quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Rotinas de aversão à crise

Tomaz Dentinho

Lodz fica na Polónia a cento e tal quilómetros a oeste de Varsóvia. Anuncia-se por não ter nada de especial e, no entanto, anuncia-se. Fica exactamente no meio do actual país e como muitas outras cidades polacas tem pouco mais de que edifícios de estilo soviético construídos por cima das ruínas da segunda guerra. Foi por lá que estivemos durante dois dias para ajudar a programar os congressos da Associação Europeia de Ciência Regional e a acompanhar semestralmente os trabalhos daquela associação de economistas e geógrafos. É uma espécie de comissão que decide sobre candidaturas para locais de Congressos, sobre os temas que serão debatidos, sobre a aplicação das reduzidas verbas das quotas. Mas o importante para um periférico português é conhecer o jogo, transmiti-lo aos conterrâneos e criar regras que o sustentem para serviço do mundo.
Castelo Branco fica na Beira Baixa a duas horas de Lisboa. Foi por lá que passámos para analisar três trabalhos de mestrado: um que pretende estudar os processos de alteração da paisagem no Parque Natural do Tejo Internacional, outro que avalia os impactes ambientais de maneios alternativos de culturas no Baixo Mondego. E um terceiro que identifica as preferências das cegonhas pretas quanto às árvores, à sua localização de forma a definir critérios de intervenção que melhorem a gestão daquela espécie protegida. Bragança fica um pouco mais acima para além da Serra da Estrela e do Vale do Douro. A tese a defender por lá tinha a ver com o estudo da erosão hídrica do solo em áreas de matos na Serra de Montesinho. Não há dúvida que nos fartamos de aprender com os trabalhos destes bons alunos.
No Porto houve que combinar o rearranjo do Compêndio de Ciência Regional em dois tomos, com o apoio de um crack estrangeiro e com base no trabalho com grande impacto produzido desde 2002 por uma equipa de vários docentes do Porto, de Coimbra e do resto do país. Em Coimbra, junto aos bares criados à beira do Rio Mondego ajustámos mais pormenores de prémios e edições de revista e, no fim do périplo, tivemos que reassumir as decisões com que não concordávamos e responsabilizarmo-nos ainda mais por aquelas que defendemos.
Mas o mais marcante começou a fazer-se sentir com o mundo real dos amigos e seus amigos. Sobretudo quando percebemos que a crise está a chegar às casas de quem conhecemos. Primeiro vem um despedimento ou uma empresa falida, depois há a tentativa de uns negócios diferente e mais um pequeno desaire. Ao fim fica-se mesmo na mão de Deus pois todo o esforço parece vão à luz dos homens.
Ainda confrontei alguns entusiasmos de rotina pelo espaço de Lisboa e da Outra Banda. Mas a crise vai tomando os melhores do país deixando para trás a eterna e enorme função pública. Ainda passei pelos restaurantes baratos mas percebe-se que só se mantém porque já nem França tem possibilidade de albergar gente trabalhadora. Ainda perguntei “como vão as coisas?” mas cedo percebi que o país está em debandada para Angola com vistos cada vez mais difíceis de conseguir.
Impressionante é ver funcionários públicos não sentem a crise que ajudaram a criar e que vão ajudar a afundar ainda mais. Estranho é perceber um Governo que mantém obras públicas de viabilidade duvidosa. Alarmante é pensar que toda a gente prefere manter rotinas em vez de resolver o problema de quem cai ao lado.
(IN A União)

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