domingo, maio 04, 2008

A questão da sustentabilidade

A propósito da crónica que o Sr. Dr. Francisco Maduro-Dias escreveu para a edição do DI do passado domingo, 27 de Abril, intitulada “Agri-Cultura”, em que de modo particularmente feliz, retrata a insustentabilidade da sociedade em que vivemos, gostaria de contribuir com algumas considerações para um tema tão actual, importante para o futuro imediato da Região e do País. A incerteza acerca das reservas petrolíferas e a questão da qualidade e disponibilidade em água potável, constituem duas das questões que mais preocupam a sociedade moderna e que se reflectem na actual crise energética e alimentar. Contudo, um dos aspectos mais esquecidos, mas que durante as últimas semanas tem tido algum realce na imprensa, é o que se relaciona com a sobrecarga que a mesma sociedade tem vindo a exercer sobre os solos. À medida que a população mundial aumenta e que as necessidades de uma classe média emergente vão exercendo pressão sobre as disponibilidades alimentares, os governos em todo o mundo têm vindo a favorecer as culturas energéticas, destinadas à produção dos chamados biocombustíveis. Para responder à necessidade de aumento de produção a partir de áreas limitadas de terra arável, cientistas e agricultores desde há muito que centram a sua atenção no melhoramento de plantas, na biotecnologia e na criação de novos fertilizantes e pesticidas. Contudo, a grande questão que se mantém, é de deixarmos de depender de um determinado número de recursos, estratégia parcialmente responsável pela situação em que vivemos, para passarmos a outras dependências, de consequências futuras ainda desconhecidas.Se o petróleo, a água e o ar, constituem recursos frágeis, a qualidade do solo ainda o poderá ser mais, acrescendo o facto de também ser limitado. Um maneio correcto, ou mesmo a melhoria, serão vitais para equacionar qualquer situação que permita suportar a vida dos 9 biliões de habitantes, que as Nações Unidas estimam povoar o planeta em meados deste século. Embora os especialistas em ciência do solo já tenham desenvolvido técnicas capazes de manter e aumentar temporariamente a fertilidade dos solos, a questão centra-se no modo de manter a sua qualidade ao longo do tempo. A recente investigação acerca da fantástica fertilidade de um misterioso solo da Amazónia, a “terra preta”, leva-nos a reconsiderar o valor da matéria orgânica dos solos, o húmus, sinónimo de riqueza. Até muito recentemente, a filosofia vigente era a de que”se os seus solos se estão a degradar, improdutivos portanto, adicione-lhes algum adubo, ou mobilize-os mais uma vez, e então conseguirá obter níveis de produção idênticos aos anteriores”. Face à incapacidade prática de manter este padrão de maneio, tem vindo a surgir um interesse crescente em conciliar sistemas que possam aumentar a fertilidade dos solos. Os resíduos orgânicos de natureza animal ou vegetal, produzidos em massa pela mesma sociedade que tem vindo a utilizar o solo, de modo, por vezes, indiscriminado, apesar da sua simplicidade, quando misturados, dão origem a um sistema complexo, cuja fertilidade depende da interacção de uma miríade de propriedades físicas, biológicas e químicas. Até mesmo a investigação actualmente mais avançada, não consegue produzir fórmulas capazes de sintetizar quantidades de composto suficientes para utilização à escala global.Mas o problema persiste. De acordo com o Professor Rattan Lal, da Universidade americana de Ohio, por volta de 2050, à escala global, todas as necessidades em alimentos para pessoas e animais, fibra e combustíveis, terão que ser satisfeitas a partir de um valor médio inferior a 500 m2 de solo, por habitante. Como uma parte significativa dos solos disponíveis já se encontra degradada ou sobrecarregada, a solução terá que passar pela sua melhoria. Não pretendo divagar sobre a ciência do solo, na qual não sou especialista, mas o facto é que a sua formação é muito lenta e que os actuais sistemas de exploração agrícola fazem com que as perdas de solo sejam 10 a 20 vezes superiores à capacidade natural de regeneração. Em regiões como os Açores, em que o solo é naturalmente escasso pela sua natureza insular, ao que acresce uma utilização nem sempre a mais racional, a situação presente e futura, é naturalmente preocupante. O conhecimento da terra, a que se refere o Dr. Maduro-Dias na sua crónica, é cada vez mais importante em termos de sustentabilidade futura. As perspectivas futuras só podem ser analisadas através de uma quantificação correcta do presente, trabalho que, na maioria das situações, se encontra por realizar. Manter a qualidade do solo, é manter a viabilidade de uma sociedade, ou como o Dr. Maduro-Dias refere, “A vida, a nossa vida, depende disso!”.


Professor João Batista (Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores)


(In Diário Insular)

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