quarta-feira, agosto 05, 2009

Para criar emprego: Governo quer ensinar Universidade dos Açores

As empresas açorianas têm grande dificuldade em descolar de uma situação de funcionários com baixo nível de qualificação para outra em que tem de ter ao seu serviço jovens licenciados. Mas também a Universidade dos Açores não é suficientemente flexível ao nível dados mestrados e pós-graduações para posicionar os jovens para o mundo do trabalho na Região. O resultado é o crescimento do número de licenciados no desemprego e, ao descrédito ao nível das licenciaturas. A educação nos Açores vive uma nova encruzilhada, agora ano nível do ensino superior. A densidade de licenciados na Região é a mais baixa do país e, apesar disso, o desemprego entre os licenciados está a aumentar. No arquipélago existem já 99 licenciados que não têm emprego e, face à crise económica que afecta o tecido empresarial regional, a tendência é para que este número cresça. Rui Bettencourt, director regional do Emprego e Formação Profissional, faz uma leitura favorável das estatísticas. Em Portugal, com uma população de 10 milhões de pessoas, tem 50 mil licenciados no desemprego. Os Açores, com 240 mil pessoas, representam 2,5% dos portugueses. Ora, 2,5% dos 50 mil licenciados portugueses no desemprego corresponderia a 1.250 licenciados desempregados “e temos 99”. Ou seja, prossegue, “a incidência do desemprego nos licenciados é muito menor nos Açores do que no Continente”. Dos 99 licenciados que, na Região, estão no desemprego, “apenas” 44 têm menos de 30 anos e estão, portanto, à procura do primeiro emprego. Isso significa que 54 licenciados têm “num ou outro momento do seu percurso profissional, um problema de desemprego”, explica Rui Bettencourt. Flexibilizar mestrados e pós-graduações O director regional não esconde que existe, actualmente, nos Açores, uma falta de adaptação das licenciaturas da Universidade às exigências do mercado regional. “Temos de aumentar o número de licenciados de uma forma pertinente” afirma, para depois realçar que, se não for assim, “poderá instalar-se, durante alguns anos, incompreensão em relação à necessidade de termos mais licenciados”. “Se nós não dermos resposta, em termos de pertinência no ensino superior, para as necessidades das empresas, arriscamos a que os jovens deixem de acreditar na Universidade”, alertou. “Alias”, sublinha, a sociedade açoriana e as empresas “necessitam de perceber que são necessários mais licenciados. Agora, na verdade, temos de ter cursos mais pertinentes”. Reconhecendo que a Universidade dos Açores não pode estar a mudar todos os anos de quadro docente para ter num ano, por exemplo, engenharia civil, e, no outro, engenharia mecânica; o estabelecimento de ensino superior pode criar aquilo que designa como cursos “de banda larga”. Ou seja, cursos de conhecimentos gerais como “trampolim” para uma especialização dos jovens em áreas que vão ao encontro das necessidades do mercado. Para se conseguir este objectivo, os mestrados e pós graduações “devem ser mais flexíveis” na Universidade açoriana. “Sou muito apologista da flexibilidade dos mestrados e doutoramentos e uma forte ligação com o tecido empresarial”, acentua o director regional. “Pode haver, à dimensão da nossa universidade, várias licenciaturas de base e vários mestrados evolutivos e flexíveis”, sugere, a propósito. “É por isso que entendo”, adianta, que o governo açoriano e a universidade “devem caminhar, em parceria, para promover mestrados e pós graduações de conversão de jovens licenciados, tendo como meta o alargamento do número de licenciados no quadro das empresas dos Açores”, defende. Esta aproximação é inevitável como forma de se vencer esta “encruzilhada” que, de harmonia com o próprio Rui Bettencourt, é “muito complicada”. Nos próximos anos, afirma, os Açores “têm de imaginar outras estratégias de aproximação da universidade às empresas, outras estratégias de adequação dos cursos universitários às necessidades da economia e da sociedade, através da flexibilização de pós graduações e mestrados”. “E temos de imaginar outras estratégias para convencer as empresas” de que os jovens licenciados “são uma mais-valia forte para o tecido empresarial mesmo que, à partida, não tenham uma formação imediatamente utilizável”. Rui Bettencourt dá o exemplo de um jovem licenciado em estudos europeus que entrou para uma empresa de exportação de pescado de São Miguel através do programa ‘Estagiar L’ e que, através do seu conhecimento, consegue exportar peixe para a Croácia, Itália e Espanha. “Portanto, há conhecimentos que os jovens têm e que podem ser potenciados”, afirma, a propósito. “Estamos aqui numa situação muito complicada que exige uma nova visão do futuro”, sublinha Rui Bettencourt. “Dar o salto para outro patamar” “É necessário modificar a abordagem dos recursos humanos, nomeadamente do ensino superior nos Açores. Temos de ter um momento de viragem. Já o fizemos no ensino profissional. É necessário fazê-lo no ensino superior”, palavras do director regional. Em seu entender, quando se vencer “este momento difícil” de tornar a formação superior do jovem pertinente para o mercado de trabalho e o jovem licenciado reconhecido nas empresas, “damos um salto para um outro patamar”. A par disso, há empresas que têm necessidade de licenciados em determinadas áreas. O mercado continua a ter falta de agronomistas. “Porque não fazer um mestrado nesta área?”. Há falta de técnicos em higiene e segurança no trabalho (os 28 que saíram agora da Universidade estão empregados). E “temos uma dificuldade enorme em tradução. Temos falta de profissionais intérpretes”. E em toda esta encruzilhada”, afirma o director regional do Emprego e Formação Profissional, “leva-nos a repensar o projecto profissional do jovem de modo a que haja um momento de entrada no mundo do trabalho e outro em que, continuamente, o jovem aprenda a reconverter-se, Temos vindo a trabalhar muito na formação de activos e na formação inicial de nível profissional (níveis 2 e 3). E isso faz-nos pensar no sistema de ensino superior de formação contínua. É necessário trabalhar muito a nível superior”, defende. E Rui Bettencourt aponta uma outra questão que considera “interessante”. “Os açorianos têm de estar preparados para mudar de profissão”. Em sua opinião, o contexto profissional “vai fazer-nos evoluir para outras direcções que não era aquela que tínhamos pensado à partida. Não podemos imaginar fazer como há 40 anos atrás em que alguém entrava na profissão de contabilista e permanecia na mesma ao longo de três a quatro dezenas de anos”. “É necessário ter uma crescente capacidade de adaptação. E é necessário que quem ensina (no ensino superior e não superior) dote os jovens de capacidade de adaptação porque eles vão precisar desta adaptação ao longo da sua vida profissional”, completa. Sem ‘mata-borrão’ A tendência para o aumento de desempregados entre os licenciados nos Açores, apesar de agravada pela crise, não é só circunstancial. Deriva de um factor estruturante que resulta da forma como o mercado de trabalho está estruturado. É um mercado que continua a solicitar, em grande escala, qualificações muito baixas. Apesar desta realidade, tem aumentado o número de licenciados inseridos no mundo do trabalho nos Açores. Desde logo, porque em Portugal, no geral, e nos Açores em particular, o grande empregador de licenciados é o Estado. E especificamente num sector do Estado, a educação. “Professor era o destino onde iam parar muitos licenciados. Funcionava como um verdadeiro mata-borrão”, afirma Fernando Diogo. Com a queda demográfica, com efeitos ao nível do primeiro ciclo do ensino básico, houve escolas que encerraram. Eram escolas onde os alunos “estavam mais disponíveis e havia maior insucesso escolar”, refere o sociólogo. O facto é que, nesta altura, o mercado de trabalho para os licenciados na educação “está em pleno esgotamento” e “já se fala em desemprego docente que corresponde aos professores que não conseguiram colocação”. “Há, digamos, uma saturação do mercado do trabalho por duas vias: porque há muitos licenciados e porque o número de crianças e jovens tem vindo a diminuir nos Açores apesar de a Região, sobretudo devido a São Miguel, ser a mais jovem do país”. Fernando Diogo dá outro exemplo que conhece de perto, o do instituto de Acção Social que emprega mais de 100 licenciados. Durante muito tempo não havia licenciados em serviço social nos Açores em número suficiente para preencher as vagas. Concorriam muitos licenciados do continente e alguns ficaram. A partir do momento em que o número de licenciados, sobretudo açorianos, e especialmente micaelenses, aumentou, as pessoas foram ocupando as vagas e, agora, “não há muitos lugares a abrir para novos para licenciados…”. Elevar a qualificação nas empresas Toda esta questão da qualificação “é fundamental para os Açores e para cada açoriano”, afirma Rui Bettencourt, director regional do Emprego e Formação Profissional. “Não podemos imaginar a economia dos Açores com pessoas não qualificáveis”, sustenta. Mas o facto é que dois terços da população açoriana não tem o nono ano, o que para sociólogo Fernando Diogo, “é uma situação terrível” do ponto de vista das qualificações mas que “se justifica também porque é esta qualificação que o mercado exige”. Só que, numa dimensão global, esta realidade “é mau sob o ponto de vista do desenvolvimento da Região”, completa o sociólogo. Na construção civil é reduzido o número de engenheiros e outro pessoal qualificado. A Agricultura, como é feita nos Açores, não exige grande qualificação e, nas pescas são muito poucos os licenciados. A maior parte da população activa nos Açores enquadra-se no quadro de activos altamente desqualificados. Outro sector de actividade em crescendo nos Açores é o turismo mas, salienta Fernando Diogo, “o nosso turismo (cama e mesa), enquanto gerador de muito emprego sazonal, ainda não chegou a um ponto tão sofisticado que seja um tipo de actividade que exija licenciaturas”. “Isto não quer dizer que não haja necessidade de uma qualificação crescente dentro da actividade turística”, completou. Em todo este contexto, é compreensível que três quartos dos desempregados nos Açores não tenham o sexto ano da escolaridade; que mais de metade não tenha a quarta-classe. E Rui Bettencourt, director regional do Emprego, não esconde que, de facto, “o grande drama” no desemprego nos Açores “dá-se em público que não tem nenhuma escolaridade”. “O paradoxo que existe nos Açores”, acentua o director regional, é que “ainda se tem a formatação de que para estes trabalhos não é preciso ter uma qualificação e temos de convencer os empresários de que não é assim”. E Rui Bettencourt dá um exemplo: “A decisão de um turista regressar ou não aos Açores pode depender de termos ou não um recepcionista com qualidade. A nossa recepcionista que, em alemão, inglês ou francês, receba bem e seja simpática, pode levar o turista a regressar. E para isso tem de ser reconhecida e tem que ter uma boa remuneração”. O mesmo sucede em termos de higiene alimentar. “Não se consegue pôr de pé uma certificação de qualidade se não se tiver um técnico especialista nesta área”, alerta Rui Bettencourt. “E um licenciado em comunicação social. Uma empresa que não comunica interna e externamente vai ter dificuldade”. Ou seja, prossegue o director regional, “há uma exigência de idoneidade nos Açores que as empresas têm de perceber que passa pelo nível de qualificação dos seus trabalhadores. Se não for assim, dentro de dez anos estamos com o patamar de desenvolvimento de há 20 anos atrás…”. “Tudo isso”, completa, “deve levar a um discurso de convicção e de influência para que as empresas sigam este caminho. É que não está em questão só o futuro desta ou daquela empresa. Está em causa o futuro do tecido empresarial açoriano e dos Açores”.
(in João Paz - Correio dos Açores)

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