terça-feira, setembro 16, 2008

Se mudarmos os Açores mudamos a Terceira

“A lógica redutora de «ilha» está, de facto, inculcada na nossa cultura e só tem servido para dividir os açorianos”, defende Paulo Mendes, cabeça de lista do BE pelo circulo da Terceira às eleições regionais de Outubro.
Paulo Mendes (ao centro): Base das Lajes não pode ser “pacote de turismo de guerra”.
Quais são os seus principais projectos para a Terceira como candidato do Bloco de Esquerda, pela ilha, às eleições regionais?
Em primeiro lugar, os projectos que possam advir da Lista do BE-Açores pela Terceira, não partem de uma única pessoa, seja essa pessoa, o «cabeça de lista» ou outra, pois formamos uma equipa regional e depois, por via das circunstâncias, insular.Em segundo lugar, pensamos ser redutor pensar em projectos de ilha. Afinal, vivemos num arquipélago e devemos delinear estratégias consonantes com isso mesmo.Quanto aos projectos, em concreto, seguimos uma lógica de mudança social que vai além dos projectos de “betão”. É urgente pensar nas infraestruturas como estando ao serviço das pessoas e integradas num plano de desenvolvimento partilhado com os terceirenses. Estamos mais preocupados com os açorianos, o que significa que estamos atentos e queremos ser activos na defesa de causas como o direito ao acesso à saúde; ao emprego, que não o precário; a abordar a resolução da exclusão social de outra forma; a fomentar uma política ambiental realmente pensada e defensora do que é nosso. Sabia, por exemplo, que a urgência em concluir a via-rápida antes do período eleitoral causou estragos irrecuperáveis à paisagem e flora da nossa ilha? Parece que na caça ao voto vale tudo. Ao contrário do que é propagandeado, o desemprego na Região Autónoma dos Açores tem vindo a aumentar, sem contar com o emprego precário e com os baixos vencimentos, os quais não passam do salário mínimo regional, auferidos por grande parte das açorianas e açorianos. É claro que este cenário enquadra-se na ainda fraca qualificação das açorianas e açorianos, dado que somente 9% tem qualificações superiores.O Campus de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores na nossa ilha, pode ser mais bem aproveitado para iniciar um processo de formação dos Recursos Humanos e investir na investigação que permitirá alcançar níveis de qualificação técnica e científica, que possibilitem criar um tecido empresarial capaz de criar emprego qualificado, de melhorar e eficiência do sector público e de fomentar a inovação. É fundamental que o apoio à formação e investigação seja contínuo e que se estabeleçam metas ambiciosas para a região.
Na sua opinião, qual é o papel que a Terceira desempenha actualmente no contexto regional e como pode reforçá-lo?
A lógica redutora de «ilha» está, de facto, inculcada na nossa cultura e só tem servido para dividir os açorianos. Todos se preocupam com a ilha onde vivem, mas nunca se preocupam com o arquipélago. Temos um parlamento regional ou um parlamento insular? Temos vários partidos políticos representados nesse parlamento ou várias ilhas?
Obras excêntricas
Há projectos incontornáveis para a Terceira, como a via rápida ou o novo hospital. Que pensa o BE sobre estes empreendimentos e faria alguma coisa de forma diferente?
Pensamos que são verdadeiras excentricidades de quem quer garantir mais 4 anos de governação, pois obra feita não passa necessariamente por «betão» erguido. De facto, é mais fácil e popular construir uma via-rápida num ano do que construí-la a partir das reais necessidades da população causando danos mínimos ao meio ambiente. O próprio Governo Regional tem vindo a contornar a lei quando permite à empresa construtora da via-rápida a exploração desenfreada de inertes. Se um qualquer cidadão se lembrasse de utilizar os recursos naturais da sua ilha para uma construção privada, não o poderia nem deveria fazê-lo, mas parece que o mesmo não acontece às Construtoras contratadas pelo Governo Regional.Questionamos a forma como o projecto da «via rápida» foi desenvolvido e questionamo-lo por várias razões: o formato de “auto-estrada” trará mais acidentes graves, porque vai, naturalmente, aumentar a velocidade média dos condutores. Por outro lado, a «auto-estrada» para as vacas poderia ter sido evitada, se tivesse sido negociado com os proprietários a permuta de terrenos e seguindo uma política de emparcelamento. Esta solução teria sido viável, se houvesse vontade política para isso.No que respeita ao novo hospital, pensamos que houve mais uma vez um silêncio à volta das razões para a sua construção. De facto é mais fácil construir um novo hospital do que delinear um plano para a colocação de médicos nos Açores. Poderíamos criar idoneidades, nos hospitais da Região, para a formação de especialidades consideradas decisivas, condições de fixação ajustadas e apoiar efectivamente, quer logisticamente, quer na legislação laboral, os familiares, acompanhantes de doentes deslocados. Nada disso tem sido feito. O que questionamos é se a construção de um novo hospital vai resolver esses problemas que afectam os terceirenses?
Estas são medidas que não pressupõem festas de inauguração, nem grandes manchetes para a «GaGs». Por isso, se calhar são consideradas “utópicas” pelo Governo Regional.
Turismo de guerra
Que mudança pode o BE trazer à ilha?
Se mudarmos os Açores, mudamos também a Terceira. A Terceira tem condições para se constituir como um Centro de excelência e aposta nas energias renováveis, para isso é preciso criar as condições para que, definitivamente, se acredite na investigação científica como caminho para o desenvolvimento.As ilhas têm particularidades e podemos pensar no arquipélago no seu todo, como também em grupos de ilhas, dependendo das questões e dos problemas que queremos resolver. Por exemplo, para o turismo faz mais sentido enquadrar a Terceira no conjunto de ilhas do grupo central. Já no que respeita à energia, é preciso pensar numa estratégia para todo o arquipélago. Esta forma de pensar garante a coesão dos Açores e do seu desenvolvimento integrado.O apoio à investigação cientifica pressupõe um maior investimento na educação e na cultura, acreditando que os Açorianos e particularmente os terceirenses tem direito a uma oferta cultural mais diversificada e de qualidade. Até temos as infraestruturas, não nos esqueçamos que temos dois centros culturais, um teatro, várias salas de cinema, etc. Mas estas, infelizmente, não são aproveitadas da melhor maneira, pois as ofertas são escassas.É preciso defender os trabalhadores da Base das Lajes, eles e elas estão em primeiro lugar, à frente de qualquer acordo e iremos apresentar alternativas à presença norte-americana, pois os açorianos e, particularmente, os terceirenses são um povo de paz e não de guerra. Acreditamos que ninguém deseja que os Açores se tornem num cenário de treino para conflitos e que se tal vier a acontecer trará consequências nefastas à nossa economia, ambiente, turismo e ao bem-estar da nossa população. Não queremos transformar o nosso potencial turístico num qualquer pacote de turismo de guerra.

(In Diário Insular)

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