terça-feira, março 04, 2008

Festival Olé Tunas

O Teatro Angrense está ao rubro. No palco, vários membros da “Vicentuna”, a tuna da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, celebram a vitória no VI Olé Tunas. Abraçam-se e rebolam no chão, numa confusão de capas negras. É assim há seis anos. “Pode parecer estranho, porque não ganham mais que uma placa a dizer que foram os melhores naquele dia, mas a festa de celebração é sempre enorme”, explicava, algumas horas antes, durante os testes de som das sete tunas a concurso, Luís Viegas, da organização.Mas não é só quando é anunciada a tuna vencedora que o Teatro Angrense se anima. Das nove horas da noite para lá da uma da madrugada ouvem-se baladas que falam de amores e de saudade e canções sobre a vida boémia dos estudantes. No último piso, as tunas que participam no festival desafiam-se. Ouvem-se gritos académicos. Capas negras estão estendidas nos camarotes. No palco as tunas dizem piadas e cantam fados nostálgicos. Chegam-se a ver mais de quatro pandeiros em palco. Os estandartes cortam o ar. Durante dois dias, passaram pelo teatro a Vicentuna, a Iscalina de Lisboa, a K-Batuna de Coimbra, a Tuna Sons do MAR, da Terceira, a Neptuna e a ELES, um grupo de amigos da Escola de Enfermagem de Angra, que se reuniu só para o festival. No sábado actuaram a TUSA, Tuna Económicas, a Escstunis e a Tuna de Enfermagem de Lisboa, todas da capital, bem como a Quantuna, de Coimbra. Apenas estavam a concurso as sete tunas de Lisboa e Coimbra. O festival fechou com a tuna organizadora, a TAESEAH- Tuna Académica da Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo. Ao todo, o Olé Tunas movimentou 350 pessoas, 185 de fora da ilha. Para trás ficou o já tradicional “Pasacalles”, que pôs as tunas a percorrer as ruas de Angra, uma serenata à meia-noite no Salão Nobre da Câmara Municipal e uma garraiada.Luís Viegas senta-se numa das cadeiras de veludo do Teatro Angrense com um suspiro cansado. Explica que para além das “várias horas sem dormir” e do trabalho de coordenar sete tunas espalhadas pela Pousada da Juventude, Recreio dos Artistas e Regimento de Guarnição nº1, o festival é a materialização do trabalho de um ano. “São os contactos com a Câmara Municipal, a nossa parceira no evento, e com outras entidades para conseguir alojamento, os convites às tunas… Costumamos, após o festival, ter uma semana a que chamamos de ‘pousio’. Depois, temos uma reunião para fazer o balanço do que correu melhor e pior e volta tudo ao princípio. É sempre um grande jogo para mobilizar pessoas e interesses”.As tunas e a tauromaquia voltaram a estar ligadas. “Há interesse em que seja assim, torna o festival diferente, único. Tentamos proporcionar esse lado de convívio, de espírito académico, com ênfase para os toiros a ligação com a natureza”. Com 11 anos de tuna e já a exercer enfermagem, Luís Viegas viu o Olé Tunas nascer e evoluir. Hoje, sente que está muito longe do inicial encontro de tunas. “Começámos como um encontro, mas cedo nos apercebemos que o que acontecia era ‘ramboia’ e actuações menos bem conseguidas. Avançámos depois para um concurso de tunas mistas, o que já coloca alguma pressão sobre quem cá vem. Posso dizer que já cá tivemos algumas das melhores tunas do país”.Embora queira ver a TAESEAH concretizar alguns projectos, incluindo o lançamento de um CD, Luís Viegas considera-se satisfeito. “Já sou um dos velhotes e posso dizer que sinto que o festival tem já vida própria. Sei que são sempre uns 30, 40 tipos, que no final estão todos rotos, que o organizam, mas sinto que isso depende cada vez menos de mim. O Olé Tunas já é um evento com uma carga cultural, reconhecido. Vê-se isso a cada edição. O teatro enche-se de gente”.
SEGUNDA FAMÍLIA
Mário Alfaia, o maestro da Quantuna, a tuna académica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, actuou na última noite do festival, perante esse teatro cheio de gente. A tuna fundada há 12 anos apresentou apenas originais. “No Pasacalles, por exemplo, tocamos temas como a ‘Rapariga’ ou o ‘Traçadinho’, que a Estudantina popularizou, mas para o concurso apostamos nos nossos temas. É uma mais-valia na competição”. Mas a competição é mesmo levada a sério? “Há de tudo. Uns vêm para se divertirem, outros querem mesmo ganhar. Eu… tento pôr alguma ordem nisto”, diz, com uma risada.Embora tenha levado a concurso apenas originais, Mário Alfaia faz questão de sublinhar que a preocupação musical não é tanta como a que têm as tunas de Lisboa. “Podemos dizer que participam tunas e grupos musicais. Uma tuna toca temas que falam da vida académica, do percurso dos caloiros, da vida dos estudantes, da saudade e da nostalgia dos finalistas que partem. Um grupo musical tem boas vozes e um bom instrumental, mas falta-lhe um pouco o espírito académico”.José Pedro Ramos, o “magister” (responsável máximo) da Escstunis, a tuna da Escola Superior de Comunicação de Lisboa, que acabou por conquistar o segundo lugar no concurso, não leva a mal as palavras do colega de Coimbra. “Se fizermos de facto essa escala, somos um grupo musical. Temos uma grande preocupação a esse nível e apostamos em temas estilo Festival da Canção. Apresentamos uma canção de Ary dos Santos, por exemplo. Mas não nos falta o espírito académico, isso não”. Existe outro aspecto em que Quantuna e Escstunis estão de acordo: A imagem de excessos e, sobretudo, de consumo exagerado de álcool, está colada a eventos académicos. “É simplesmente assim. Sei de pessoal das tunas que bebe muito, outros fazem-no razoavelmente e há quem não beba. Mas era preciso não se beber nada durante uma década para que essa imagem mudasse”, afirma José Pedro.“O que é preciso ver é que, mais que as vitórias em festivais ou as noites de excesso, o que levamos da experiência de pertencer a uma tuna é a sensação sermos uma família. São recordações que guardamos connosco para sempre”, conclui o magister da Escstunis. É esse mesmo sentimento que Luís Viegas experimenta no final de todos os Olé Tunas que já organizou. Acontece sempre que pisa o palco com a sua “segunda família”. “O pano sobe e vemos o público. Todas as pessoas ali sentadas sabem que fomos nós que tornámos aquilo possível. Começamos a tocar e ao fim do quarto tema a sensação é de pura satisfação. Podemos finalmente pensar: Missão cumprida”.
(In DI-Revista)

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