quinta-feira, agosto 09, 2007

Horários sobrecarregadas afectam desempenho de enfermeiros

Irritabilidade, fadiga, desgaste, privação do sono, erros no trabalho, conflito entre colegas e alteração na relação com o paciente – estas são alguns dos sintomas da sobrecarga horária que sentem os enfermeiros. As conclusões saem de um estudo de fim de curso da Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores que quer alertar profissionais e administrações para um facto já encarado de rotineiro.
O estudo qualitativo teve como objectivo compreender a influência das consequências físicas e psicológicas resultantes da sobrecarga horária na prestação de cuidados de enfermagem percepcionada pelos enfermeiros em contexto hospitalar, além de identificar as consequências físicas e psicológicas daí resultantes e detectar as repercussões das consequências dessa sobrecarga laboral na prestação de cuidados de enfermagem. O trabalho: “Sobrecarga Horária e Prestação de Cuidados de Enfermagem” foi realizado por Catarina Gonçalves, Laura Lima, Mónica Machado, Neuza Ferraz e Vânia Nunes, sob orientação da enfermeira Nélia Vaz da Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo (ESEnfAH). As conclusões são unânimes: “a sobrecarga horária acarreta as seguintes consequências físicas e psicológicas: irritabilidade e a fadiga, englobando esta última o cansaço, o desgaste, a privação do sono, as alterações do humor e do comportamento, bem como a baixa de vigília”. Em declarações ao jornal “a União”, Vânia Nunes, uma das autoras do trabalho, refere que “a sobrecarga já é vivida como uma rotina diária”. Laura Lima, outra das parceiras do estudo explica que o propósito é alertar e sensibilizar os profissionais e as administrações das unidades de saúde para esta situação.

O estudo assentou na entrevista a um pequeno grupo de enfermeiros do Hospital de Angra do Heroísmo e as consequências que estes participantes referiram foram sobretudo ao nível do relacionamento social e familiar e ao nível de conflitos entre os colegas. “Paciência diminuída, erros no trabalho, diminuição da concentração e consequente lentidão, e por fim, às alterações na relação com os clientes, a nível afectivo, a nível da comunicação e a nível de conflitos com os mesmos” foram outras das consequências registadas no estudo. Questionados sobre o porquê desta temática, as finalistas explicam que o interesse pelo assunto surgiu da preocupação em investigar a qualidade dos cuidados prestados pelos enfermeiros sujeitos a sobrecarga horária, “situação esta que nos foi visível no nosso estágio de Enfermagem de Saúde do Adulto e do Idoso”. Fazem parte do nosso estudo quatro enfermeiros de um serviço do HSEAH, que se encontram ou já se encontraram em situação de sobrecarga horária, com idades compreendidas entre os 22 e os 49 anos de idade, cujo tempo de serviço varia dos 5 aos 25 anos.
Para a recolha dos dados junto dos participantes foi utilizado um documento pessoal e uma entrevista semi-estruturada.
Uma situação que “advém da grave carência de enfermeiros que traduz-se, objectivamente num reduzido número de profissionais nos Centros de Saúde e nos Hospitais relativamente às suas necessidades reais, para prossecução das suas missões em função da saúde das populações”, explicam. Em consequência, aponta, “é evidente o aumento dos ritmos de trabalho dos enfermeiros, para garantirem os cuidados prestados e o não gozo de direitos (direito aos descansos semanais e complementares, ao gozo dos feriados, horas e licenças para formação, às férias em tempo socialmente oportuno, etc.)”. Desde a fase de stress, em que há o desajuste ou o desequilíbrio entre as exigências do trabalho e os recursos do profissional, à fase do esgotamento, caracterizada pela resposta emocional imediata do profissional a esse desajuste, com sintomas de preocupação constante, tensão, ansiedade, fadiga e esgotamento; o enfermeiro sobrecarregado pode ainda experienciar a fase do “coping” que se manifesta por uma alteração nas atitudes e na conduta, tratando os clientes de uma forma fria e impessoal (fenómeno denominado por ruborização), cinismo e preocupação por parte do profissional, apenas com a satisfação das suas próprias necessidades – descreve o estudo.
A sobrecarga horária e o aumento dos ritmos e de carga de trabalho dos profissionais têm como consequências o aumento de acidentes em serviço e dos erros na prestação de cuidados, com o respectivo impacto negativo sobre os clientes dos serviços de saúde. As conclusões do estudo agora apresentado dão enfoque às principais manifestações de stress devido à sobrecarga laboral: desorientação, indecisão, descrença, irritabilidade, produtividade diminuída, redução de qualidade do desempenho, falhas de memória, falta de atenção aos pormenores, deslocação da atenção para outras coisas, criatividade diminuída, incapacidade de concentração, tendência para os acidentes, culpar os outros, frequência de erros aumentada, ineficácia, perturbações do discurso, letargia, desinteresse e aumento de absentismo e doença.
Em última instância, a sobrecarga laboral pode levar ao abandono da profissão. Os horários podem contribuir para a ocorrência de “doenças relacionadas com o trabalho”. A redução do horário de sono é outro dos preocupantes alertas que o estudo abordou. São necessárias em média 6 a 8-9 horas de recuperação, sob a forma de um sono contínuo, por noite, informam. “Intimamente relacionadas com a privação de sono surgem as queixas de insónia e as suas correlações diurnas: sonolência, fadiga tensão, irritabilidade, dificuldade de concentração ou de resolução de problemas durante o dia”. Além de queixas reportadas de fadiga crónica, as cefaleias e gastralgias, úlceras e perturbações gastrointestinais, perda de peso, hipertensão arterial, asma, dores musculares e nas mulheres perdas de ciclos menstruais são igualmente sintomas registados. Ao nível comportamental, o absentismo laboral, o aumento de comportamentos violentos bem como comportamentos de alto risco, como, condução imprudente, atitudes suicidas, incapacidade para relaxar, a dependência de substâncias e conflitos matrimoniais e familiares são consequências para as quais as autoras do estudo chama a atenção.
Em termos legais, de acordo com o artigo 13º do DL nº. 259/98, existem diferentes regimes de horários aplicáveis aos enfermeiros integrados na carreira, a saber: o tempo completo (35 horas semanais), tempo parcial (20 ou 24 horas semanais) e horário acrescido (42 horas semanais) (DL nº 437/91, artigo nº. 54). É a mesma lei que aponta que a duração de cada turno deverá preservar a qualidade dos cuidados e a prevenção de riscos que as cargas horárias elevadas poderão ocasionar quer aos enfermeiros quer aos clientes, e sempre que possível, os turnos não deverão exceder as 10 horas de duração. De acordo com o mesmo DL, e relativamente ao horário acrescido, este é praticado com carácter excepcional e como recurso transitório, quando seja indispensável para o bom funcionamento dos serviços, face a acréscimos significativos de trabalho, ou carências manifestas de pessoal. Mais, refere, este regime poderá ser aplicado até um máximo de 30% do número total dos lugares de enfermeiro previstos no quadro da instituição, mediante critérios de selecção a divulgar previamente. Porém, esta é uma prática banalizada, aponta o estudo de fim de curso da Escola Superior de Enfermagem que considera como sobrecarga horária todas as horas efectuadas para além das 35 horas semanais previstas pela lei como tempo completo. A análise incluiu a postura do actual presidente do Sindicato dos Enfermeiros, em entrevista publicada, quanto ao excesso de horas praticadas pelos enfermeiros, face à carência de pessoal de enfermagem, afirmando que existem enfermeiros que chegam a fazer 60 a 70 horas de trabalho extraordinário, para além dos regimes de horários acrescidos que estão implementados.“Esta situação, acrescenta, é bem demonstrativa de que os enfermeiros estão a trabalhar no limite máximo das suas potencialidades. A mesma fonte, não oculta o facto de que esta realidade tem implicações no serviço que é prestado aos clientes, referindo a propósito, que o cansaço físico tem influência na forma como os enfermeiros contactam com os clientes”, reforça o estudo.

(In Humberta Augusto em A União)