sábado, agosto 15, 2009

A arte é neta de Deus

Tomaz Dentinho
“A arte é neta de Deus” faz parte de um parágrafo bom que li no livro sobre a Esperança de Dom Giusani. A frase é bonita mas só a percebemos bem quando sentimos e entendemos a força da arte em nós e nos outros que a vivem ao lado: a arte de um poema simples de Mafalda Veiga, a arte de uma entrega para além da idade no toureio de João Moura, a arte magnificamente profissionalizada nos fados de Mariza. Foi tudo isto que se viu, ouviu e assumiu nas festas da Graciosa. Com a sorte de quem está num local pequeno onde a proximidade permite presenciar cantores, saudar toureiros e cumprimentar fadistas. A arte é neta de Deus porque é criação dos seus filhos, porque congrega as atenções de todos, porque integra a esperança de muitos, porque tem a inocência do que nasce e renasce e, sobretudo, porque corporiza a memória da potencialidade sonhadora de cada um.
No entanto não é muitas vezes entendida assim. Os artistas podem deixar de o ser porque, em vez de apresentarem netos e netas de Deus, preferem retratar a sua velhice mais podre, tantas vezes subsidiada e mantida por financiadores públicos e privados, mais preocupados com o nome do filho velho do que com a qualidade do neto. Os críticos são muitas vezes tecnicistas na sua análise ignorando aquilo que vai na alma dos artistas e do público: Quantos críticos já sentiram o esforço de obediência da alma e do corpo no gesto criador? Quantos críticos já choraram com a mensagem de um verso, já gritaram com o arrojo de um passe ou já trautearam sem medo e bem alto o último verso de um fado, aquele que perdoa e redime. Também o público pode destruir a arte, nomeadamente quando a enfrenta com passividade, muitas vezes quando olha os artistas com inveja, quase sempre quando a arte se lhe oferece sem esforço.
É isso que vemos um pouco quando há artistas de borla. Que chatice ver gente parada sem atender a um bom artista que se preparou para agradar e para criar. Que irritação ir a uma corrida com pessoas contidas mais preocupada com as atitudes dos críticos de bancada do que com a qualidade do touro e do cavalo, com o testemunho dos forcados e com a arte do cavaleiro. Que maçada ver perder cada momento da vida sobretudo quando, pela arte que é neta de Deus, a vida nos é mostrada num momento. Que tristeza calar com suposta descrição quando só criamos e entendemos falando e escutando.
(in A União)

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