terça-feira, fevereiro 03, 2009

A PROPÓSITO DE CÃES

João Pedro Barreiros

Sobre cães devem escrever-se, todos os dias, milhares de milhões de textos abrangendo os mais diversos temas directa ou indirectamente ligados a estes canídeos que, geneticamente, não são mais do que lobos domesticados – provavelmente há mais de 9.000 anos – e portanto, desde então, sujeitos à selecção artificial e apresentando aquilo que define um animal doméstico: o declínio da apreciação ambiental, ou seja, a decrescente importância da selecção natural nesses animais.Temos então, um panorama vastíssimo de centenas de raças, todas pertencentes à mesma espécie – Canis lupus – com um genótipo manipulado pelos caprichos de milhares de anos de cruzamentos decididos por humanos em função de necessidades várias tais como a caça, a protecção de rebanhos, a guarda de propriedades e, mais recentemente, a simples companhia, a estética (factor subjectivo que origina autênticas aberrações) ou a ostentação – muito comum nas chamadas raças perigosas com tristes exemplos de graves acidentes associados, nomeadamente por Rotweillers ou Pit-bulls.Porém, podemos generalizar alguns factos: 1. O comportamento de um cão adulto (ou de uma cadela embora a testosterona dos machos origine comportamentos tipicamente masculinos também nos Canídeos) resulta de um conjunto complexo de estímulos que o cachorro jovem recebeu principalmente após o desmame, associado ao seu próprio património genético;2. Ter um cão implica uma responsabilidade importante por parte dos seus donos: os cães, tal como a maior parte dos Carnivora da família Canidae, são animais sociais. Como tal, precisam de treino e ensino muitas baseado no complexo de estímulos castigo/recompensa;3. Sendo sociais precisam de atenção, interacção com as pessoas com quem mais convivem, espaço (variável naturalmente com o tamanho), e diversidade de rotinas;Tendo em atenção estes 3 simples aspectos permita o leitor que passe agora a tentar explicar-lhe porque não me dou bem com a maioria dos cães que comigo se cruzam ou que habitam lugares próximos da minha residência:1. Ao contrário, por exemplo, dos gatos, os cães tem uma menor propensão para defecar e urinar sempre nos mesmos locais o que espalha mais o desagradável cheiro principalmente em tempo quente;2. Como, geralmente, são maiores que os gatos, o tamanho dos seus excrementos também o é sendo também muito mais provável pisar uma “bosta” de cão do que uma de gato;3. Os que têm menos atenção e passam mais tempo sozinhos ou privados de estímulos/distracções, muitas vezes em espaços exíguos, sujos e/ou mesmo fechados em “canis” de duvidosa salubridade, tornam-se mais irritáveis e neuróticos com o tempo, chegando a desenvolver comportamentos estereotipados que lhes prejudicam seriamente a saúde e lhes encurtam a esperança de vida;4. Entre estes comportamentos conta-se, principalmente, um dos mais incomodativos, irritantes e exasperantes: os constantes e ensurdecedores latidos e/ou uivos capazes de tirar do sério a mais calma das criaturas;5. A Lei do Ruído, nomeadamente na sua alínea r) “ruído de vizinhança”, protege quem sofre com essa horrível e, por vezes, constante agressão aos tímpanos e ao bem-estar do vizinho que não tem cães ou que os soube educar. Porém, quase sempre, chegar ao ponto de accionar estes mecanismos implica perder um bom relacionamento de vizinhança em relação ao vizinho que tem o cão “mal-educado” e, sobretudo, barulhento.
Assim sendo, é lógico pensar-se que ter um cão – ou outro animal social, um cavalo por exemplo – implica um compromisso e uma responsabilidade por parte dos respectivos donos. Conheço pessoas que afirmam “gostar muito dos seus cães” mas que, no entanto, quase nunca interagem com eles deixando-os longas horas, por vezes dias, acorrentados e ou fechados em canis.Tal como um cão deve ser educado, o dono de um cão também o deverá ser. Sobretudo terá de compreender o mínimo de responsabilidade que acarreta ter um animal como um cão, seja este de que raça for, mas principalmente para que ambos, cão e dono, possam passar alguns anos interagindo de forma saudável, cúmplice, segura e sem incomodar o próximo.

(In Diário Insular)

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