Aproximar a Universidade dos Agricultores
Aproximar o Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores da população, em geral, e dos agricultores, em particular. É este o principal objectivo de um serviço de extensão rural que o estabelecimento de ensino superior pretende implementar no arquipélago, com o envolvimento do Governo Regional, das associações agrícolas e da própria indústria.
Diário Insular-Revista falou com Alfredo Borba, director do Departamento de Ciências Agrárias, sobre o projecto e as dificuldades com que se depara a instituição na divulgação do seu saber.
Diário Insular – A Universidade dos Açores anunciou recentemente a possibilidade de criação de um serviço de extensão rural. Por que surge, neste momento particular, essa necessidade?
Alfredo Borba – A necessidade não surgiu neste momento. Já há intenção de implementar esse serviço há alguns anos. No ano passado, por exemplo, nas Jornadas de Ciências Agrárias, falou-se muito nessa necessidade. Neste momento, há uma necessidade de aconselhamento dos agricultores como imposição da nova Política Agrícola Comum. Seria uma ajuda nesse sentido, mas não é um assunto novo.
DI – O que tem inviabilizado a criação desse serviço?
AB – Primeiro, o modelo. Porque há vários modelos de extensão rural. Depois, não há o hábito de extensão rural em Portugal, o que leva a que se sinta a necessidade, mas não se saiba como resolver o assunto. Há várias pessoas que têm alertado, ao longo do tempo, para a necessidade deste serviço, inclusivamente a universidade. Porque é uma forma de estabelecer uma ligação entre aquilo que se faz em termos de investigação e a lavoura. E é importante essa ligação, porque se não o Departamento de Ciências Agrárias fica fechado e a lavoura não tem acesso àquilo que se faz cá. Tentamos colmatar essa separação, organizando jornadas e colóquios e publicando, através do Carrefour, um pequeno jornal para informação europeia. Mas um serviço ou gabinete que faça essa extensão, coordenada entre universidade, lavradores, Governo e serviços de apoio aos lavradores na indústria, é importante para se obter melhores resultados.
DI – Já têm alguma resposta por parte do Governo Regional e das associações agrícolas?
AB – Tivemos conversações com o Governo Regional, com o anterior secretário, e ficámos de concretizar o projecto. Com este secretário ainda não tivemos nenhuma conversação. Sabemos que há abertura do novo secretário, por conversas que teve com o reitor, não sei se especificamente para este assunto. Mas também ainda não houve tempo de se tomar uma decisão.
DI – Continua tudo em aberto?
AB – Continua. Há uma proposta nossa de fazer-se um modelo de extensão rural que envolva a universidade, os serviços do Governo, as associações da lavoura e a indústria e que faça um acompanhamento dos agricultores. Que dê resposta às suas necessidades e permita fazer formação de técnicos e de agricultores.
DI – Ocorreram já várias tentativas de promover a extensão rural na Região sem sucesso. O que é que este projecto poderá trazer de novo?
AB – Penso que o que este modelo tem de novo é a flexibilidade. Não é um modelo rígido, mas flexível, em que os vários intervenientes têm papéis a desempenhar. Os agricultores também têm um papel a desempenhar, que se baseia nas suas necessidades. É um modelo flexível, que permite fazer um acompanhamento ou dar uma resposta aos agricultores.
DI – Como vai funcionar esse modelo?
AB – Na prática, não sabemos porque temos de discutir. Tenho ideias sobre um modelo, em que haverá agentes de extensão rural que fazem a ligação entre os diferentes serviços nas associações da lavoura, por exemplo. Organizam-se colóquios, cursos sobre vários temas. Faz-se publicação de informação, de modo a que chegue a toda a gente. Mas qual será o modelo a adoptar, ou se será adoptado na Região Autónoma dos Açores, depende de conversações entre todas as partes. Não posso dizer ‘é este o modelo’.
DI – A universidade é muitas vezes acusada de estar afastada da realidade, de não fazer chegar o conhecimento às pessoas e, neste caso particular, aos lavradores. O que tem falhado?
AB – O que se passa é que o modelo das universidades portuguesas não implica uma extensão, uma chegada aos lavradores, neste caso. O que queremos é acabar com isso. É chegar junto das pessoas que precisam de aplicar na prática os resultados da nossa investigação.
DI – Há uma falta de divulgação do conhecimento que se produz na Universidade dos Açores?AB – A divulgação do trabalho da universidade faz-se através de revistas científicas, porque a nossa carreira o exige. As pessoas em geral não lêem revistas científicas. Portanto, é difícil chegar às pessoas através desse meio. Se não houver uma forma que traduza aquilo que as revistas científicas dizem para uma linguagem mais acessível, não há hipótese de quebrar esta separação entre o que se passa dentro da universidade e na sociedade, em geral. Há vários métodos para implementar essa interligação. A extensão é um meio importante, mas não é o único.
DI – Que outros métodos são esses?
AB – Há o apoio directo aos agricultores, que já fazemos em parte, através de análises de forragens, de solos e de outro tipo, que os lavradores solicitam directamente à universidade. Não é um modelo muito eficaz, pois é muito disperso. Se não for enquadrado dentro de um projecto ou de um protocolo, fica um pouco solto. É preciso conversar, estabelecer aquilo que se quer e decidir qual o modelo que queremos seguir para o futuro.
DI – Há interesse dos lavradores nesse conhecimento?
AB – Sim. Aliás, falei já há algum tempo com os presidentes das associações agrícolas de São Jorge e de São Miguel, que sãos as principais ilhas leiteiras, para além da Terceira, e houve interesse e abertura para um serviço desse género.
DI – O Governo Regional tem apoiado os projectos desenvolvidos pelo Departamento de Ciências Agrárias?
AB – Os nossos projectos são financiados, na sua maioria, não pelo Governo Regional. O número de projectos financiados pela direcção regional da Ciência e Tecnologia é muito reduzido. Temos tido é alguns projectos financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, pela União Europeia e pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, que tem-nos dado um apoio importante. O Interreg, onde, embora seja um programa comunitário, o Governo Regional tem uma palavra importante a dizer, também tem sido uma fonte de financiamento importante.
DI – Esses apoios são suficientes?
AB – Não sinto que sejam suficientes. Penso que há necessidade de mais apoio do governo Regional. No continente, as universidades congéneres têm um apoio substancial do ministério da Agricultura, através dos programas PAMAF (Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal) e AGRO (Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural), que são extremamente importantes a nível nacional e forneceram a maior parte do dinheiro que essas universidades gastaram em investigação nos últimos anos, e aos quais não temos acesso. Para já porque o Governo Regional não disponibilizou ainda essas verbas comunitárias, que são canalizadas para outros empreendimentos. Não temos nada contra que se façam outros empreendimentos. Não estamos é em igualdade de circunstâncias com as universidades congéneres do continente.
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