fim, na sequência da minha reeleição em 2007. Sobre as movimentações a que se refere, é natural que elas se comecem a sentir, mas como acabei de explicar, não terão da minha parte qualquer envolvimento.
Como gostaria de ser recordado como Reitor da Universidade dos Açores?
É uma pergunta de resposta difícil. Tenho-me esforçado para que a UA faça cada vez mais jus ao seu próprio nome, ou seja, uma Universidade para o Arquipélago todo e deste para os mundos envolventes. As Universidades têm a obrigação de universalizar o conhecimento, mesmo quando esse se reporta à mais pequena dimensão. O dotar a Terceira e o Faial de infra-estruturas capazes, foi um projecto que acalentei desde o início e é um projecto que estou já a antever concretizado. Mas a acção deste reitorado, não se cingiu a isso, mas, não estamos aqui a fazer um balanço da minha acção como reitor. Poderá este ser um tema, para uma segunda entrevista.
(in Correio dos Açores)
Correio dos Açores – A Universidade dos Açores é, sem dúvida, uma das grandes conquistas da Autonomia dos Açores. O seu futuro está assegurado?
Avelino Meneses (Reitor) – A Universidade dos Açores foi, como disse, uma das principais conquistas autonómicas. Ao longo dos seus 33 anos de existência, nestas últimas 3 décadas, foi um dos principais agentes de transfiguração, para muito melhor, da face dos Açores.
O futuro continuará a ser de sucesso, fundamentalmente pelo seguinte: Porque nunca como hoje, a UA dispôs de tantos meios, materiais, e sobretudo humanos, para cumprir a sua missão principal que é a de indutora de desenvolvimento, na sua circunstância mais imediata, que é o arquipélago dos Açores.
Nunca tivemos tantos quadros qualificados como os que temos hoje, fruto de uma política de formação ao longo de 3 décadas, e também da juventude dos próprios quadros, que foi cumprindo as suas etapas no percurso académico.
A UA nunca dispôs de tantos estudantes como os que tem hoje. Eu cheguei à reitoria da UA no ano lectivo de 2003/2004, e na altura, não conseguíamos ultrapassar o patamar dos 3.000 alunos. Hoje, em 2008/2009, a UA chegou, em matéria de contingente estudantil, a um número histórico: temos mais de 4.000 estudantes. Este é o resultado de um crescimento verificado nos últimos 3 anos, a que não é alheio a introdução de nova legislação que possibilita o acesso ao ensino superior dos denominados maiores de 23 anos, que têm agora a oportunidade de almejar algo que não conseguiram fazer num passado mais distante.
Este crescimento decorre também da expansão dos Segundos Ciclos, vulgo Mestrados, que têm trazido á UA um público relativamente diferente, um pouco mais velho, que procura uma complementaridade profissional, uma especialização científica e um aprofundar dos seus conhecimentos, e também um público mais novo, que desenvolve resultados e conhecimentos obtidos na licenciatura.
No entanto, continua a transmitir-se uma imagem de que a Universidade dos Açores está em crise. É uma crise orçamental ou de carácter funcional?
O que faz passar a imagem de crise da Universidade são, curiosamente, problemas financeiros, como houve há 2, 3 anos atrás afectavam sobretudo a UA. Isto deve-se ao facto de esta Universidade ser a mais peculiar das Universidades portuguesas: É aquela que mais depende do carácter da sua geografia, que assume a sua insularidade, que está também ainda dividida por 3 pólos separados pelo mar, e esta orgânica universitária, que é a única que se coaduna com o carácter da nossa história e com o sentido da nossa geografia, acarreta sobre custos porque temos de duplicar, triplicar, recursos humanos e financeiros. Isso fez, com que, nos últimos anos, surgissem algumas dificuldades financeiras decorrentes da estagnação e abaixamento dos “plafonds”, anualmente, atribuídos pelo Ministério.
Mas curiosamente, os problemas financeiros, hoje em dia, no sistema do ensino superior, não são só apenas da UA, são desta, mas também de um outro grupo de Universidades, infelizmente, cada vez maior. E isso acontece porque, nos últimos 20/30 anos, verificou-se uma grande massificação no ensino superior público, que não se fez acompanhar do correspondente envelope financeiro que o movimento exigiria. E nestas circunstâncias, começamos a encontrar situações de sub-financiamento. Por outro lado, temos no nosso sistema de ensino, e também no sistema de ensino superior, o propósito de atingir os patamares de desenvolvimento da Europa mais evoluída, na qual agora estamos integrados. Mas curiosamente, em matéria de percentagem de investimento no ensino superior, estamos com percentagens inferiores às da generalidade dos Países da Comunidade Europeia. Isso também dificulta muito o nosso desejo de atingir os patamares que, efectivamente, pretendemos. A junção destes dados todos e, fundamentalmente, a política restritiva que agora poderá agravar-se pela crise que passamos, tem feito com que as Instituições de Ensino Superior tenham gasto os parcos saldos que tinham acumulado, e que estejam a viver agora, fundamentalmente, dos orçamentos de funcionamento, anualmente atribuídos pelo Ministério, que obviamente cria situações de grande precariedade.
Agora, gostaria apenas de rematar isto: problemas financeiros na UA, como houve no ano passado e se resolveram, como houveram há 2 e 3 anos e se resolveram, como haverão este ano e se hão-de também resolver, não significam portanto crise institucional, porque, e para regressar ao início, nunca a Instituição dispôs de tantos quadros qualificados e estudantes como hoje tem.
A “Batalha de Bolonha”
As alterações no ensino universitário decorrentes do “Tratado de Bolonha”, visaram exclusivamente facilitar o acesso ao ensino superior, ou aproximar as universidades às novas realidades do mundo laboral?
É um processo iniciado em 1999 que vai culminar no próximo ano de 2010 com a criação de um espaço europeu de ensino superior que visa uma uniformização de procedimentos desde as periferias insulares, até às maiores centralidades europeias. Bolonha, traduziu-se, na prática, no encurtamento dos planos de estudo ao nível das licenciaturas mas é fundamentalmente um processo que pretende colocar o estudante no centro do sistema do ensino superior. Pretende ultrapassar o ensino dito tradicional, mais magistral, por um outro ensino em que a ênfase seja dada na aprendizagem, um outro ensino que confira competências, que seja desenvolvido num contacto mais contínuo do estudante com a investigação, através de uma participação mais activa do mesmo no seu processo estudantil.
Bolonha, sob o ponto de vista técnico, é um processo encerrado na UA, pois todos os cursos estão adequados às normas impostas pelo Ministério. A “Batalha de Bolonha”, só a médio prazo se saberá se está ganha, como esperamos, ou se eventualmente estará perdida, como não queremos. Porquê? Porque Bolonha implica uma revolução pedagógica e uma alteração nas mentalidades dos docentes ao transmitirem os conteúdos e aí, os estudantes não estão em vantagem porque estão mecanizados na cópia de apontamentos. Bolonha, exige um ensino de maior proximidade, e como tal, mais investimento, mais recursos e poderemos não reunir todos os meios que permitam este ensino de proximidade. Mas este é um problema dos Açores e também um problema geral.
Universidade e Politécnico
No inicio do “Processo Bolonha”, chegou a recear-se que a tendência da UA era a de perder a sua essência universitária e transformar-se numa estrutura mais próxima do chamado ensino politécnico. Concorda com esta afirmação?
Não creio, embora nos Açores, pela pequena dimensão do Arquipélago, haja soluções que aqui se justificam e que externamente, nem sempre são implementadas. Estou a reportar-me, nomeadamente, à relação entre o universitário e o politécnico. Temos uma Universidade nos Açores onde as Escolas Superiores de Enfermagem, foram integradas na UA. Quer isso significar, que neste momento, a UA é uma Instituição que possui no seu seio ensino universitário e ensino de carácter politécnico. Inclusivamente, acho que deveríamos acrescer a nossa oferta ao nível do ensino politécnico, e foi por isso que o Senado Universitário, no ano de 2005, aprovou a constituição das Escolas Superiores de Tecnologia e Administração de Angra do Heroísmo e de Ponta Delgada para que, no domínio do Politécnico, pudéssemos ultrapassar a área da Saúde, que é coberta pelas Escolas de Enfermagem. Infelizmente, a proposta ainda não obteve a conveniente homologação Ministerial, mas creio que este é o caminho inevitável, porque numa Região tão pequena como os Açores, sobretudo a partir do momento em que o ensino politécnico é integrado na Universidade, não se justifica de todo que haja uma instituição universitária, e ao lado, uma Instituição Politécnica, que depois vão disputar o mesmo público, os mesmos recursos, agravando as suas dificuldades conjunturais. Entendo, sim, é que o Politécnico e o Universitário, embora sejam dois ensinos diferenciados, e devam continuar efectivamente a sê-lo, são dois ensinos que podem conviver perfeitamente sob o mesmo tecto, aproveitando até alguns recursos comuns, numa Região tão pequena como é a nossa.
Em termos científicos, o que é que a UA tem feito no sentido de formar gente que tenha lugar num mercado de trabalho, cada vez com menos oportunidades, mais competitivo e concorrencial?
Um curso Universitário tem que ser, antes de mais, um projecto de qualidade científica e pedagógica. Nós, na UA, temos pugnado para que os nossos cursos sejam, simultaneamente, soluções de qualidade e respostas a exigências comunitárias. Agora, também não podemos esquecer que a realidade do advento do séc.XXI é diferente da realidade de meados do séc.XX. Hoje. um curso não é, de forma alguma, uma solução de vida. Um estudante não pode, jamais, ir para uma Universidade, tirar qualquer curso, do primeiro ou segundo Ciclo, com o intuito de, depois, se acomodar a uma qualquer ocupação profissional para a vida toda.
Hoje, um curso universitário é, fundamentalmente, um instrumento de construção de uma carreira, e nessa construção, o próprio diplomado deve ter um papel fulcral. Isto não desvaloriza a importância da formação, que continua a ser necessária da mesma forma, pois cria condições para que os jovens melhor se defendam no futuro.
Já lá vai o tempo em que, em matéria de emprego, imperava a força da administração pública. Hoje, a dinamização económica e social é também motivada pelo maior ou menor dinamismo do sector privado.
Uma formação é útil à saída de uma Universidade mas, ao fim de alguns anos, esta desactualiza-se, exigindo uma especialização e um retorno à Universidade. Por isso, costumo dizer que o estudante de hoje vai ter que interiorizar a ideia que terá de ser, de certa forma, um estudante para sempre. Por isso, as Universidades têm que estar preparadas para receber estes alunos mais tarde, com outra idade, exigências, maturidade e a carecer de outra formação.
De um modo geral, estamos hoje como estávamos há 30 anos atrás: A formação universitária é fundamental para afirmação do indivíduo na sociedade. A diferença é que, hoje, deixou de haver uma acomodação profissional, passando a existir uma inquietação permanente. Essa realidade, acontece nos Açores e em todo o mundo.
Universidade Multipolar
A repartição tripartida do funcionamento da UA, foi a forma encontrada de dar dimensão regional à sua própria função formativa? Ou é uma questão meramente de interesse político?
Em matéria de organização, o lema da Universidade dos Açores, é: “A construção da Unidade no respeito pela Diversidade”, e só assim nos coadunamos com o carácter do nosso arquipélago.
A UA, tem a sua sede em Ponta Delgada, que é a sua reitoria, todavia, são os Pólos que asseguram a sua diversidade. É uma Universidade tripolar que melhor pode garantir um melhor desenvolvimento regional de equilíbrio. Porém, ao contrário do que se pensa, não gosto muito do termo tripolaridade. Eu sei que sou visto como o reitor da tripolaridade, tenho-me debatido para que os novos “campus” de Angra do Heroísmo e da Horta venham a atingir a excelência das instalações já verificadas em P.Delgada, mas eu gosto de encarar a UA como uma Universidade multipolar, ou seja, uma Universidade que tenha uma sede, que esteja dividida por outras ilhas, e que chegue cada vez a mais ilhas e outros lugares, sem a necessidade de construir novas infra-estruturas. Isso consegue-se através do apoio do poder local, que já temos tido, e da utilização das novas tecnologias que possibilitam, fazer experiências de sucesso ao nível do ensino à distância, que se justifica numa região tão descontinuada como a nossa.
Numa altura de grande contenção orçamental, a UA está a investir em novas instalações nas Ilha Terceira e no Faial. São investimentos de carácter estruturante e prioritário?
Costumo dizer que as instalações não são a essência das instituições e a prova está na própria UA que, com instalações mais precárias, conseguiu mesmo assim, ao longo de 3 décadas, a transfiguração para melhor, da face das ilhas.
Mas também reconheço que a disponibilização de instalações modernas, funcionais, propiciam e estimulam o trabalho colectivo, é um chamamento para o ingresso de mais estudantes e, por isso, estamos empenhados em dotar a UA com instalações condignas.
Quando assumi as funções de Reitor, a UA vivia numa situação de profunda desigualdade, ou seja, tinha e tem em P.Delgada um “campus” amplo, novo, capaz de suportar qualquer política de desenvolvimento. No entanto, tinha na Horta e em Angra do Heroísmo uma situação completamente inversa. Nestas circunstâncias, o nosso esforço foi no sentido de criar instalações para que em Angra e na Horta houvesse condições de dignidade para se conseguir manter as exigências de trabalho. Neste capítulo, a minha satisfação é grande. Inauguramos na Terceira, em finais de 2006, no novo campo do Pico da Urze o primeiro edifício chamado “Complexo Pedagógico”. Antes do Verão, inauguraremos um segundo edifício, de acção social e de apoio ao estudante e ao mesmo tempo, está a ser construído o maior edifício da Universidade na Terceira chamado “Interdepartamental”. Ainda em Angra, em pareceria com a Câmara, pensamos lançar este ano o processo de construção de um novo Pavilhão Gimnodesportivo e mais tarde, tentaremos também construir um novo Edifício para a Escola Superior de Enfermagem, agora integrada na Universidade dos Açores. Portanto, o novo “Campus” da ilha Terceira, é uma realidade.
Em relação ao Faial, passa-se algo de semelhante. Desde Março de 2007, está em processo de conversão a sede do departamento de Oceanografia e Pescas, o velho hospital de Walter de Bensaúde, uma obra que nós queremos inaugurar no princípio do próximo ano lectivo. Posto isso, a UA ficará com instalações suficientes para potenciar e solidificar o seu projecto de desenvolvimento.
Ainda faltam dois anos para terminar o seu mandato. Por imperativos legais, r não se pode recandidatar. Sei, que nos bastidores, se começam a sentir algumas movimentações. Qual a sua posição sobre esta matéria?
Sou reitor da Universidade dos Açores há 6 anos, o período de vida máximo de um reitor são 8 anos, estou já no meu segundo mandato e, portanto, não me posso recandidatar.
Como é sabido, as Universidades estão num processo de profunda alteração, com a implementação do denominado Novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Foram alterados e publicados novos estatutos, está em curso um processo de eleição de novos órgãos. Eu só tenho, nesta conjuntura, e porque já estou no meu segundo mandato, dois caminhos: Ou chego à conclusão que, neste momento, há uma alteração enorme de paradigma que me obriga a sair, e terei que sair para não mais voltar, ou então, de acordo com aquilo que a lei e os estatutos permitem, cumprirei o meu mandato até ao fim, na sequência da minha reeleição em 2007. Sobre as movimentações a que se refere, é natural que elas se comecem a sentir, mas como acabei de explicar, não terão da minha parte qualquer envolvimento.
Como gostaria de ser recordado como Reitor da Universidade dos Açores?
É uma pergunta de resposta difícil. Tenho-me esforçado para que a UA faça cada vez mais jus ao seu próprio nome, ou seja, uma Universidade para o Arquipélago todo e deste para os mundos envolventes. As Universidades têm a obrigação de universalizar o conhecimento, mesmo quando esse se reporta à mais pequena dimensão. O dotar a Terceira e o Faial de infra-estruturas capazes, foi um projecto que acalentei desde o início e é um projecto que estou já a antever concretizado. Mas a acção deste reitorado, não se cingiu a isso, mas, não estamos aqui a fazer um balanço da minha acção como reitor. Poderá este ser um tema, para uma segunda entrevista.
(in Correio dos Açores)
Etiquetas: Avelino Meneses, cursos, Ensino superior, opinião, Reitor
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