sábado, janeiro 03, 2009

Jornalismo, romance e realidade

Tomaz Dentinho

Passei há dias na União para pagar a assinatura do ano de 2009. Gostei de ver os meus antigos colegas e não deixei de registar o recado de fazer um artigo a dizer bem dos jornalistas e, sobretudo, a dizer bem do jornal onde trabalham.
Não é difícil louvar o jornal a União. De facto está bem melhor do que quando o deixei, talvez porque quem escreve está mais liberto dos comentários do antigo “directório”, muito provavelmente porque há uma direcção mais efectiva; muitos parabéns! É com gosto que compro, por um ano, o acesso a um dos melhores jornais de Portugal, colocado todas as manhãs na minha caixa de correio. Muitos outros deveriam assinar os jornais dos Açores pois é a forma de tornar esses jornais melhores e sobretudo de os tornar menos dependentes das notas de imprensa emanadas pelas redacções de propaganda governamental.
Um pouco mais difícil é dizer bem dos jornalistas. É verdade que tem uma capacidade apurada para escrever bem, nomeadamente agora que os computadores corrigem muitos erros. É também reconhecível a sua enorme capacidade para relatarem aquilo que as pessoas gostam de ler, embora por muitas vezes as testemunhas presenciais fiquem escandalizados com a diferença entre aquilo que viram e aquilo que vem relatado nos jornais. É igualmente fantástica a sua enorme capacidade de trabalho não só na forma como aturam e procuram as fontes mas também pela sabedoria e tecnicidade com que multiplicam texto.
Talvez por isso é que os jornalistas mais afoitos decidem fazer romances e com um enorme sucesso. Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos batem em número de vendas muitos romancistas conhecidos e não precisam de muito mais do que alguma ousadia; aquilo que muitos apelidariam de um misto de falta de vergonha com algum talento. Depois será preciso um pouco de persistência no trabalho, mas cuja esperançosa efectividade se potencia nos bons contactos ganhos com o jornalismo. Finalmente basta uma boa história que glorifique os portugueses e denigra o Estado, com algumas páginas de informação adicional que não contradigam muito aquilo que já sabemos. Ajuda também uma ou duas páginas de sexo para que o livro seja transponível para o cinema. E, à boa moda jornalística, convém apresentar as coisas no domínio do politicamente correcto, “santificando” personagens e ignorando a Igreja.
Espantei-me a mim próprio quando li as quinhentas páginas da “Fórmula de Deus” nos dias que se seguiram ao Natal. Primeiro, consegui ultrapassar o excesso de adjectivação com que José Rodrigues dos Santos gosta de imitar os ingleses e que nos fazem lembrar os velhos livros dos “cinco” e dos “sete” de Enid Blyton. (Francamente! qual é o português que adjectiva positivamente o tempo, a comida ou as pessoas? Para nós, que estamos habituados a bom tempo, boa comida e boas pessoas, só sabemos adjectivar negativamente e quando o fazemos raramente é por escrito). De seguida animei-me com a figura do herói português que ainda por cima tem o meu nome, trabalha na Universidade e aventura-se pelo Irão e pelo Tibet. Finalmente percorri com gosto a prova científica da existência de Deus que, conforme relata o autor, criou o Universo em seis dias só que contabilizados para uma massa enorme, para a qual um dia de então seriam muitos milhões de anos agora. E nesse pressuposto gostei de saber que todo o Universo é feito para a vida e para o Homem.
Do que gostei menos, no final, foi de José Rodrigues dos Santos não querer cair na realidade de Deus, na sua encarnação em Jesus Cristo. Isto apesar de colocar nas últimas palavras do pai do herói que o que importa é o amor. No entanto também diz através do tal pai que o hinduísmo é que tem razão. Neste pormenor José é mesmo jornalista. E em vez de dizer o que acredita ser o real, prefere descrever o que a sua imaginária fonte lhe disse. Que pena!... Vendeu mais de 100000 livros, mas não revelou a verdade.

(in A União)

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