quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Gestão Integrada da Água- O livro

São textos académicos, resultantes de experiências no terreno e análises sistémicas. Traduzidos para a prática, significam um contributo fundamental para a gestão de recursos que, disponíveis na ilha, continuam a não merecer a atenção devida., ou, pelo menos, a atenção total. Os recursos hídricos e as lamas urbanas (resultantes do processo nas estações de tratamento de resíduos instaladas na ilha) são dois elementos que merecem atenção num dos mais recentes livros da Principia, que reúne cinco teses de mestrado em gestão e conservação da natureza, três delas tendo como alvo o arquipélago, nomeadamente a Terceira (duas das teses têm como objecto de estudo a ilha).
O primeiro desses textos é da autoria de Maria Conceição Rodrigues, docente convidada no Departamento de ciências agrárias da universidade dos açores, localizado na ilha Terceira.
o seu objectivo foi a “aplicação de uma metodologia de suporte ao ordenamento do sítio de interesse comunitário da zona do complexo central da ilha Terceira”, no caso o maciço Pico Alto/Guilherme Moniz, actualmente na praça pública por causa do plano para a sustentabilidade dos recursos hídricos da ilha, apresentado a meados de Janeiro pelo secretário regional do ambiente, Álamo Meneses.
Outro dos textos com interesse particular para a ilha é o de Maria do Anjo Condesso Ekstrom, que procurou analisar a produção de lamas urbanas na Terceira, avançando com um “contributo para um modelo de valorização de lamas de depuração na ilha Terceira”.
Aqui, a investigadora adianta ser possível o uso das lamas resultantes do tratamento de resíduos urbanos, por exemplo, para a adubação das explorações agrícolas.
O livro – coordenado por Eduardo Dias, Leonor Cancela, Luís Fonseca, Pedro Beja e Tomaz Ponce Dentinho, docentes universitários – comporta ainda as teses de mestrado de Luísa Calado (“aplicação de um modelo de programação linear às lagoas dos Açores – avaliação do impacto da actividade agro-pecuária na qualidade da água e efeito no emprego”), Zita Benguela (“Análise dos sistemas de abastecimento de água de consumo na cidade do Huambo”) e de Paula Mendes (“Metodologia para a implementação de um sistema de indicadores de desempenho em serviços municipais de abastecimento de água – o caso de Loulé”).
Proteger a água
A tese de mestrado de Maria da Conceição Rodrigues, para lá do modelo de análise e gestão que propõe, reforça uma ideia recentemente afirmada: a monitorização e gestão do maciço central Pico Alto/Guilherme Moniz favorecem a recarga dos aquíferos da ilha associados a essa zona, que garante três quartos da água saída das nascentes que abastecem a Terceira. “Algumas das formações vegetais aqui existentes, nomeadamente as do tipo natural arborescente, ao controlarem a intercepção, a evapotranspiração e ao diminuírem a erosão, têm um papel importante na estruturação e estabilização das linhas de água. Também as formações vegetais do tipo turfeira, recobertas de Sphagnum que actua como uma esponja, são de primordial interesse para o controlo dos escoamentos superficiais e retenção de elevados volumes de água”, escreve a autora. Com uma área aproximada de 20 quilómetros quadrados, o maciço Pico Alto/Guilherme Moniz é responsável pelo abastecimento das mais importantes nascentes de água da ilha. Com ele, a autora consegue uma fórmula de garantir a justa compensação monetária aos proprietários dos terrenos localizados nesse maciço. o que, em boa verdade, poderá contribuir para o plano de aquisição de terras que o governo Regional pretende implementar naquela zona com vista à sua reserva para a retenção de água e consequente recarga dos aquíferos da ilha.
Recentemente, o secretário regional do ambiente anunciou que parte dos terrenos da caldeira Guilherme Moniz será reservada para o restauro de zonas de turfeiras (ali existentes há vários anos, mas destruídas por arroteias desenvolvidas para a criação de pastagens agrícolas), importantes para a recarga dos aquíferos da ilha.
“Do caso de estudo apresentado resulta a constatação de que a alteração do coberto vegetal actual, em benefício do avanço da pastagem, altera a quantidade de excedentes de água para a recarga aquífera insular”, conclui a autora.
A transformação dos terrenos actualmente usados para pastagem em zonas cobertas de vegetação e sem uso significaria um aumento de 30 por cento nos recursos hídricos da ilha, assume Maria da Conceição Rodrigues nesta tese.
Lamas viram adubo
Outro dos trabalhos incluído neste livro analisa a possibilidade das lamas resultantes do tratamento de resíduos urbanos serem utilizadas na adubação das explorações agrícolas da ilha.
“A ilha Terceira tem uma grande área disponível para aplicação de lamas, com uma estrutura fundiária favorável. Contudo existe fraco potencial de valorização, uma vez que são praticadas culturas de muito baixo rendimento. No entanto, dado o seu potencial como correctivo orgânico e dado o carácter acidificante dos solos, poderá existir interesse na valorização agrícola das lamas de depuração”, conclui Maria do Anjo Condesso Ekstrom, cuja tese de mestrado em gestão e conservação da natureza é incluída neste volume.
Em 2003, segundo a mesma fonte, foram depositados quase 546 mil quilos de lamas urbanas no aterro. Esse valor aumentou no ano seguinte para mais de um milhão de quilos e, em 2005, bateu novo recorde: um milhão de meio de quilos.
Segundo a autora, actualmente, a produção per capita de lamas de depuração na Terceira é de 0,09 toneladas por dia. Tendo por base esse valor, Maria Ekstrom assume que, em 2020, poderiam ser adubados 320 hectares de terreno (dois por cento da superfície agrícola útil) na Terceira. Tal implicaria o uso de seis toneladas do composto resultante do tratamento das lamas urbanas.
“Nos açores, a agricultura, pela sua dimensão, tem potencial para reciclar este tipo de resíduo, já optando hoje em dia pela reciclagem de estrumes e chorumes provenientes da actividade agro-pecuária, em determinadas unidades. No entanto, a transformação destes resíduos num produto seguro e competitivo no mercado é uma tarefa complexa, sendo necessário assegurar a multidisciplinaridade e a participação dos diversos agentes”, sublinha Maria do Anjo Condesso Ekstrom.
Mesmo assim, a investigadora reconhece que a concretização desta possibilidade é difícil, tendo em conta a realidade agrícola actual.
“O tipo de explorações agrícolas existentes e o respectivo grau de mecanização, o tipo de produção existente e respectivas sazonalidade, associada à restrição em determinadas culturas, a profundidade de injecção e o tipo de equipamento necessário para a sua aplicação poderão ser fortes condicionantes à utilização das lamas urbanas, até porque a maioria das instalações não tem a estrutura adequada nem número de trabalhadores suficientes. Para além destes condicionantes o facto de «outros fertilizantes» não serem sujeitos a restrição dificultará a procura por estes novos fertilizantes”, explica.
No entanto, comprovado cientificamente o potencial da reutilização deste material, abre-se uma nova possibilidade.

(In DI-Revista)

Etiquetas: , , , , , , , ,