terça-feira, julho 22, 2008

Tesouros subterrâneos

As bactérias são valiosas. Sabe-se hoje que podem servir para fazer antibióticos, biofuel e enzimas para detergentes. Algumas bactérias produzem substâncias que são úteis no combate a algumas formas de cancro. Nas 67 grutas identificadas na ilha Terceira, elas crescem e espalham-se pelo chão, pelas, paredes, tecto e locais onde a água se acumula.


A equipa que leva actualmente a cabo o estudo “Understanding Underground Biodiversity”- financiado pela Fundação Ciência e Tecnologia- formada por investigadores das Universidades dos Açores e do Novo México (Estados Unidos da América), em colaboração com a empresa Kenneth Ingham Consulting, tinha, no momento em que foi feita esta reportagem, explorado 11 das grutas da ilha. E já tinham sido detectadas duas bactérias desconhecidas até ao momento. Uma delas com grande potencial, retirada da zona mais profunda da Gruta das Agulhas, no Porto Judeu.

Num gabinete do pólo da Universidade dos Açores na Terra-Chã, Lurdes Enes, a investigadora- responsável, visivelmente cansada após um dia a percorrer, de joelhos, uma gruta onde nem é possível ficar de pé, chama a atenção para a imagem que aparece no portátil. “Veja: Colocámos várias bactérias patogénicas, como a salmonela, juntamente com aquela bactéria que descobrimos. Na zona onde ela estava as outras bactérias foram eliminadas”, explica. A seguir à explicação da colega, percebendo muito pouco das palavras de português, Diana Northup, da Universidade do Novo México finaliza: “Thats a good killing” (essa foi uma boa matança). E é disso que Diana anda à procura. “Tenho feito bastantes estudos na área dos antibióticos em grutas do Novo México, onde encontrámos resultados muito interessantes. Uma colega minha identificou bactérias que produzem substâncias extremamente promissoras no combate a doenças cancerosas. Chegámos à conclusão que as bactérias que vivem nas grutas mais isoladas, sem muito contacto com o exterior, são as melhores. E acreditamos que os Açores têm potencial”, diz, com o ar descontraído como a camisa, com grandes flores, ao estilo havaiano.
Seria da investigadora da Universidade do Novo México que surgiria a ideia para a realização de um primeiro estudo. Tudo começou em 2004, quando esteve na Terceira para uma conferência e conheceu os professores da UA Paulo Borges e Rosalina Gabriel, que a levaram a ver “tapetes bacterianos maravilhosos”. Entrariam em contacto com Lurdes Enes e, juntos, fariam um primeiro estudo nas grutas do Algar do Carvão e do Natal. “Queríamos ver, entre outras coisas, o efeito das visitas turísticas sobre a biodiversidade. Verificamos que no Algar do Carvão havia uma biodiversidade menor, visto que é uma gruta muito mais aberta, e que havia lá bactérias que produziam substâncias interessantes…. A partir daí, a professora Rosalina, o professor Paulo e a Diana, não me deixaram descansar”, lembra Lurdes Enes.

Além disso, o marido de Diana Northup, Kenneth Ingham, tem vindo a fotografar o potencial que se esconde nas grutas da Terceira. Fixou em imagem, com muito e complexo material fotográfico, não só os grandes mantos formados pelas bactérias, mas também o lado negativo, provocado pelos humanos. Seria também Kenneth Ingham, através da sua empresa, a resolver um impasse financeiro do qual o estudo estava dependente. Ainda hoje o faz, enquanto o financiamento da FCT não chega.
Mas, apesar das dificuldades, Lurdes Enes considera que conseguir a aprovação da FCT foi surpreendentemente simples. “Isto foi submetido à FCT em 2006. Mais ou menos nos finais de Junho, estava alinhavada a ultima fase do projecto para submeter. Um ano depois, recebemos uma carta a informar-nos que estava tudo bem, tínhamos conseguido o projecto… Fiquei surpreendida porque estes são processos complexos, mas penso que o interesse da investigação é claro”. O projecto conseguiria financiamento total, 200 mil euros. Isto porque une a defesa da biodiversidade, a investigação na área dos antibióticos e até abre caminho para a descoberta da vida em outros planetas.


(In DI - Revista)

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