A Escassez dos Recursos e a Falência dos Meios
Eduardo Ferraz da Rosa
1. Os enormes e justamente mediatizados descontentamentos, indignações e protestos – naturais, legítimos e calculáveis! – das nossas populações, da opinião pública e dos jornais terceirenses face à calamitosa e muito penalizadora situação gerada pelos vigentes cortes, racionamentos e faltas de Água para consumo doméstico e dos mais amplos e diversos sectores de actividade social, familiar, comercial, industrial e laboral, na cidade-património mundial e concelho de Angra do Heroísmo – para mais com as impotências, impasses, protelamentos e quase patéticas indefinições e vulnerabilidades institucionais, políticas, técnicas e psicológicas de solução – aliás nem sequer verosimilmente assumidas e por tal e tanto responsavelmente perspectivadas – em e para tempos previsíveis e áreas úteis e concretas –, merecem-nos ainda hoje mais algumas palavras.– De resto, se dúvidas houvesse para a necessidade de continuada abordagem do caso, na verdade uma simples volta pela cidade e freguesias do concelho de Angra, com auscultação directa do quotidiano vivido das pessoas, das famílias e das fainas e serviços respectivos, seria mais do que suficiente para aquilatar do grau de transtorno, prejuízo e até revolta com que todo este cenário está a ser sentido, comentado e analisado… Por isso, também, ninguém tem de se admirar ou tentar camuflar a fundamentada indignação grassante a este propósito, e os respectivos ecos e retransmissões nos OCS, nas vozes político-partidariamente mobilizadas e irmanadas neste coro de reclamações e murmúrios, e – enfim – até na necessidade e na conveniência tentadora de chamar mesmo as coisas e os actores desta fita toda pelos seus nomes institucionais próprios (já que quanto a nomes e culpas pessoais nem será sequer preciso elegê-los, porquanto por aí circulam eles e elas, impantes, impunes e bem-aventurados de "motivação" acabada, como se nada com eles fosse ou tivesse sido, nos Municípios e Serviços Municipais, no Governo e suas Secretarias e Direcções, e – quando não em casa, a gozar os réditos das suas dedicações à causa e ao efeito públicos – já novamente até aperaltados, constantes e titulares garantidos para novos cargos, listas e candidaturas…).É claro que, no meio destas cenas e desempenhos terceiro-mundistas, aos partidos políticos resta fazer a parte e o papel que lhes cabe, ou deveria ter cabido antes, a todos os níveis e instâncias de exercício do poder, em posição de mando, oposição fiscalizadora ou posição de suporte solidário e alerta preventivo! Se assim fosse, talvez não tivéssemos caído no lodaçal onde estamos, e de que o caso da Água, valendo sobejamente por si, conta ainda mais como paradigma dos outros problemas todos!– Porém e depois não parece lá muito legítimo exigir a ninguém, muito menos em lugar de alguma inocência e vulnerabilidade de grupo, que venha, em caso de aperto periódico, pôr a cabeça na forca, dar a cara ao ridículo partidário ou oferecer o pescoço ao cepo, para defender o indefensável e mais perder-se o que deveria ser ganho sempre – ontem, hoje e já amanhã… – com outro grau de participação crítica e empenhada, com competências e credibilidades cívicas partilhadas, com a defesa solidária de causas justas e, já agora, com a promoção de uma (inexistente!) cultura político-partidária, interna e externa, feita de coerência, maturidade, diálogo aberto, vigilância democrática e humildade ético-política! 2. Atendendo às múltiplas componentes e alcances deste momentoso problema, nem sequer seria preciso sair do campo opcional, onde pessoalmente também me situo, para atinar com o que ainda está por fazer, e deve ser cumprido sem mais delongas, com os recursos disponíveis mas não com o recurso aos mesmos e falidos meios…– Assim, e se dúvidas houvesse, bastaria ler as linhas orientadoras do Fórum Açores 2013 e o Documento-Guia Açores: Ilhas de Futuro, Contributo para uma Reflexão Política – e quem verdadeiramente para aí e ali o fez e assumirá como causa própria (socialista e democrática, não é?) e causa açoriana (autonómica, comum e colectiva!)? –, nas páginas que incidem na problemática interdepartamental e inter-institucional (governativa e autárquica) dos Recursos Hídricos (v.g. 27; 38-40; 42; 160 e 66, muito embora nesta última, a passe de capote ou guarda-sol talvez, pareça enfermar-se de enfileirados e inusitados complexos de teoria social, manifestamente mal digerida, e muito duvidosamente ali a modos de discurso pseudo-cultural mas pouco vocacionalmente capaz de gerar um real desenvolvimento agricultural…).Todavia, verdadeiramente referencial continua mesmo a ser, sem margem para dúvida, aquele magnífico Plano Regional da Água – Relatório Técnico que o Governo Regional dos Açores mandou elaborar e divulgou em 2001, e que então se constituiu programática e assumidamente como "uma peça estruturante para a implementação de uma estratégia conducente a lidar, eficazmente, com esse importante e nobre desafio", e cujos objectivos, já à altura, eram ditos e perfilhados como "suficientemente estratégicos" para que fossem resolvidos "com a maior celeridade"! – E o mesmo se diga da matéria explanada e constante no Decreto Legislativo Regional n.º 19/2003/A (DR 95 Série I-A de 2003-04-23), que aprovou o mesmo Plano e que logo no respectivo Preâmbulo vincava que "a gestão integrada dos recursos hídricos não pode apenas constituir um desiderato da política de ambiente mas, mais ainda, deve representar uma ferramenta estratégica para atingir o objectivo do desenvolvimento ambientalmente sustentado, por forma a compatibilizar a resiliência dos ecossistemas com as actividades económicas e reforçar, desse modo, justos direitos de índole social"!Infelizmente, como em muitas outras coisas, também aqui muito ficou por fazer-se, e só não tenho a certeza, com aquilo que por aí se desenha, se não andará alguém, dentro mesmo do PS, a trocar-nos a todos as voltas e as vistas, dando-lhe e dando aos açorianos a beber gotas e contas inquinadas, ou – pior – mercadejando hidras e caudais de alguns bem rasteiros e pouco saudáveis bebedouros e fontes de onde nunca nenhuma gota de água fresca e limpa correu e brotará jamais para encher a alma das esperanças socialistas, e apenas servindo para untar ou limpar as mãos de quem, à indigna ou hipócrita sombra daquelas, vem desmerecendo e hipotecando o futuro de tudo aquilo por que tantos lutaram durante muitos anos para ver minimamente respeitado e generosamente cumprido na nossa terra, fiéis a princípios e ideais nobres, e às vezes contra muitos dos também temíveis poderes e vícios e cegueiras dos anteriores senhores das ilhas… – Deste modo e neste contexto, realmente, tal como neste triste, previsível mas evitável caso da Água, pior do que a escassez dos recursos naturais herdados, só mesmo a falência de qualificação na deliberada escolha dos meios e agentes consentidos para tentar superá-los…3. Estava praticamente terminado este texto, quando vieram a lume os partidos e a Câmara de Angra (Serviços Municipalizados) dizer o que sabiam ou podiam das suas justiças e aquosas sentenças e sofismas…– Ora no caso da autarquia chega a ser anedótico ouvir dizer-se que – agora!? – lá iriam consultar a Universidade dos Açores para que, segundo escreve um jornal local, os SMAH, percebessem "a razão da redução anormal dos caudais de água no concelho"…, quando talvez tivesse sido melhor, a tempo e horas, ou até mesmo, embora tardiamente, já, porem-se mas era a ler, a estudar e a pôr de pé e na prática tudo o que nos referidos documentos-guia e na legislação do Plano Regional da Água foi apontado e recomendado desde 2001 e 2003, e para o qual, verdade seja salientada, já o próprio Governo Regional, desde há muito, vinha chamando a atenção, pelo menos, que se saiba, pelas vozes do seu Presidente e de três Secretários regionais, atendendo às vertentes e implicações estratégicas, políticas, sociais e técnico-financeiras que o mesmo problema exigia e ainda exige!Aliás, em 30 de Janeiro de 2007, na III Reunião do Conselho Regional da Água, em Angra do Heroísmo, também Ana Paula Marques, embora mais cingidamente a propósito do tratamento de águas residuais, mas naturalmente no quadro do enquadramento sistémico e articulado da questão dos Recursos Hídricos e do Saneamento Básico regionais – como logo ressaltaria, por exemplo, dos pertinentes e indicativos comentários habituais dos docentes do Campus de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, Félix Rodrigues e Cota Rodrigues –, alertava para o facto da Região se encontrar "um pouco atrasada" em relação ao cumprimento de directivas comunitárias sobre o assunto, sendo que havia mesmo autarquias que "não fizeram os investimentos previstos e necessários para resolver o problema (…) como é da sua responsabilidade, e isso implica uma análise global negativa, neste momento", como mais comentou ainda então a secretária regional do Ambiente e do Mar, para lembrar depois que "as autarquias faltosas" deveriam urgentemente aproveitar os financiamentos disponíveis no QREN, até 2011…– Quanto às audições (técnicas e talvez também de gestão político-administrativa…) da CMAH e dos SMAH talvez que fosse bom estenderem-se balanceadamente às responsabilidades de muito anterior laxismo e acumuladas incompetências autárquicas, aliás sabidamente fugidias à assumpção de méritos ou culpas e logo que algumas torneiras começaram a dar sinal de seca e os caminhos trilhados foram os do refúgio na fortaleza privada de suas casas, como se nada das causas, dos serviços, das verbas e dos programas e planos públicos lhes tivesse passado pelas mãos durante demasiado e aziago tempo…Por outro lado, lá para os terrenos da Praia da Vitória, a situação parece, por enquanto, bem melhor, e aí ou louros (ou a sorte…) devem ser atribuídos às suas anteriores administrações e técnicos autárquicos, muito embora, ali, permaneçam de pé as dúvidas sobre o real estado dos aquíferos, redes e subsistemas do seu património hídrico e da sua eventual contaminação e esgotamento, tanto mais quanto o assunto ainda não está bem apurado e a Comissão Municipal de Acompanhamento desse imbróglio, entretanto constituída, não se afigura muito dada a grandes mergulhos técnico-científicos, sociopolíticos e inter-institucionais…Finalmente, quanto às actuações dos representantes dos partidos políticos, nas vereações camarárias, nas assembleias municipais e na Assembleia Legislativa Regional, nada mais valerá a pena dizer ou adiantar, por hoje. – Neste campo também, como em quase tudo, porém com honrosas e conhecidas excepções, temos exactamente aquilo que merecemos, embora disso sejamos sempre as primeiras vítimas, ciclicamente revoltadas mas praticamente indefesas!
(In Azores Digital)
Etiquetas: autarquias, Cota Rodrigues, Falta de água, Félix Rodrigues, Ferraz da Rosa, Governo Regional, opinião
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