quarta-feira, março 02, 2011

Geotermia na ilha Terceira - Que futuro?

Francisco Cota Rodrigues (Opinião)

A realização de um conjunto de poços tendo em vista o aproveitamento de energia geotérmica na ilha Terceira demonstrou existirem gradientes térmicos elevados, superiores a 250ºC, a cerca de 2 000 m de profundidade. Esse potencial calorífico está provavelmente associado à presença de uma câmara magmática, a cerca de 5 000 m de profundidade, responsável pelas manifestações vulcânicas que originaram a parte central da ilha Terceira. O aproveitamento desta grande quantidade de calor subterrâneo, essencial à autonomia energética do arquipélago, depende de vários factores, nomeadamente da presença de água aquecida no terreno - fluidos geotérmicos - e das características de permeabilidade das rochas presentes no local. Os géisers são um bom exemplo de fluidos geotérmicos que, de forma natural, ascendem à superfície através das fracturas existentes no material rochoso. A presença de água no estado de vapor é essencial para a transferência do potencial energético encontrado em profundidade até à superfície, onde pode ser aproveitado. Neste processo, é condição fundamental que esses fluidos possam circular no reservatório onde se encontram, em contacto com as rochas quentes, o que só acontece se os terrenos tiverem fracturas ou poros que assegurem características de permeabilidade favoráveis. Desde a década de 70 que se efectuam na ilha Terceira estudos tendo em vista o aproveitamento de energia geotérmica. A presença no centro da ilha de fumarolas, a ocorrência de algumas manifestações hidrotermais em nascentes costeiras e a existência de zonas com vulcanismo activo, constituíam sinais de esperança. Esses trabalhos, para além de comportarem prospecção geofísica, incluíram a abertura de poços para registo de temperaturas, vulgarmente designados poços termométricos. No início da década de 80 foram realizados uma série de estudos por técnicos neozelandeses, que elaboram um conjunto de relatórios, tendo-se identificado um reservatório geotérmico na parte central da ilha Terceira e definido como potencialmente exploráveis os recursos energéticos aí existentes. Apontavam-se como zonas passíveis de perfuração áreas de terreno localizadas na periferia do centro vulcânico do Pico Alto, nomeadamente as dispostas nos limites W e NE da caldeira de Guilherme Moniz, redefinida no estudo com uma dimensão mais vasta. Só duas décadas mais tarde se iniciaram trabalhos de abertura de poços experimentais tendo em vista aprofundar conhecimentos e avaliar recursos. O previsível aumento de preço dos combustíveis fósseis, face a uma procura cada vez maior, o sucesso ocorrido nas centrais da Ribeira Grande e a necessidade estratégica de tornar o arquipélago menos dependente da importação de energia, assim o impeliam. De acordo com o divulgado na comunicação social, os dados adquiridos apontam para gradientes térmicos muito elevados, que ultrapassam os 300ºC nalguns dos furos efectuados, escasseando contudo os fluidos geotérmicos, dada a baixa permeabilidade das formações rochosas no reservatório. De acordo com os responsáveis pelo projecto, o volume de vapor disponível não justifica a construção de uma central para produção de energia eléctrica de 12 megawatts, como o inicialmente previsto, mas uma de 3 megawatts, de viabilidade económica em estudo. Esta notícia levanta um conjunto de preocupações, relacionadas com a sustentabilidade dos investimentos até agora realizados, e, sobretudo, com o interesse público que reclama cada vez mais a utilização de fontes de energia endógenas, ambientalmente limpas e potenciadoras de mais-valias para a região. Entendo que este contratempo, no lugar de pretexto para a desistência, deve induzir uma reflexão alargada, que fundamente novas intenções de desenvolvimento: todos os grandes projectos devem englobar períodos de pausa, onde se analisam os caminhos percorridos e se fundamenta o futuro. A grande quantidade de dados adquiridos nos últimos anos, fruto dos estudos realizados e de medições efectuadas durante as perfurações, são informações fulcrais, de interesse científico relevante, que devem ser objecto de análises diferenciadas. A realização de um fórum sobre esta temática, que, para além de envolver uma partilha de informação junto de peritos na matéria, proporcione o debate das dificuldades técnicas encontradas, permita a discussão de possíveis soluções e sensibilize investidores, é fundamental para se tomarem decisões sobre o futuro. O potencial geotérmico da ilha Terceira muito provavelmente não se esgota nas zonas onde se efectuaram as perfurações nem se pode limitar apenas à produção de energia eléctrica. Há que equacionar outras zonas de exploração, previstas aliás nos relatórios de prospecção das décadas de 70 e 80, e reflectir outras formas de aproveitamento energético, já apontadas aliás por outros intervenientes neste processo, como seja na utilização agrícola, industrial, e, como já vai acontecendo em muitos países do mundo, no turismo.
(In Diário Insular)