domingo, maio 04, 2008

Concelho da Praia da Vitória é o único dos Açores que revela chumbo na água de consumo

Um estudo hidrológico efectuado por uma empresa norte-americana a pedido dos responsáveis pela Base das Lajes revela que existem aquíferos na área do concelho da Praia da Vitória que estão contaminados por hidrocarbonetos. O estudo foi ontem divulgado pela Antena 1.Para o investigador do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, Félix Rodrigues, a quem a Antena 1 solicitou uma apreciação dos resultados do estudo, que é de 2005, os valores "são preocupantes" em termos de contaminação dos solos – e diz mesmo que em alguns casos "dramaticamente preocupantes". Em declarações ao DA, confirmou que o estudo refere que foram detectadas várias zonas contaminadas e que numa delas existe uma mancha de hidrocarbnonetos de 26 centímetros de altura, que se poderá já ter propagado ao aquífero basal – que fica por debaixo da ilha. Apesar do estudo dar certezas, acaba por levantar muitas dúvidas que certezas sobre a extensão da contaminação. É que neste momento os investigadores não sabem como é que os hidrocarbonetos se propagam nos sistemas basálticos da ilha – e até pode acontecer que possam não ter atingido outros pontos para além dos detectados. Esses locais, segundo o estudo, são variados, assim como a sua origem. Nomeadamente, existem fugas de um sistema de tubagens com mais de 2 quilómetros que foi desactivado e não limpo, e que alegadamente estaria ainda a um nível quase superficial, embora tenha sido detectada contaminação em diversas pastagens. Estudo é"desconhecido"O estudo, no entanto, aparentemente não é do conhecimento das entidades oficiais. E a reacção pareceu mesmo ser negativa. Só horas depois da Secretária Regional do Ambiente se ter escusado comentar o assunto com a Antena 1, alegando que "não falava sobre assuntos da Base", é que André Bradford, que representa a Região na Comissão Bilateral de Acompanhamento do Acordo das Lajes se manifestou, afirmando desconhecer o assunto. Dizendo "não ter conhecimento de qualquer contaminação da água de consumo público na ilha Terceira", afirmou que o governo iria pedir oficialmente à Comissão Bilateral que solicitasse à parte norte-americana "os estudos que confirmariam ou indicariam a contaminação derivada da presença americana nas Lajes", relativizando o assunto com um "parece haver um estudo nesse sentido". As reacções das autoridades locais foram ainda mais negativas. O vice-presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Paulo Messias, negou, em declarações à Lusa, que "exista qualquer contaminação da água para abastecimento público. As análises confirmam exactamente o contrário", frisou o vereador, ainda que admita "existir uma pluma de combustível na primeira parte do aquífero que não tem ligação ao abastecimento público". A preocupação da autarquia, disse, vai para o facto de "os americanos efectuarem furos para captação posterior de água, sem qualquer controlo da autarquia". Por seu turno o presidente da autarquia de Angra do Heroísmo, José Pedro Cardoso, escusou-se a comentar a notícia adiantando que "a qualidade da água do concelho está bem e recomenda-se. As mais recentes análises revelam que não existe qualquer poluição nem de hidrocarbonetos, nem metais pesados ou qualquer outro", especificou. O Delegado de Saúde da Praia foi mais cauteloso. Em declarações à Antena 1, Carlos Lima admite que a água de consumo público não está contaminada, "mas tem de haver acção rápida para verificar a situação e repor a situação". Aliás, a sua abordagem é a mais lógica: se os hidrocarbonetos estão lá – como o estudo parece confirmar –, nada garantirá que não contaminem de futuro os sistemas aquíferos. E esse é que é o real problema.

Chumbo na água de consumo

De resto, as autoridades oficiais poderão estar a exagerar no seu optimismo, mesmo em relação às análises que são realizadas à água de consumo público. É que os dados do Instituto do Ambiente para 2003 indicam que 1 em 6 análises realizadas nesse ano na Praia da Vitória continham uma quantidade anormal de chumbo. O Instituto refere um valor de 7,14% de chumbo, enquanto que a média nacional é de 0,09%... Apenas um dado positivo a este nível: Angra apresenta 0% – o que parece confirmar que o problema ainda parece restrito ao concelho da Praia da Vitória. Mas a verdade é que de todos os concelhos açorianos, a Praia é o único a apresentar valores de chumbo na água de consumo…E a situação pode ser ainda mais grave. É que as análises oficiais não procuram por substâncias como benzeno, tolueno ou xileno - e das que poderão estar a contaminar os aquíferos terceirenses, apenas identificam hidrocarbonetos policiclicos aromáticos. Os outros tóxicos que são procurados são o Arsénio, Antimónio, Cádmio, Cianetos, Crómio, Mercúrio, Níquel, Chumbo e Selénio.

Sem soluções

Parece evidente que deveriam já estar a ser equacionadas soluções para corrigir esta situação, até porque não é a primeira vez que o problema é levantado por investigadores da Universidade dos Açores – nomeadamente Cota Rodrigues, que neste momento lidera a empresa municipal Praia Ambiente. E elas existem. Para Félix Rodrigues, a questão das tubagens tem uma solução relativamente simples, mas caso os furos estejam contaminados o problema poderá ser mais complicado. É que a extracção da água desses furos poderá originar a sua salinização total – o que simplesmente inviabiliza a sua utilização pelos humanos. O seu conselho é mais simples: para já, que se faça "o inventário de todos os problemas, para se poder decidir com critério técnico e científico". Afinal de contas, é o Governo que afirma "não ter quaisquer dados em sua posse que lhe faça sequer suspeitar da existência de quaisquer contaminações"…


(In Diário dos Açores)

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