A matemática e o português são disciplinas que, desde há várias décadas, atingem níveis recordes de insucesso. Como se explica isso, quando percebemos que afinal falamos todos português, e a matemática, é uma apreciação das regularidades, ou seja, dos padrões que facilmente se apreendem?
Podemos colocar várias hipótese explicativas para o insucesso em matemática e discuti-las com argumentos lógicos ou pseudo-lógicos. Tentarei fazer isso neste pequeno artigo.
1º Hipótese: Trata-se de uma questão genética que afecta a população portuguesa.
Contra-argumento: Geneticamente, os dados científicos existentes apontam para uma fraca diferenciação interna dos portugueses, cuja base é essencialmente continental europeia, e essa base genética, mantêm-se aproximadamente a mesma nos últimos quarenta milénios, apesar da presença de inúmeros povos no território português que também contribuíram para o património genético dos seus habitantes. A explicação para o insucesso, em média, em matemática, não pode ser genética. Por outro lado, a história demonstra que já tivemos dos melhores matemáticos do mundo, aquando da época dos Descobrimentos, o que contradiz o argumento de que o insucesso em matemática é uma questão genética.
2º Hipótese: A matemática é extremamente difícil de compreender e os professores não a explicam bem.
Contra-argumentos: É mais difícil perceber como se usa a Internet, o melhor exemplo de um sistema de grande escala, altamente engenheirizado e ainda muito complexo, do que os passos necessários para a resolução de uma equação do primeiro grau.
É mais difícil perceber como se usa um MP3 do que perceber o que significa uma fracção.
A matemática não é difícil nem complexa, é lógica e por vezes mecânica, competências que os alunos portugueses possuem.
Se os alunos aprendem a usar a Internet, os MP3, os iPOD, etc, sozinhos, também não precisam de grandes explicações para entender o básico da matemática.
Destes argumentos resultam que o problema do insucesso em matemática não se deve exclusivamente à sua dificuldade ou à capacidade de comunicação dos docentes. Talvez se deva à menor motivação dos alunos para a apreender, relativamente às novas tecnologias, e aos processos pedagógicos utilizados pelos professores de matemática.
3º Hipótese: Os alunos chegam mal preparados ao níveis mais elevados de ensino, má preparação essa que não os faz progredir.
Contra-argumento: Através de um raciocínio recorrente, se os alunos chegam mal preparados ao 12º ano, então há culpas a atribuir ao 10º e 11º de escolaridade. Se chegaram mal preparados ao secundário, a culpa é do terceiro ciclo do ensino básico. Se chegam mal preparados ao terceiro ciclo, a culpa é do segundo ciclo de ensino. Se chegaram mal preparados ao segundo ciclo, a culpa é do primeiro ciclo. Se chegaram mal preparados ao primeiro ciclo, a culpa é da educação pré-escolar. Se chegam mal preparados ao jardim de infância a razão é genética. Ora, tínhamos visto na primeira hipótese que a genética não justificaria tais resultados. Por outro lado, as estatísticas mostram que o insucesso em matemática vai crescendo com o aumento dos ciclos de estudos, o que contradiz que a hipótese de que o ciclo anterior não preparou bem os alunos para o ciclo seguinte.
Em todo e qualquer nível de ensino, se os alunos tem competências, não são os conteúdos que não sabem que interessa. Essa lógica resulta da tentativa de pôr a água fora do capote dos vários níveis de ensino e contradiz os argumentos de facilidade avançados na segunda hipótese.
4º Hipótese: O insucesso resulta da falta de preparação dos docentes de matemática para atingirem um adequado nível de exigência.
Contra-argumento: Há cerca de duas décadas atrás, uma grande percentagem dos professores de matemática do ciclo preparatório e ensino liceal não tinham habilitações próprias. Os professores primários tinham como habilitações o equivalente ao 9º ano de escolaridade. Hoje são praticamente todos eles licenciados.
Antes e agora, os níveis de insucesso continuam elevados. É lógico atribuir-se o insucesso a matemática à formação dos docentes? Não há qualquer razão objectiva que justifique esse comportamento médio, o que não quer dizer que não se encontrem excepções.
5ºHipótese: O insucesso em matemática deve-se a factores sócio-culturais.
Argumento/Contra-argumentos: Não há estudos estatísticos sobre o que afirmarei, trata-se apenas de uma percepção.
Desde sempre que escutei, e nunca o deixei de o ouvir, os pais exprimirem aos filhos que nunca entenderam nada de matemática, e que para eles, a matemática é algo muito difícil. Que mensagens estão a transmitir aos filhos? Na primeira dificuldade, os filhos têm argumentos para dizerem que também acham que essa disciplina é difícil, e como tal, são geneticamente parecidos com os seus pais e irmãos que nunca tiveram aptidão para essa área. Por esse meio dá-se credibilidade à questão genética.
Desde os meus tempos de estudante que sempre ouvi os docentes de matemática dizerem aos alunos "Continua assim que vais chumbar" e raramente "Se fizeres um pequeno esforço, aqui e acolá, terás uma excelente nota". Que mensagem se transmite a um aluno que ainda não entendeu as regras de uma operação quando se diz isso? Encaminhamo-lo para o insucesso. Com esses comportamentos fortalece-se a hipótese da matemática ser difícil.
A maioria das vezes, a correcção e avaliação dos testes é pensada numa lógica subtractiva, ou seja, "está tudo certo, mas deixa-me ver onde posso cortar alguma coisa!" e nunca numa lógica aditiva "deixa-me ver o que se aproveita", ou "deixem-me identificar aquilo que o aluno necessita de aprender ou trabalhar". Quantas vezes se alude a uma máxima ridícula: 20 para Deus, 19 para mim e 18 para o melhor aluno, como se Deus e o Professor estivessem a ser avaliados simultaneamente, com uma escala absoluta?
Partir do princípio que todos os alunos tem possibilidade de passar a uma disciplina até ao final do ano lectivo, é completamente diferente de assumir que, logo no primeiro período (com apenas 1/3 do ano lectivo) não conseguirá atingir os objectivos mínimos quando lhe faltam 2/3 do ano escolar para aprender.
Na avaliação do PISA, que avalia as competências em matemática de 29 países da OCDE, afirma-se que se as condições sócio-económicas do nosso país e o nível de educação dos pais dos nossos alunos fossem iguais à média dos países da OCDE, o resultado médio dos portugueses em matemática subiria para valores positivos, colocando os alunos portugueses no 7.° lugar do conjunto dos 29 países da OCDE considerados no estudo, acima dos seus colegas da Alemanha, Áustria, Canadá, Dinamarca, USA, Espanha, França, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Noruega, Suécia e Suíça.
Pode-se considerar que as questões sócio-culturais têm grande influência no insucesso em matemática no nosso país. Se assim é, há que combater esse insucesso do seguinte modo:
- Os avós, pais e irmãos devem evitar dizer que não gostam de matemática aos mais novos, e toda a família deveria fazer um esforço conjunto para aprender ou reaprender matemática.
-Proibir os professores de dizerem a um aluno que está reprovado a matemática até metade do ano lectivo, pelo menos, pois na teoria o aluno poderá ter sempre 20 durante meio ano, mesmo que tenha tido zero na primeira metade. No fundo, aplicar a máxima dos campeonatos de futebol: "ainda é tecnicamente possível chegar ao apuramento".
-Aconselhar os professores a corrigirem os testes numa lógica aditiva em vez da lógica de desconto, e não penalizar sucessivamente o aluno pelo mesmo erro em todos os problemas, ou seja, se a falha do aluno é não saber que 9x9=81 e essa conta aparece em todos os problemas, não faz sentido subtrair cotações por esse erro em todos os problemas. No fundo, valorizar mais as competências do que os conteúdos.