quinta-feira, maio 07, 2009

Disponibilizar mais livros pode não ser suficiente

FÉLIX RODRIGUES: “Um livro tem valor potencial, o valor real é-lhe dado quando alguém o lê e o entende”
Enquanto utilizador das antigas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, na sua freguesia de S. Sebastião, que memórias guarda desse serviço de promoção da leitura?
Para mim esse era um dia de festa. Ficava um mês inteiro à sua espera, pois já tinha lido todos os livros que levantara aquando da sua última passagem. Essa era uma época onde não havia televisão ou outros tipos de entretenimento. Estou a falar do antes do 25 de Abril, quando os livros não existiam em abundância e as carências materiais eram muitas. Perdia-me entre tantos volumes que eram postos à minha disposição, se bem que só me era permitido levar os de fita verde, mas não deixava de ler os títulos dos de fita vermelha. Estar dentro do carro da Gulbenkian era, em si, um grato acontecimento.

O Governo Regional está a estudar a possibilidade de retomar, mas por sua iniciativa e conta, as bibliotecas itinerantes, agora com a designação de Bibliobuses. É uma estratégia para (re)introduzir o prazer da leitura. Que lhe parece a iniciativa no actual contexto açoriano?
Os tempos são outros, as formas de entretenimento também mudaram, a disponibilidade de meios mais apelativos quer em termos de leitura quer em termos culturais, é enorme. Repetir os sucessos do passado não resulta forçosamente em sucesso no presente se não houver uma estratégia de promoção adequada. Precisamos reintroduzir o prazer da leitura nas famílias e nos nossos alunos. Precisamos criar e consolidar os hábitos de leitura dos açorianos. Disponibilizar mais livros pode não ser suficiente. Os Bibliobuses, numa primeira fase, não deverão ser só bibliotecas itinerantes, devem ser um chamariz, para cativar crianças, jovens e adultos. Cada uma das fases etárias precisa de estratégias de promoção de leitura diferenciadas, daí que o Bibliobus deve ter a possibilidade de se transmutar.

A ideia já foi criticada por poder transformar-se num meio ambulante de propaganda do Governo e de castração de mentalidades. Parece-lhe que esse perigo existe?
Se esse objectivo existe, estará vocacionado ao insucesso desde logo, pois a população facilmente se aperceberá. O povo pode ser enganado com publicidade, mas já ninguém deixa que lhe lavem a mente. Não vejo de forma alguma que essa estratégia de promoção de leitura tenha alguma coisa a ver com propaganda. Se tiver, é um erro enorme que facilmente será notado.

Uma alternativa aos bibliobuses poderia ser a transformação das escolas das freguesias em centros de dinamização cultural, com biblioteca. Isso implicaria manter abertas e com alunos dezenas de escolas que estão a ser fechadas por toda a Região. Concorda com esta possibilidade?
Levar a cultura e o conhecimento cada vez mais perto das populações é importante, mas para isso não basta querer ou abrir espaços, é preciso mão-de-obra especializada, ou seja, ter formadores e dinamizadores culturais. Um livro tem valor potencial, o valor real é-lhe dado quando alguém o lê e o entende, mas para isso é necessário também que alguém o promova. Ninguém descobre um grande livro perdido numa estante, mas são nas estantes que se depositam os grandes livros que aconselhamos.
(In Diário Insular)

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