Reflexões em torno da Autonomia
Avelino Meneses
1. Das origens à afirmação da Autonomia
Apesar de possuir raízes bem perceptíveis já em finais do século XVIII, e à margem de uma afirmação logo no termo do século XIX, só nos últimos 30 anos a Autonomia conheceu progressos verdadeiramente consideráveis. Nunca como hoje foi, no entendimento teórico, um movimento tão ousado. Nunca como hoje foi, na acepção prática, um instrumento tão útil. No presente, a Autonomia dos Açores é uma Autonomia muito ampla. É-o, sobretudo, por comparação com um passado de mais de 100 anos. É-o, sobretudo, por comparação com experiências autonómicas estrangeiras. Em 1976, a conversão da Autonomia em preceito da Constituição da República Portuguesa como que equivaleu à obtenção da maioridade. Agora, ela é a tradução de uma especificidade insular - o alicerce da nossa identidade. Agora, ela é o resultado de aspirações sociais - não apenas das elites do passado, mas também dos cidadãos de hoje e dos do futuro. Não admira, pois, que inúmeros políticos e autoridades nacionais de todos os matizes proclamem a suficiência do nosso grau de Autonomia, que não justifica maior evolução. A título de exemplo, relembremos apenas os casos mais recentes. Em Janeiro de 2005, na Aula Magna da Universidade dos Açores, na abertura do Congresso da Cidadania, organizado pelo então Ministro da República, Dr. Laborinho Lúcio, o Presidente da República em exercício, Dr. Jorge Sampaio, afirmou inequivocamente que aos Açores bastava o estatuto autonómico existente. Nestas circunstâncias, quem estranha a atitude do actual Presidente da República, Prof. Doutor Cavaco Silva, talvez menos entusiasta das autonomias, sobretudo quando a nova proposta de Estatuto Político-Administrativo dos Açores ainda colide com a arquitectura dos seus próprios poderes?
2. Das fragilidades da Autonomia
2. Das fragilidades da Autonomia
Por vezes, somos nós próprios os principais responsáveis pela visão redutora que do exterior impende sobre a nossa experiência de auto-governo. Isso acontece sempre que não aproveitamos até à exaustão todos os preceitos e todos os instrumentos já disponibilizados pela organização autonómica. Claro que o problema mais se agudiza, quando o desaproveitamento daquilo que possuímos ainda coincide com a reivindicação de mais meios de acção e de representação. Além disso, uma vez obtida a emancipação política perante a velha metrópole, fragilizamo-nos sempre que não aproveitamos a Autonomia como expediente de invenção de uns Açores novos. Infelizmente, a experiência demonstra uma estranha sedução, que reside na tentação de converter a Região Autónoma em imitação do País, com o seu inevitável rol de defeitos, onde até se incluem alguns laivos de centralismo interno. Sejamos, por isso, mais ambiciosos e mais inovadores. Para o efeito, façamos a harmonização da unidade política com a descentralização administrativa. Se o fizermos, encontraremos então o caminho do verdadeiro desenvolvimento, aquele que propicia o progresso do todo, que é o arquipélago, através da redução das assimetrias das partes, que são as ilhas. Se o fizermos, encontraremos então o caminho do inequívoco equilíbrio, que admite o estímulo das ilhas maiores e centrais, sem prejuízo das ilhas pequenas e periféricas. Se assim agirmos, teremos uns Açores novos e uma Autonomia melhor.Apesar do arrimo da Constituição, a Autonomia é ainda um fruto frágil, porque Portugal é um País tradicionalmente centralista, onde as autonomias dos Açores e da Madeira são excepções. Além disso, nos Açores, para o vulgo da população, a Autonomia é um projecto muito recente, ou seja, uma decorrência das transformações democráticas de 1974 a 1976. É por isso que oficialmente quase se ignora o 2 de Março. É por isso que não há cidadão que conheça o 16 de Fevereiro. É por isso que o 6 de Junho é ainda um factor de discórdia entre a direita e a esquerda políticas regionais. Assim, não havia efectivamente solução que não fosse celebrar a Autonomia na 2ª feira de Pentecostes! De facto, só o amparo do Espírito Santo nos pode valer em tamanha necessidade. Hoje a Autonomia tem ameaças. Tem sobretudo uma ameaça, que é o primado da tecnocracia sobre a política. A tendência uniformizadora dos técnicos, que se comprazem na realização de contas e de continhas, não reconhece as especificidades, que reclamam e justificam um tratamento diferenciado. Para evitar males maiores, importa que sejamos céleres na denúncia de pequenos atropelos, que invariavelmente confrontam sempre a duvidosa insuficiência dos resultados que alcançamos com a propalada abundância dos recursos de que usufruímos. Denunciemos sobretudo aqueles que não reconhecem que o afastamento e a dispersão geográficos acarretam muitos custos e outras tantas canseiras. Esses não conhecem nem entendem os Açores. Se assim o não fizermos, damos azo a que no curto prazo um qualquer Ministro, um eventual Primeiro Ministro, ou um hipotético Presidente da República venham aqui aos Açores denunciar o excessivo investimento de Portugal em ilhas, que afinal possuem menos população do que qualquer concelho limítrofe da capital.
3. Da progressão da Autonomia
3. Da progressão da Autonomia
Apesar de todos os progressos, a autonomia ainda possui uma considerável margem de progressão. A aferição do seu êxito mede-se pelo grau de união dos açorianos. A construção da unidade exige, entretanto, que os autonomistas, fundamentalmente os políticos autonomistas, façam do seu discurso um compromisso com os Açores, nunca um veículo de ideários e de estratégias nacionais. A obtenção da unidade sucede quando o entendimento entre açorianos superar as nossas diferenças de opinião, fruto da livre expressão das sensibilidades. Embora muito determinada pelo calendário eleitoral, a recente aprovação, por duas vezes e por unanimidade, nas Assembleias dos Açores e da República da proposta de Estatuto Político-Administrativo dos Açores, agora vetada pelo Presidente da República, sempre constitui um bom indício. Ao invés, ainda hoje, a extrema dependência dos líderes e das estruturas partidárias regionais da macrocefalia lisboeta constitui o pior dos sinais. O autêntico triunfo da Autonomia demanda, entretanto, que ela seja sempre evolutiva. O autêntico triunfo da Autonomia demanda, por isso, que ela dependa da vontade do povo açoriano. Só quando tal efectivamente suceder se poderá proclamar a obtenção da máxima Autonomia. Porém, no avanço da Autonomia, a familiarização das populações com os símbolos regionais constitui uma indispensabilidade. Daí um louvor à distribuição por todos os lares dos Açores do denominado “kit autonómico”, uma acção apenas ensombrada pela escolha do pior dos “timings”, isto é, precisamente nas vésperas da última refrega eleitoral. No entanto, de maior significado, seria o desenvolvimento de uma pedagogia autonómica, a adoptar pelo sistema de ensino, do pré-primário ao secundário, que melhor familiarizasse a juventude com os temas e os problemas açorianos. Desta forma, talvez se constituísse uma opinião popular em prol da Autonomia, à data inexistente, apesar das vantagens de mais de 30 anos de governação autonómica, comparativamente a todas as antepostas modalidades de mando.
4. Da indispensabilidade do trabalho da teoria
4. Da indispensabilidade do trabalho da teoria
Quer isto tudo significar que é preciso cuidar da Autonomia! Por outras palavras, é preciso discutir a Autonomia! É uma tarefa urgente sobretudo na conjuntura actual, quando mais de metade dos açorianos se exime à participação eleitoral. E, se os políticos se dissipam por entre o imediatismo do quotidiano, compete aos intelectuais a condução do debate, mesmo que cause incómodos, e causa sempre, pelo menos aos donos de todos os poderes, sejam eles políticos, económicos ou inclusivamente académicos. Neste caso, à Universidade cabe a maior responsabilidade, porque é fruto da conjuntura de institucionalização da Autonomia, porque também dispõe da possibilidade do uso da interdisciplinaridade, requerido pela complexidade da matéria. Na Universidade, os propósitos de promoção da universalidade não justificam a análise insuficiente do local e do regional, que nos são mais próprios. Aliás, a nossa obrigação é a da universalização do saber, mesmo quando ele se reporta à dimensão de um qualquer lugar.O robustecimento da Autonomia exige, portanto, o trabalho da teoria, dada a insuficiência do progresso material, que contribui para a melhoria da existência dos povos. Em 1895, em 1928 e em 1974-76, o triunfo do ideal autonomista ocorreu em épocas de extrema fragilidade do Estado português. No crepúsculo da Monarquia e na agitação da República, os decretos de 2 de Março de 1985 e de 16 de Fevereiro de 1928 derivaram da acção tenaz de agitação e de propaganda, promovida por uma ilustre plêiade de açorianos dentro e fora do arquipélago. Em 1976, pelo contrário, a Autonomia foi uma dádiva do 25 de Abril. Por isso, carece de uma reflexão profunda e continuada para que se alicerce no fermento da açorianidade, sendo necessariamente a sua expressão política.
(In DI-Revista)
Etiquetas: Avelino Meneses, opinião, Política, Reitor
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