quinta-feira, julho 19, 2007

Plantas Medicinais podem ser perigosas

As plantas com utilidade medicinal, especialmente as endémicas, devem ser alvo de estudos aprofundados. A sua utilização sem um conhecimento científico prévio pode ser perigosa, avisa Eduardo Dias, biólogo e professor do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores.

Diário Insular-Uma recente tese de mestrado confirma as capacidades de mais de uma centena de plantas medicinais de uso corrente, em medicina tradicional, na ilha de S. Miguel. Presume-se que existam muitas outras plantas úteis para a medicina nas restantes ilhas. Este manancial está suficientemente estudado pelo método científico, de modo a serem confirmadas as qualidades que o povo atribui a cada planta?
Eduardo Dias-É pertinente, antes de mais, e no enquadramento do problema, separar as plantas introduzidas pelo Homem, a que nós, botânicos, chamamos neófitos, das plantas naturais dos Açores (onde se incluem as endémicas), isto é, aquelas que já chegaram pelos seus meios e desenvolveram, de forma mais ou menos acentuada, adaptações especiais ao meio açoriano. Esta separação é fundamental para entendermos a relação que a sociedade açoriana mantém com os seus recursos vegetais. Inclusive, vale a pena considerar que muitas das plantas introduzidas nos Açores pelo Homem (que neste momento anda em torno de 700 espécies) são, de facto, plantas medicinais ou, melhor dizendo, estão referenciadas como PAM (Plantas Aromáticas e Medicinais) no Continente e foram, de facto, cultivadas ou espalhadas nos terrenos destas ilhas para o seu uso etnobotânico, no desenvolvimento do processo de transposição dos usos e costumes que os povoadores desenvolveram ao longo dos nossos cinco séculos de história insular. Por isso, a resposta, em concreto, à sua pergunta será: sim, para a maioria das espécies introduzidas pelo Homem, não por nós, mas por laboratórios nacionais e estrangeiros, nas áreas de distribuição ou cultivo destas espécies; não, para as espécies naturais e endémicas, ou apenas em aspectos específicos (veja-se, por exemplo, resultados do projecto Interfrutas I, publicados na net, sobre plantas bioactivas, ou alguns trabalhos publicados sobre o louro). É necessário anotar que estamos a falar da saúde humana e, portanto, existem procedimentos e cuidados que se devem ter quando se gera informação sobre este tema (o que torna necessário tempo e financiamentos para podermos ter resultados seguros), bem como uma grande cuidado na divulgação de informação não certificada, dado que se pode estar a promover usos que contemplem alguns riscos. As plantas são perigosas e todos os medicamentos são, potencialmente, venenos.
Diário Insular-Confirmando-se, como sugere a tese, que muitas das nossas plantas são portadoras de princípios activos de uso comum na medicina, isso significa que estamos a passar ao lado de um grande negócio. A que se deve esta incapacidade para explorar um rendimento potencialmente tão significativo?
Eduardo Dias- Creio que se deve à reunião do que foi referido no ponto anterior. Uma parte importante das plantas medicinais, de distribuição pelo continente, está já a ser explorada para esse fim. Aqui, a vantagem dos Açores seria apenas a promoção de um produto mais biológico ou cultivado em condições menos poluídas. Para mais, temos alguns problemas em cultivar plantas de origem mediterrânica (pouco calor) ou de origem atlântico-continental (pouco frio). Teríamos grandes vantagens nas subtropicais e tropicais. Nas naturais e endémicas, o risco para a saúde pública e o verdadeiro alcance dos seus efeitos, enquanto não forem confirmados, de forma científica, é um risco e um atrevimento a sua divulgação e a sua promoção comercial. Lembro-me de, há alguns anos, ter participado num estudo sobre a avaliação económica da exploração destes recursos, utilizando algumas PAM´s dos Açores, e os resultados, na altura, não apontavam para um “grande negócio”. A OMS-Organização Mundial de Saúde recomenda o uso de plantas medicinais. No entanto, nós temos muitas plantas que se enquadram nesse segmento e nem nos damos ao trabalho de promover tais produtos junto das populações, depois de os creditarmos pelo método da ciência.
Diário Insular-Parece-lhe normal tamanho desleixo?
Eduardo Dias-Não será desleixo. A creditação científica destes produtos é complexa e não pode ter enganos. Há uns anos, realizámos um estudo sobre as plantas medicinais do Norte da ilha Terceira e os resultados foram de que a maioria das pessoas utilizava plantas conhecidas por toda a Europa. A interpretação dos resultados apontava um grande cuidado na medicina popular em utilizar plantas naturais. Temos a certeza que muitas delas possuem princípios activos que podem ser utilizados na medicina. Tal implica programas de estudo que validem essas potencialidades. Levantam-se aqui problemas de direitos e valorização de recursos naturais e da biodiversidade. Muitas vezes, são empresas internacionais que investem na procura desses valores e depois os comercializam, sem haver retorno para as terras que os possuíam. Programas regionais de conservação da biodiversidade e regulação na colheita e uso de plantas endémicas podem ajudar, acoplados, certamente, a parcerias internacionais, para o estudo desses potenciais.

MEDICAMENTOS NATURAIS NÃO CONSEGUEM “COMPETIR” COM INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Diário Insular-Acredita que o uso de produtos biológicos e de métodos da medicina tradicional, como o recurso a plantas, pode tornar as pessoas mais saudáveis e felizes. E a “indústria da saúde” menos rica e exploradora?
Eduardo Dias-Francamente, não creio que a questão se possa colocar assim. Uma parte dos produtos da dita “indústria da saúde” contempla, de facto, produtos extraídos de plantas e transformados em “comprimidos”. E os usos mais naturais nunca conseguiram competir. Hoje, assiste-se a uma procura de produtos medicinais mais naturais, mas a resposta está a ser dada pelas indústrias e não por um aumento dos usos tradicionais. Creio que, acima de tudo, as pessoas procuram segurança e comodidade. Comprar um comprimido de uma empresa certificada dá resposta a estes anseios, enquanto fazer um chá é, antes de mais, e por enquanto, um acto cultural, um posicionamento perante o que nos rodeia e a natureza, em particular. Há sinais de que estamos a mudar e, se calhar, num futuro próximo as escolhas alternativas, também aqui, vão ter um grande valor e constituir um nicho de mercado significativo. No entanto, não creio que isso induza pessoas mais saudáveis e felizes, mas exactamente ao contrário.