quinta-feira, setembro 04, 2008

"A falta de água em Angra é uma situação pontual"

Francisco Cota Rodrigues, professor da Universidade dos Açores, apresentou em 2002 doutoramento em Hidrogeologia da Ilha Terceira e é actualmente um dos membros do conselho de administração da Praia Ambiente. Este especialista procurou responder ao nosso jornal sobre as principais dúvidas que frequentemente ocorrem em relação aos recursos hídricos em regiões insulares, abordando igualmente questões sobre o modo como o abastecimento de água é feito no concelho da Praia da Vitória.
As entidades responsáveis afirmaram que a principal causa para os problemas de água no concelho de Angra do Heroísmo prende-se com o facto deste ano ter sido especialmente seco. Os níveis de precipitação foram assim tão baixos que criassem esta situação?
Pelos dados que tenho este foi um ano relativamente normal, quer em termos de precipitação, quer em termos da sua distribuição. O período estival prolongou-se, tivemos um mês de Março excessivamente seco e essa poderá ser uma das causas deste processo. Parece-me que esta carestia é pontual e que está a ser excessivamente empolada. Repare, ainda bem recentemente, em Barcelona e na região da Catalunha verificou-se uma situação incomparavelmente pior. Entende que o modelo de captação de água em Angra do Heroísmo é o mais apropriado para a estrutura hídrica da ilha?
Como já referi, (ver caixa) temos na ilha aquíferos suspensos e o aquífero de base. A água dos aquíferos suspensos apresenta melhor qualidade. O concelho de Angra do Heroísmo é o que apresenta aquíferos suspensos mais produtivos, daí ter-se apostado na sua captação. As necessidades actuais impõem, contudo, um maior aproveitamento do aquífero de base.Nos últimos anos, investiu-se na construção de uma série de furos, alguns dos quais interceptam este aquífero. Destes, julgo que 11, quatro revelaram-se improdutivos, dois deles com fortes influências geotérmicas o que inviabilizou a sua exploração para abastecimento doméstico e os outros com elevada intrusão salina. Dos cinco restantes, só dois interceptam o aquífero base, o mais produtivo. A cidade de Angra e as suas imediações parece existir uma zona influenciada por fluxos geotérmicos, cujos contornos não são ainda bem conhecidos. A prova disso é ter surgido um furo com água quente (mais de 40ºC) e outro com água muito mineralizada. Este é um factor que condiciona a construção de furos.Uma das maiores dúvidas que surgiu da questão dos cortes de água é o porquê do concelho da Praia da Vitória não ter o mesmo problema.
Quais as diferenças na captação de água para a rede pública nos dois concelhos?
O concelho da Praia da Vitória é abastecido, em parte, por nascentes associadas a aquíferos suspensos (Quatro Ribeiras, Agualva, Vila Nova de S. Braz) e por furos que captam o aquífero de base. A principal fonte de abastecimento é o aquífero de base, explorado por uma série de furos dispostos nas imediações da cidade da Praia da Vitória. Em Angra, as principais fontes de abastecimento são os aquíferos suspensos, com vantagens em termos de qualidade, complementados por água proveniente de furos que captam o aquífero de base. Há que apostar mais na captação do aquífero de base, sacrificando, eventualmente, a qualidade.
A Praia da Vitória tem níveis de captação de água que lhe permitam estar a salvo de cortes no futuro?
O aquífero de base em toda a ilha Terceira apresenta grandes reservas de água doce, ou seja, quer no concelho da Praia como em Angra existe água para abastecer o dobro da população actual. Temos é que investir em novas captações, tendo em consideração que muitas das vezes poderá aparecer água não própria para consumo. È um risco que se corre.
Estão previstos investimentos na rede de abastecimento do concelho da Praia da Vitória?
A Praia Ambiente planeia uma série de investimentos a curto prazo que passam pela melhoria da qualidade da água através da captação de novas nascentes na Agualva e na zona dos Biscoitos pretende-se melhorar o abastecimento da zona alta da freguesia, que tem problemas, através da reabilitação de um furo já existente ou do aproveitamento de uma nascente que tem excesso de caudal. Pretende-se ainda reforçar um furo localizado na Fonte Bastardo.
Alguns estudos climatológicos apontam para o agravamento das condições climatéricas no arquipélago. Se não forem descobertos novos pontos de captação de água a situação terá tendência a complicar-se?
Existem várias previsões para alterações climáticas nos Açores. Algumas delas apontam para alterações apenas na distribuição da precipitação, com Verões mais secos e prolongados e Invernos mais chuvosos. Neste cenário, a recarga mantém-se mas vão surgir problemas para os aquíferos suspensos que tem uma capacidade de armazenamento baixa. No aquífero de base a situação não deverá sofrer grandes alterações, pelo que a sua exploração continuará a ser viável. A situação na Terceira, em termos de Açores, não é das piores, temos outras ilhas onde, a médio prazo, irão surgir problemas quer qualitativos, quer quantitativos de abastecimento.
O que pensa da ideia já avançada de uma gestão única para os recursos hídricos da Terceira?
Essa era sem dúvida a situação ideal. A gestão de água devia ser feita ao nível de ilha e não só para consumo doméstico, mas também a da lavoura e de outras actividades. No entanto, dados os condicionalismos que temos, talvez nesta fase não seja o modelo mais adequado.Entendo que a cooperação excelente que actualmente existe entre as entidades que gerem a água deverá ser cada vês mais aprofundada.Falou na agricultura.
Considera que deveriam existir mais locais de captação de água para a lavoura?
A agricultura é a principal actividade económica da Terceira e por isso é essencial que se pense em armazenar maior quantidade de água. A água é um recurso natural, mas não chega pelo seu pé às explorações agrícolas e aos locais de captação. Só sentimos a falta de um recurso quando este escasseia. Veja-se a questão do petróleo. É necessário que os agricultores assumam que é imoral desperdiçar um recurso fundamental como este e cabe-lhes, também, a responsabilidade de zelarem pelas instalações onde se processa o abastecimento.

(In Renato Gonçalves em A União)

Etiquetas: , , , ,