Os Açores portugueses são primeiro do povo açoriano
MANUEL LEAL
Os Açores andam à procura de uma economia desde os mais remotos tempos da sua existência. Há a impressão de que neste relacionamento comercial e cíclico com o mundo nunca se chegou a parte nenhuma. Mas não foi isto o que ocorreu. Os Açores não puderam por falta de meios adaptar-se às condições sempre difíceis da transitoriedade dos mercados. O factor preponderante deste atraso foi o garrote opressivo da política colonial e retrógrada do Estado Português. Ainda hoje manifesta uma cognição imperial.Estamos agora na fase da vaca, com uma corda ao pescoço regional. Mas encetam-se passos nem sempre consistentes no turismo, apalpando já possíveis e vagos investimentos em tecnologias emergentes. Neste aspecto, as potencialidades de uma política sem medo no contacto com parceiros exteriores, europeus e americanos, mesmo de outras origens, serão susceptíveis de criar uma diversificação sadia em que as querelas pessoais e obscuras dos partidos não se entreponham, fossilizadas, contra a posição geográfica do Arquipélago como ícone simbólico de uma vocação convergente e global. Foi isto mesmo que se entendeu quando Carlos César, nos Estados Unidos, firmou acordos que se espera valerem mais do que o papel em que se atestaram vontades e tomaram compromissos de amizade. Neste contexto, ter-se-á que obter da Universidade dos Açores um papel imprescindível, exigindo-lhe uma visão atenta e dinâmica numa dimensão futurológica. Não se trata do futurismo filosófico de Alvin Tofler, mas de um trabalho de organização, previsão e preparação científica que lhe dê estatura e carácter de grande instituição em termos do ensino superior em qualquer parte. Um ensino fortemente técnico e científico, prático e de investigação, orientado para a realização e o fomento de tecnologias de ponta em consonância com o zeitghast planetário. Mesmo que este esforço pese, desmedido, no orçamento regional, terá de fazer-se a prazo curto e razoável. Numa dimensão exigente, mais do que os protocolos de bem-querer de valor simbólico e político, será preciso adquirir a cooperação de centros mundiais do saber para se cumprirem os anseios da população, satisfazendo as necessidades intelectuais do avanço da modernidade. Um progresso definido numa realidade tecnológica de produções sofisticadas que o futuro exigirá. Num país em que no século XIX o Algarve chegou a ser proposto como mero real estate para uma troca pelo controlo do Rio de La Plata durante a vida curta do Reino Unido de Portugal, Brasil e do Algarve, os Açores foram sempre, ciosamente, um domínio do Rei e depois da República. Numa panorâmica geral da história, um país atrasado em relação aos demais estados europeus com que competia não toleraria um desenvolvimento insular que merecesse a cobiça de potenciais adversários no choque de interesses internacionais do que se chamou a economia atlântica.Por isso o período de maior crescimento económico dos Açores se fez sob o domínio castelhano. Na segunda metade do século XX, os Açores de novo serviram bem Portugal. Lisboa abriu o Arquipélago às democracias sob a ameaça dos Estados Unidos repetirem o ultimato do fim do século XIX. Mas depois da vitória sobre a Alemanha, a posição estratégica dos Açores garantiu ao Terreiro do Paço um lastro diplomático que deu ao regime autoritário, temporariamente, um semblante de respeitabilidade e a participação na OTAN negada a Francisco Franco. A política do Estado Novo consistia em retardar o desenvolvimento integral da pessoa colonial e adjacente, e mesmo continental, para assim garantir o controlo do país às duzentas famílias que o espremia. No Continente, o contrabando e a emigração ilegal para a Europa matava a fome campesina como Luís Cajão descreveu no romance As Escarpas do Medo (1962). Mas nos Açores, fechado o tradicional fluxo emigratório para a América do Norte, as condições de vida eram infernais. Veio depois a emigração para o Canadá. E logo a seguir para os Estados Unidos, facilitada pela erupção vulcânica dos Capelinhos. Somas elevadas em dólares entraram então no país através das organizações bancárias do arquipélago, sem que o benefício gerado para a balança de pagamentos nacional se reflectisse na situação económica insular. A moeda forte pertencia ao Banco de Portugal.A economia açoriana manteve-se sempre sob a arbitrariedade do governo da República até à adesão do país à União Europeia e à conquista da “autonomia progressiva” de Mota Amaral. Coube, todavia, à “autonomia na constituição” de Carlos César, impulsionada pelo auxílio de Bruxelas, demonstrar a capacidade governativa dos açorianos no desenvol- vimento do potencial económico da Região. Carlos César presidiu a um período de governação autonómica em que os Açores demonstraram competência e mesmo savoir faire político na salvaguarda dos seus melhores interesses. Descarrilou, frontalmente, o esforço de Cavaco Silva, porta-voz do mito centralista de que os açorianos não saberiam implementar os poderes que lhe eram concedidos. Neste aspecto, impôs ao Presidente da República uma derrota política de significado saliente. Mas o sucesso de Carlos César não teria sido possível sem as veredas bandeirantes abertas sob o comando de Mota Amaral contra a prepotência e por vezes mesmo o abuso intimidante dos órgãos do Governo da República. A falácia de que sem a República os Açores não poderão promover uma economia compatível com os padrões europeus foi estilhaçada. Será preciso ainda mais tempo, perseverança, uma maior, mais intensa e mais inteligente participação das populações. E uma mais íntima e mais açoriana, açorianíssima, colaboração entre os partidos. A determinação de juntos atingirem metas realistas, com o governo da República ou sem ele. Mas a posição agressiva assumida por Carlos César no discurso da posse do seu quarto governo não cabe neste espírito de cooperação pela fealdade da tempestade psicológica que expôs à observação pública. Nenhum partido possui um monopólio do governo. É mesmo no interesse democrático que nenhum se apodere dele como se fosse propriedade ou um suposto direito seu. Governar não é uma profissão, mas um dever cívico. Se outros partidos no futuro realizarem o que os governos de Carlos César têm feito, há razões fortes para se ter esperança no porvir. Mesmo sem o estado federado que garantiria a existência do Portugal intacto que se quer, a autonomia que se deseja cada vez mais reforçada levará os Açores a bom caminho. Com o aval de Portugal ou sem ele. A situação de incerteza e graves convulsões económicas por que passa o mundo não durará sempre. O povo dos Açores já enfrentou adamastores mais temíveis. Os Estados Unidos, como líderes ocidentais e motor propulsor dos mercados mundiais, fazem um esforço hercúleo que não é apenas económico. Erguem alto ainda a chama dos valores humanistas de que Barack Obama se fez defensor. O mundo apoia-o nas medidas já anunciadas, algumas ainda por se mostrarem nos processos e até algumas complexas implicações. Os responsáveis pelos grandes blocos económicos sabem que a irresponsabilidade de Wall Street durante o governo de George Bush foi a última tentativa do capitalismo para manter-se no estado selvagem de Herbert Spencer. A mão invisível de Adam Smith está sob a luz da solidariedade universal. É o triunfo da social-democracia sobre os extremos ocupados pelo comunismo de muitas faces e o capitalismo clássico renascido em Chicago. O primeiro morreu. O segundo vai ser agora domesticado através de legislação. Sem lhe retirar o espírito competitivo e de iniciativa, coloca-o sob os binóculos atentos da fiscalização adequada. Por isso as economias vão dar as mãos. Todo o mundo depende desta cooperação. Na próxima revisão constitucional, exigir-se-ão novas competências que requerem uma profunda remodelação. Desde a alteração judicial que inclui um Tribunal Supremo Açoriano, à transformação do ridículo Tribunal Constitucional e um banco central com jurisdição sobre a banca regional como os estados da federação americana. E o controlo na paz de todas as forças militares e paramilitares no arquipélago, sob a alçada do executivo açoriano. Os Açores são primeiro do Povo Açoriano. A fim de se poder contribuir, de livre vontade, cabalmente, para o todo nacional.
(In Expresso das Nove)
Etiquetas: Açores, Desenvolvimento Regional, opinião
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