Potencialidades da agricultura biológica
Praticante da agricultura biológica desde 1991, o engenheiro Victor Gomes esteve, recentemente, durante dois dias no pólo de Angra da Universidade dos Açores para ensinar a cultivar de forma biológica e respondeu a algumas perguntas de DI-Revista.
Durante um dia e meio os participantes do mini-curso “Horta Biológica” aprenderam a cultivar produtos biológicos na sua própria horta. É preciso muito conhecimento e grandes investimentos para o fazer?
Não. O objectivo da horta biológica é realmente a pessoa conseguir ser o máximo auto-suficiente possível, ou seja, estar o menos possível dependente dos factores externos. Com o mínimo de investimento a pessoa consegue fazer uma horta biológica. Fica até mais barato do que fazer uma horta convencional.As pessoas têm a ideia de que a agricultura biológica não é tão lucrativa economicamente. Isso é verdade ou é um mito?
No meu caso, em termos de exploração, a agricultura biológica é que foi a salvação da empresa. De facto foi com a agricultura biológica que conseguimos superar as crises do mercado. Neste momento, conseguimos, nalguns casos, factores de produção mais baratos e, depois, conseguimos estabilidade de preços, em termos de garantia de escolha de um produto muito melhor. Há uma procura crescente dos produtos biológicos, tanto a nível nacional como internacional. O mini-curso teve bastante adesão.
Os participantes mostraram-se apenas curiosos ou há alguns com vontade de apostar na agricultura biológica como oportunidade de negócio?
Uma maioria deles tem uma segunda actividade. São pessoas informadas e como não há muita agricultura biológica aqui nos Açores, não têm onde comprar agricultura biológica. Se não têm onde comprar e já que têm uma pequena hortinha em casa, querem produzir os seus próprios alimentos. E já que estamos em altura de crise, querem produzir. Outros não. Têm uma actividade convencional e têm alguma dificuldade em escoar os seus produtos e querem uma alternativa para a sua produção.
Está ligado à Biofrade, desde 1991. Como é que surge o interesse pela agricultura biológica?
Por duas razões: uma, porque nós já éramos apologistas de não utilizar produtos químicos, quando fazíamos agricultura convencional. Tínhamos uma exploração convencional, mas, depois, quando íamos vender, vendíamos pelo mesmo preço do que os outros, que utilizavam tudo e mais alguma coisa. Por outro lado, em 1990/1991 estávamos com grandes problemas de escoamento do produto. Foi quando começámos a sentir a maior influência da nossa Comunidade Europeia, com a concorrência de outros países como Espanha, França… e não conseguíamos escoar o nosso produto. A agricultura biológica, realmente era um produto novo. Até que começámos com a exportação. Começámos só a exportar para a Alemanha, até porque cá em Portugal não havia consumo, as pessoas nem sabiam o que era a agricultura biológica e as coisas correram muito bem. A partir daí, nunca mais parámos, fomos aumentando, aumentando e, desde 1998, só trabalhamos com agricultura biológica.
A Biofrade foi uma quinta pioneira nesta actividade em Portugal. Na altura, que entraves é que encontraram?
Os principais entraves tinham a ver com a dificuldade em arranjar alguns factores de produção. Hoje, existem insecticidas biológicos e alguns fertilizantes biológicos que não existiam na altura. Também não havia grandes apoios para a agricultura biológica. Neste momento, realmente, as coisas já estão mais facilitadas, porque já estamos numa era em que já há mais produção, mesmo em Portugal, e já começa a haver mais interesses pela agricultura biológica. Por outro lado, também nos produtos fitofármacos, as grandes empresas multinacionais já começam a voltar-se para as soluções biológicas, em vez de serem tão químicas. Então esses produtos, que já estão a utilizar para a agricultura tradicional de origem biológica, nós também já os podemos utilizar.
Estamos a falar de guerras biológicas, ou seja, com fungos, bactérias e outros organismos naturais, que nós, sem dificuldade, podemos comprar e utilizar na nossa agricultura.
Actualmente existem apoios à agricultura biológica?
Em termos de apoios comunitários tem havido alguns, na Europa é onde há mais apoios. Em Portugal, a parte burocrática é tão grande que nós simplesmente abdicámos dos apoios. Neste momento, estamos a produzir sem apoios financeiros, porque a parte burocrática era bastante complicada e então abdicámos. Com o passar dos anos, as pessoas foram tomando consciência da importância dos produtos biológicos. Hoje em dia, já há uma percepção dos benefícios destes produtos?Infelizmente, por razões menos boas, as pessoas já começaram a tomar conhecimento. Os problemas oncológicos cada vez são maiores e a própria comunidade médica já tomou consciência que, em muitos casos, tem a ver com os produtos que as pessoas ingerem. Quem teve problemas oncológicos é aconselhado a não comer produtos químicos. Realmente, o produto biológico é uma solução mais segura. Não quer dizer que no convencional não haja produtos bons, mas nunca se sabe muito bem como é que aquilo está produzido. No biológico, há um controlo, há uma certificação, há uma estabilidade melhor. Sabemos que o resultado final disso vai dar um produto de alta qualidade, com baixos valores residuais e então as pessoas estão voltadas para aí. Por outro lado, também temos outra questão: cada vez mais as pessoas estão informadas sobre os bebés. As pessoas, hoje em dia, não se importam de investir tudo no bebé e a alimentação é essencial e realmente cada vez mais as mães estão a alimentar os miúdos com produtos biológicos. Em comparação com o resto do país, a Terceira está em que grau de desenvolvimento?Neste momento, há pelo menos três agricultores a produzir cá alguns produtos, em pequena escala, mas é um ponto de partida. Tivemos cá um agricultor (no mini-curso), que nos veio dar o seu contributo e que veio mostrar às outras pessoas que realmente é possível fazer agricultura biológica e ser economicamente viável.
Os Açores têm condições preferenciais para o cultivo destes produtos?
Em qualquer sítio é possível fazer agricultura biológica, independentemente de ter condições ou não. A grande desvantagem que tem é o clima, ou seja, consegue-se produzir mais cedo e com baixos problemas noutras partes do país. Por outro lado, pelo que eu vejo, mesmo aqui na Terceira, há uma produção agrícola muito baixa. De tudo o que as pessoas consomem aqui, a maior parte vem do exterior. É uma maneira de potenciar a agricultura biológica. Já que as pessoas não conseguem produzir mais barato do que o que vem do exterior, pelo menos que consigam produzir com qualidade. Para que as pessoas vejam que para além de ser um produto local, é uma mais-valia pela qualidade e para que os produtores consigam arranjar melhor mercado por essa via.
E pensa que haveria mercado na região para produtos biológicos?
Acho que sim. Há em todo o lado, acresce que a Terceira cada vez mais está com potencial turístico. Os turistas que vêm da Alemanha, de Inglaterra, vêm com grandes hábitos nessa área. Se arranjarem um restaurante, se forem a uma mercearia com produtos biológicos, de certeza que eles compram. Não compram porque não têm, mas se encontrarem eles compram. Hoje, cada vez mais as pessoas estão mais informadas. Hoje em dia, os consumidores biológicos não são consumidores que têm um grande poder de compra. O produto biológico é um pouco mais caro, por diversas razões, porque temos de pagar certificação, tem menos produtividade porque não intensificamos tanto a produção, mas as pessoas preferem gastar e investir um pouco mais da sua economia em casa, mais na parte da alimentação, do que, por exemplo, num perfume caro ou numa roupa de marca. “Não me importo de gastar mais dinheiro na alimentação, mas numa alimentação com cuidado” – ouvimos, muitas vezes, dizer. E hoje em dia temos consumidores de vários estatutos sociais, principalmente são pessoas informadas. A classe dos professores, por exemplo, é uma classe que consome muito, a classe jornalística, alguns médicos, também… E, a partir daí, as outras pessoas começam a ir atrás e a consumir. Com a conjuntura económica actual fala-se muito na inovação e na criatividade no combate à crise.
A agricultura biológica também pode ser uma arma?
Pode ser uma boa arma. Se não for para um mercado interno mesmo, já que em termos económicos não conseguimos tanto, temos grande potencial para exportarmos. Os países nórdicos consomem grande quantidade de produtos biológicos frescos, uma vez que, durante o Inverno, estão congelados e nós aqui podemos produzir em grande quantidade e mandar para lá. E só nesse ponto de vista temos essa possibilidade. E do ponto de vista do agricultor, da maneira que os pesticidas, os fertilizantes, os combustíveis estão caros, a agricultura biológica neste momento pode ser uma solução mais barata do que a agricultura convencional.
(in DI Revista)Etiquetas: Agricultura biológica, Mini-Cursos, opinião
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