terça-feira, março 10, 2009

João Pires e Paulo Miranda:Apicultura na Terceira

Sabia que 70 por cento do alimento humano depende da intervenção das abelhas? E que 86 por cento das espécies vegetais são polinizadas por este insecto produtor de mel? E que Einstein disse que, se as abelhas desaparecessem, restava à Humanidade quatro anos de subsistência?
João Pires, professor, e Paulo Miranda, engenheiro, apicultores a tempo parcial, sabem tudo isso. Fazem parte das perto de seis dezenas de apicultores registados que, na Terceira, exploram cerca de 900 colmeias.

E pertencem à nova geração da apicultura na ilha. Uma geração com mais conhecimento, mais formação, novas técnicas. “Existem apicultores que estão nesta actividade há 30, 40 anos, e nunca mudaram as suas técnicas, mesmo com a evolução que se tem verificado. Hoje apostamos no melhoramento genético das abelhas e na multiplicação das colónias de forma artificial”, explica Paulo Miranda, que entrou na apicultura há ano e meio.
Muitas vezes, os velhos apicultores pedem ajuda aos dois mais novos. João Pires, na sala da Casa de Pasto da freguesia do Posto Santo, localidade onde tem um dos seus apiários, explica o que se pretende actualmente na cultura das abelhas. “Apesar de isto ser algo que fazemos nos tempos livres, levamos a exploração a sério, com rigor, método e uma aposta no melhoramento genético”.
Como se melhoram geneticamente as abelhas?

A chave está, em grande parte, na rainha, explica o apicultor: “Numa colónia de abelhas existem os zangões, que são os machos, as obreiras e a rainha. Esta última domina tudo dentro da colmeia, produz uma feromona que mantém tudo organizado. É a única fêmea fecunda, que põe ovos que darão novas abelhas. Se melhorarmos a rainha, melhoramos toda a população da colmeia. A rainha é fecundada uma vez na vida, por sete a 14 zangões, e armazena o sémen numa bolsa específica, de três a cinco anos. Por isso, também é importante a qualidade dos zangões”.
Paulo Miranda, que ouve atentamente o colega, interrompe para explicar que a vida numa colmeia é de facto controlada e organizada. Uma autêntica sociedade sem falhas, em que tudo o que for acessório é eliminado. “É o caso dos zangões. Quando chega o Inverno, a produção da colmeia decresce e o alimento fica mais escasso. Estes são expulsos e acabam por morrer. Isto porque não são necessários”. Também o intrincado dos alvéolos construídos pelas obreiras tem funções específicas. Os mais estreitos acolherão ovos que darão fêmeas, os maiores, os que darão machos”.
O engenheiro que trabalha na direcção regional do Desenvolvimento Agrário fala com entusiasmo da cultura que já considera um vício. Até porque as abelhas são fascinantes. “A temperatura da zona de criação tem de estar a 34 graus estáveis. Para descerem a temperatura, por exemplo, as abelhas colocam-se à entrada da colmeia e batem as asas, para fazer o ar circular”.

Os benefícios do mel
Mas as abelhas não são apenas interessantes pela complexa e eficaz sociedade em que vivem. Os produtos que se conseguem extrair da apicultura revelam-se também valiosos para a saúde humana. E não se limitam ao mel. “Existe também a geleia real, que tem um efeito regulador do organismo humano. Aliás, é de geleia real que se alimenta a abelha rainha, a única que é fecunda. Só isso já quer dizer alguma coisa”, lança João Pires.
Também não existem problemas para quem estiver de dieta. “O mel é constituído por açúcares simples. É um alimento sobretudo energético, não é tóxico para as células e promove a saúde controlando agentes agressivos. Estamos a falar da gripe, por exemplo. O mel é muito eficaz a prevenir”, explica Paulo Miranda, que acrescenta que alguns estudos apontam também o facto deste conter propriedades anti-cancerígenas.
João Pires dá ainda mais exemplos de utilização para o mel. “Muita gente não sabe, mas tem efeitos muito bons na pele. Ajuda a cicatrizar feridas, por exemplo”, diz.
“A geleia-real, o alimento da rainha, é útil para combater a fadiga mental, provocada pelo trabalho ou pelo estudo. É também um bom alimento para as crianças”, prossegue.

Apicultura nos Açores
O apicultor age como um elemento controlador, numa sociedade já ela muito eficaz. Introduz os estímulos necessários para que, sem perturbar as abelhas, seja possível retirar o melhor produto possível. No apiário da freguesia do Posto Santo, vestido com o equipamento branco necessário, João Pires retira de uma das caixas um quadro de madeira cheio de mel e de abelhas, atarefadas, sempre a deixar e a regressar à colmeia. Mostra a meia-lua onde é feita a criação, identifica zangões e obreiras e dá a provar um pouco do mel. Doce como nos frascos.
No ano passado, João Pires fez 160 rainhas para distribuir por vários apicultores. Defende que a forma artificial de multiplicação da colmeia é preferível à natural enxameação, que traz perigo de perder as abelhas e até de causar transtornos às casas vizinhas.
Paulo Miranda, também vestido a rigor, com as luvas e o “chapéu” largo com uma rede à frente, lembra no entanto que é preciso cuidado ao introduzir material genético. “Por exemplo, aqui na Terceira, não se deve introduzir material de fora da ilha”. Isto para a combater a varroa, que tem destruído colónias inteiras em Portugal Continental, mas também em ilhas como o Pico, Faial e Flores. “No Pico já foram tomadas medidas e a situação estará controlada. No Faial essas medidas estão a arrancar. Quanto às Flores não tenho dados, mas a palavra de ordem para todos os apicultores é prevenir”.
Quer Paulo Miranda como João Pires continuam a conciliar as suas vidas profissionais com a apicultura. Para ambos é um vício saudável. O engenheiro tem um apiário e 12 colmeias e o professor tem três apiários, com 40 colónias. O objectivo de ambos é ir aumentando a produção, mas não avançar para a actividade a tempo inteiro.
“A legislação obriga os apiários a terem determinada distância da via pública e das casas, bem como limita a densidade populacional. Isso obriga os apicultores a terem maior número de apiários e menor produção por cada um deles, o que implica alugar terrenos e um grande investimento. Por isso, é difícil avançar para a produção a tempo inteiro”, considera Paulo Miranda.
Por agora, Paulo Miranda distribui o mel que produz pelo seu círculo privado de amigos, família e conhecidos. João Pires é associado da Fruter e é aí que vende o que produz. Mas Paulo Miranda assegura que, quem estiver mesmo determinado, tem condições para viver da apicultura.
“Primeiro seriam necessárias pequenas acções de formação, para que os interessados tomassem conhecimento das técnicas que existem. O mais importante neste ponto é rejuvenescer esta actividade, que tem gente muito envelhecida. Depois, existem apoios, e o acesso a estes até é fácil. No entanto, defendo que as pessoas só devem recorrer a eles quando tiverem a certeza de que querem mesmo estar na apicultura. O Programa de Apicultura Nacional canaliza apoios para a Associação de Produtores e apenas os associados podem usufruir dessas verbas. Existem também apoios da União Europeia, para quem se queira estabelecer como apicultor, e do Governo Regional, para a aquisição de equipamentos”, esclarece.
O mel da Terceira – e dos Açores - está também em vantagem em relação a muitos outros, que aparecem nas prateleiras dos hiper e super mercados. “Muitas vezes vemos mel de fora muito barato, mas é preciso ver que mel é esse. O nosso mel tem vantagens, porque aqui não temos doenças e, por isso, não entram antibióticos para a constituição do mel. Temos o mar que serve como uma grande barreira fitossanitária e toda a natureza que nos rodeia, todo este verde, que depois se reflecte no produto final”.
No entanto, o passo para a produção de mel biológico é praticamente impossível. “As abelhas tem um raio de acção de três quilómetros e toda essa área tem de estar de acordo com as regras. Só é possível em grandes planícies, sem casas à volta. Aqui basta que as abelhas tomem contacto com a plantação de alfaces de alguém que colocou pesticida para que o produto esteja comprometido”, adianta.
João Pires concorda. “Mas podemos dizer que temos um mel de extrema qualidade”, diz, empunhado um frasco de mel à base de incenso, bastante claro. “O mel escuro é multiflora”, esclarece.
Num dia chuvoso, depois de ter deixado o apiário do Posto Santo, João Pires arruma os equipamentos e vai explicando que a apicultura encerra um grande potencial na Terceira e nos Açores. Lembra também o papel das abelhas, sempre desconhecido da grande maioria das pessoas. Quase nenhumas sabem que 70 por cento do alimento humano depende delas, que a Humanidade teria poucos anos de vida se esta espécie fosse pura e simplesmente erradicada. “Pensam apenas que é um insecto que dá mel e que, sobretudo, pica, quando isso não é verdade, apenas o fazem para defesa. É o que eu digo sempre: Há umas centenas que as amam, uns milhares que as odeiam e uns milhões que as ignoram”. João Pires e Paulo Miranda fazem parte das centenas.
(In DI-Revista)

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