terça-feira, outubro 16, 2007

Planeamento inútil

Félix Rodrigues, membro da Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo e docente do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores vem denunciar a inutilidade do planeamento territorial feito nos Açores pura e simplesmente porque não é cumprido pelos diversos níveis de poder. A mesma denúncia foi feita pelo arquitecto Kol de Carvalho durante os trabalhos iniciais do Congresso Ibérico de Urbanistas que está a decorrer em Ponta Delgada por estes dias. A denúncia é grave. Tanto mais quando se têm gasto milhões de euros em todo o tipo de planos territoriais. O Plano Regional de Ordenamento do Território, os Planos Directores Municipais, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira, os Planos Especiais de Bacia, os Planos de Urbanização, o Plano de Turismo, o Plano de Resíduos Sólidos e os Planos de Pormenor. Afinal de contas parece que têm servido para pouco. Coordenei (Prof. Tomaz Dentinho do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores) o primeiro Plano Director Municipal feito no arquipélago e, meio escondido para que as entidades públicas o aceitassem, participei no Plano de Ordenamento da Bacia das Sete Cidades. À posteriori noto que fizemos alguns erros no Plano Director do Corvo, como o limitar fortemente o acesso ao Caldeirão ou condicionar o crescimento urbano da Vila do Corvo. No entanto, aquele plano coincidiu com o início do crescimento da população do Corvo, com o começo dos voos regulares, com a explicitação da importância da pesca, do queijo e do turismo, e com a necessidade de repovoamento florestal. Ainda não deu tempo para avaliar os erros cometidos no Plano das Sete Cidades mas estou convencido que essa avaliação vai ser mais difícil pois o Governo não parece estar muito interessado em implementar o Plano aprovado pela Assembleia Regional, faltando a parte mais crítica de criação e manutenção de sebes, expectavelmente pelos serviços florestais, e a transferência de algumas dezenas de hectares de pasto para mato ou floresta. Já analisei outros Planos. Por exemplo o Plano Director de Angra do Heroísmo é inócuo e traduz-se de facto num não-plano pois as regras de mercado e a disponibilidade de infra-estruturas acabam por definir o uso do solo que não tem grandes restrições. De facto o planeamento tem de ser feito não apenas com restrições ao uso do solo mas também com mecanismos e entendimentos de natureza económica e infraestrutural. Fazer um plano sem perceber qual o aumento de procura turística, a variação do preço do leite ou a modificação das taxas de juro resulta em enormes disparates. Fazer um plano sem integrar o desenho das infra estruturas de energia, de telecomunicações, de abastecimento de água, de tratamento de águas, de recolha de lixo, de rede de escolas e de postos de saúde reflecte-se em enormes redundâncias e inconsistências. Na verdade a maioria dos planos feitos nos Açores trataram apenas de transferir para os mapas as principais condicionantes regulamentares e permitiram que as actividades pré-existentes se mantivessem no espaço sobrante. Esqueceram contudo que a imposição de restrições pode condicionar fortemente as outras actividades, sobretudo o seu desenvolvimento. É o caso da imposição do encabeçamento de 1.4 Cabeças Normais por ha do Plano da Água cujo cumprimento implicaria a redução do produto açoriano em cerca de 10% e a redução da população de um montante semelhante. Isto para além de estimular os lavradores a dividirem as lavouras entre cônjuges ficando um deles com um enorme encabeçamento sem direito a apoios e o outro com um encabeçamento correcto com acesso a todos os apoios das boas práticas agrícolas. Isto para além de se promover o arroteamento de terrenos incultos, mais propícios à geração de água de qualidade, mas que o próprio Plano da Água estimulou a que fossem arroteados para que os lavradores cumprissem o encabeçamento aumentando a área para o mato e mantendo o número de cabeças. Os Planos que transcrevem regras únicas para as áreas reduzidas e diversas das Ilhas estão cheios destes erros.

(In A União)

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