domingo, julho 20, 2008

Estamos numa crise de civilização

Mário Soares não tem dúvidas: “é uma crise de civilização”, a que o mundo vive actualmente. “Além de financeira e económica, é também política, social, ambiental, energética e alimentar, com os preços do petróleo, do gás, dos minerais e dos produtos alimentares a aumentar em flecha. É caso para nos perguntarmos: para onde caminha o Ocidente”, disse o ex-presidente da República durante a palestra “As Relações Transatlânticas numa Perspectiva Futura”, com que encerrou o segundo dia do I Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt, que hoje termina no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada. Apresentando-se como “moderadamente optimista” em relação ao futuro, Mário Soares disse que “para vencermos esta situação, a primeira questão é a consciência dos problemas que estão criados à nossa frente e de como os vamos poder resolver”. Para o ex-Presidente, o Ocidente está em “decadência” e Mário Soares admite que, para isso, contribuíram os oito anos de George W. Bush como presidente dos Estados Unidos da América, associados ao contínuo bloqueio constitucional europeu, sem lideranças carismáticas que o ultrapassem. Além disso, Mário Soares considera também que o neoliberalismo está a “derrapar” e que, associado a uma globalização comandada pelo “capitalismo selvagem”, só trará mais desigualdades ao mundo, se persistir como está, em vez de resolver os seus problemas. O ex-Presidente lançou então uma interrogação: “quem diria há seis meses atrás que o neoliberalismo, nascido nos Estados Unidos, iria começar a morrer nos próprios Estados Unidos”, perguntou, dando como exemplo a intervenção do Estado americano para salvar alguns bancos da falência. Mário Soares entende que “não há receitas indiscutíveis” para resolver a “crise de civilização”, mas lembra que valores como o “bom-senso”, o “pragmatismo” e o “humanismo universalista”, que passam pelos direitos humanos, pela paz, pelo desenvolvimento sustentável e pelo respeito da lei e da natureza, sempre inspiraram, no passado, quer americanos, quer europeus. É, por isso, com estes valores que, segundo Mário Soares, se pode vencer a violência e o terrorismo. “É a falar que os seres humanos se entendem”, disse uma vez o Rei Juan Carlos, de Espanha. Mário Soares citou-o para dizer que é preciso insistir no “diálogo” entre civilizações e entre religiões diversas como factor de “paz” e conhecimento do “outro”, sem o qual não é possível obtê-la. O ex-Presidente deixou também uma palavra aos Açores “que só têm a ganhar com o desenvolvimento das relações euro-americanas”. Uma das janelas de oportunidade pode ser o plano ambiental, onde a Universidade dos Açores “tem um campo de eleição para reforçar os laços científicos”, quer com os Estados Unidos, quer com a Europa. “Precisamos de políticas flexíveis”“Acho que precisamos hoje de políticas flexíveis. Já não estamos na Guerra Fria, o centro do mundo já não é a Europa e os Estados Unidos, já não somos uma fortaleza e não devemos ter posturas de domínio e permanente doutrinação em relação aos outros. Estamos num período de flexibilidade”. Foi assim que Pierre Hasner, director do Centro de Estudos de Relações Internacionais de Paris, definiu “a ordem internacional após a presidência Bush”, o tema que o trouxe a uma das conferências que marcou o segundo dia do Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt. No grande debate Ocidente/Oriente, o professor francês lembrou que a fórmula da democracia e da economia de mercado como os sistemas político e económico naturais da humanidade, funcionando as ditaduras como formas de os conter, pode já não ser tão simples de aplicar. Sobre isso, Pierre Hasner recordou que se é um facto que os sistemas alternativos à democracia e ao mercado falharam, também é verdade que a própria democracia ocidental não é um sistema completo, sofrendo hoje fortemente com a dicotomia tecnocracia/populismo, que muitas vezes põem em causa a própria democracia. Durante a manhã de ontem no Fórum Roosevelt, foi também possível ouvir o alerta de Viriato Soromenho Marques, assessor de Durão Barroso para a área do Ambiente na Comissão Europeia, chamar a atenção para a necessidade dos Estados Unidos estarem no pelotão da frente dos países que lutam contra o aquecimento global e as alterações climáticas, assumindo compromissos na redução das suas emissões poluentes.
(In Rui Jorge Cabral - Açoriano Oriental)

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