A América quer os Açores como ilhas piloto nas energias renováveis
A II Conferência Transatlântica de Energias Renováveis que se realizou nos últimos dois dias em Angra do Heroísmo sentou, à mesma mesa, representantes das administrações ao mais alto nível, a indústria e muitos académicos, com o propósito de debater uma agenda de investigação para o desenvolvimento e implementação de sistemas energéticos sustentáveis, incluindo ainda a integração de tecnologias consideradas chave que viabilizem a harmonização entre a oferta de energias renováveis com a procura da energia e a definição de políticas relacionadas com uma maior penetração das energias renováveis. Portugueses e americanos falaram, de forma consensual, quanto à direcção a seguir e os Açores, pelas potencialidades que apresentam e podem vir a desenvolver natural e tecnologicamente, reúnem, no entender do Director do MIT- Massachusetts Institute of Technology – Portugal, Paulo Ferrão, todas as condições para ser o estandarte desta pegada ecológica que é necessário que fique vincada no mundo, no caminho do corte na dependência do petróleo como fonte geradora de energia. Paulo Ferrão acredita mesmo que, se formos no caminho certo, a nossa região poderá ser auto-suficiente energeticamente em 90%. Qual a intervenção do Programa MIT, do qual é director, nesta II Conferência Transatlântica das Energias Renováveis que decorreu até ontem em Angra do Heroísmo e qual a sua importância para este mesmo instituto? O MIT Portugal tem nesta conferência o papel de coordenar, com o Governo Regional e com os restantes parceiros, o projecto “Green Islands”, apresentando a agenda de investigação e a de implementação. Esse é, para mim, o grande objectivo desta realização. Estamos a falar de um projecto que se reveste de uma enorme importância quer para o MIT Portugal quer para todos os envolvidos, pois, pela primeira vez faz-se algo que é extremamente importante em qualquer parte do mundo: em suma, trata-se de unir, num propósito comum e com uma enorme relevância económica e social, a universidade, a indústria e o governo, que estão todos representados ao mais alto nível. Nesta conferência são feitos compromissos para o sucesso desta iniciativa, no caminho de tornar os Açores numa zona de referência para a implementação das energias renováveis num sistema regional. Por quem passa a responsabilidade deste projecto a implementar nos Açores, de forma pioneira? Neste momento, a responsabilidade passa a ser tripartida por todos os seus intervenientes. Neste contexto e, para além de contarmos com a participação do Governo Regional dos Açores e das universidades associadas ao programa MIT Portugal, realizámos um protocolo de colaboração com a Universidade dos Açores, no sentido de que ela também fique envolvida neste projecto. No campo empresarial, estão representadas as filiadas, que demonstraram quais os interesses que possuem nesta matéria, bem como quais os contributos que podem dar a este projecto. Estamos a falar da EDP, EDA, Galp Energia, Martifer, Efasec e a SGC Energia. Qual é a visão do MIT Portugal para que os Açores possam ser, ecologicamente falando, no seu todo, “ilhas verdes”? A visão que temos, passa pelo desenvolvimento de um sistema integrado. O nosso grande objectivo é, acima de tudo, a redução da dependência do petróleo, substituindo-o por energias renováveis. Para além desta redução, queremos resolver um dos grandes problemas que existe na utilização das renováveis: o do seu não armazenamento. Há que desenvolver um sistema que seja capaz de ajustar as necessidades da procura à oferta, em cada instante. Assim, poderemos passar a gerir esta dinâmica de uma forma inteligente, armazenando esta energia. Quais são as hipóteses em estudo para encontrar esta solução? Para que tais ideias possam passar a ser uma realidade, estão em estudo e debate várias hipóteses: uma passa pela bombagem de água – seja esta feita entre lagoas existentes a níveis diferentes quer, até – em teses – a bombagem da água do mar para uma lagoa de um topo de uma colina, durante o período nocturno. Isto poderia ser viável, se aumentássemos, significativamente a produção de energia geotérmica, em que o seu consumo seria feito de forma a rentabilizarmos todos os períodos da sua utilização; outra das opções passa pela utilização de carros eléctricos, sendo que ao serem carregados durante a noite, ou os utilizaríamos durante o dia ou venderíamos a energia arrecadada neste período à rede eléctrica quando os mesmos não fossem usados Para que tenhamos uma ideia aproximada, a nossa intenção passa por um incremento na produção de energia eléctrica através das renováveis na ordem do dobro do que hoje acontece. Se, em São Miguel, esta produção (através essencialmente da geotermia) já representa hoje, uma percentagem na ordem dos 50%, gostaríamos que, com a implementação do “Green Islands” esta passe a ser de 90%. Quanto à ilha das Flores – tendo por base que os modelos ainda estão em estudo e em fase de consolidação apenas para a ilha de São Miguel – pensamos que a aposta terá de ser feita, pelas potencialidades apresentadas, na área das energias eólica e hídrica. Para São Miguel a aposta vai claramente para a energia geotérmica, mas pretendemos igualmente promover o aproveitamento de alguma biomassa e resíduos sólidos urbanos. Para que tal acontece, teremos de ter um sistema de rede eléctrica muito mais sofisticada que passe a permitir, a cada utilizador, comprar e vender energia, fazendo com que haja variações nos preços da mesma. Estamos a falar, portanto, de realizar uma implementação piloto, num local a seleccionar, para testar estas redes inteligentes. Este projecto é inovador ao nível internacional, pois não há uma focagem do mesmo, apenas, na resolução do problema da oferta da energia, mas, acima de tudo, olha para a energia como um serviço que é prestado para várias facetas do nosso dia-a-dia, de uma forma integrada, para que sejam criadas as tais soluções inteligentes, que passam, de facto, pelas redes nos transportes, nos edifícios e nas habitações. Então, estarão, de facto reunidas todas as condições para que seja feita, tal como referiu o presidente da Câmara de Comércio de Angra, Sandro Paim, “a mudança para um novo paradigma energético nos Açores”? Certamente que sim. Esta mudança de paradigma pode explicar-se pelo facto de, hoje em dia, em todo o mundo, o paradigma do sistema energético definir-se através da existência de quem consome e das indústrias que vendem. Nós o que queremos com o “Green Islands” é que, se há um aumento de consumo, haja igualmente um acréscimo de produção, tanto quanto o pico do gasto. O estabilizar dos pratos da balança passa por saber quais os serviços que a energia está a providenciar e tentar olhar para a procura de forma a encontrar as opções mais interessantes do ponto de vista energético e económico que a poderão satisfazer. Isto pode passar por uma gestão da procura, através da criação de um sistema de tarifários mais adequado ao ritmo quer das habitações quer dos edifícios, dos transportes (públicos ou particulares). Trata-se de um passo que vai além da educação de quem consome e de quem produz. Considero que se trata, acima de tudo, de proporcionar as tecnologias, para que as pessoas possam fazer as opções que consideram mais correctas. Claro que se trata de uma mudança de atitudes, mas considero que tem ainda mais a ver com a capacitação tecnológica do sistema energético dos Açores, inicialmente feita apenas em zonas piloto. O mais importante é que haja estas opções, daí tratar-se de um projecto, também, tecnológico. Fundamental então, é criar estas mesmas opções? Sim. É isto mesmo. Queremos criar esta tecnologia e demonstrá-la, para que isso possa ser uma opção para as populações e não apenas uma figura de retórica. É nisto que consiste a mais-valia de um projecto que, é importante se refira, tem um elevado valor económico. Assim, desde logo, pretendemos que estes desenvolvimentos sejam feitos pelas nossas universidades – naturalmente com a colaboração do MIT Portugal – mas, acima de tudo, pelas empresas portuguesas. Criaremos valor que pode ser depois vendido a outros países, fazendo avançar as empresas nacionais. Localmente, que seja criado emprego e capacidade de desenvolvimento de algumas empresas em nichos de mercado específicos. Uma coisa é sempre certa: podemos desenvolver tecnologias, mas, depois, é necessário saber implementá-la através da experiência de quem já tem contacto e trabalha com a mesma. Se conseguirmos formar pessoas nos Açores que o façam bem, estamos a criar nichos que contribuirão para o mercado do trabalho com mais valor acrescentado. Os parceiros envolvidos, falam, então todos, uma linguagem universal…. Esta é a grande virtude desta conferência. Pela primeira vez estiveram todos juntos num acto público, a dizer que possuem estas capacidades. Neste momento, estamos em que fase do projecto? Estivemos, até aqui, a desenvolver a agenda de investigação, através de alguns estudos preliminares e agora estamos na fase de casar o trabalho até agora desenvolvido, as empresas e o governo. É isto que celebrámos nesta conferência: um marco de partida. A partida é agora e como tal já queremos começar a desenhar soluções, imediatamente. Durante o próximo ano queremos propor já soluções concretas e implementáveis com as empresas e, depois, daí advenham opções de investimento. Em termos de montante de investimento, já é possível avançar com alguns números? Existem, para o projecto três agendas: a de investigação – cuja responsabilidade cabe ao MIT Portugal; a de investimento – inteiramente a cargo das empresas; e a de implementação – na qual o Governo também tem uma palavra a dizer. Logo, e face a esta dimensão, não há números, neste momento, que possam ser avançados. Ao nível da Universidade dos Açores, que tipo de intervenção tem ou terá a mesma no “Green Islands”? Neste âmbito, foi agora celebrado um protocolo que envolve a universidade açoriana, procurando sedimentar o conhecimento na Região. A ideia passa por criar aqui um centro de investigação capaz de tratar estas questões e conservar no arquipélago o conhecimento que for sendo criado. O Governo Regional apoia esta iniciativa através da contratação de especialistas internacionais destinados à implementação desta iniciativa. Esta convergência do conhecimento, até hoje, não estava a acontecer e o que passará a existir passa por criar as condições para que, tanto quanto possível, o conhecimento esteja todo à disposição da Região, de forma conservada. Já há prazos ou datas para a implementação, na prática do projecto? Não existem, ainda, quaisquer certezas. Entretanto, gostaria o MIT Portugal que todas as decisões ficassem definidas no concreto. Agora estamos numa fase de montagem de possíveis cenários, procuramos saber quais as tecnologias pelas quais iremos avançar – resultado da investigação desenvolvida até aqui. O que vamos fazer neste momento, com as empresas e com o governo, vamos tentar, de facto, definir alguns projectos concretos que possam ser implementados. As expectativas do MIT Portugal são elevadas… São muito, pois esta conferência revestiu-se de uma elevada importância pelo facto de, tal como já havia referido anteriormente, haver uma conjugação de esforços e contributos tão elevada e harmoniosa como a que aqui se registou. Governos – nacional e regional -, universidades e empresas de tão elevada preponderância estiveram reunidas e empenhadas com um único objectivo comum. Conseguimos assim celebrar os compromissos que assumimos no ano passado, na primeira edição desta conferência. Qual é, em suma, o maior desafio deste projecto? O maior desafio é o de conservar todas estas vontades alinhadas. Os desafios, externos, são grandes e como tal é importante manter aqui os interesses conjugados, garantindo que continuamos a ter condições sobre as perspectivas do diálogo, da cooperação para o projecto tenha sucesso. Temos que saber tirar partido dos recursos naturais que estão disponíveis e da vontade que existe de todas as partes envolvidas para promover o desenvolvimento económica e a valorização dos recursos humanos através do conhecimento. Ou seja, estamos a falar de um projecto encabeçado pelos Açores mas que pretende ser um marco nacional? Os Açores têm feito muito e podem fazer ainda mais, reforçando a sua posição e subindo a um patamar diferente ao nível das energias renováveis. Poderemos passar de uma região compradora de tecnologia para uma que poderá ajudar a produzi-la. Mas não estamos, realmente, a falar dos Açores de forma isolada. Portugal está, no seu todo, envolvido no “Green Islands” e este é, sem dúvida, um projecto-piloto nacional. Os Açores surgem como forma de tirar partido de um conjunto de oportunidades que têm vindo a surgir nesta área, demonstrando que são suficientemente ágeis para conseguir dinamizar um projecto destes. Finalizando, acrescentava o mote do facto de se ter tratado de uma conferência de características transatlânticas… Ontem mesmo foi celebrada uma iniciativa de estabelecimento de acordo entre a Europa e os Estados Unidos da América. Tratou-se, sem dúvida, também, de um momento muito importante e simbólico para ambas as partes, com a presença de figuras que encabeçam instituições internacionais de suma importância, como José Manuel Silva-Rodriguez (Director-Geral da Investigação da Comissão Europeia) e Phyllis Yoshida (representante do Departamento de Energia dos Estados Unidos). Assim sendo, procurou-se tirar partido desta aproximação que a nova administração americana permite e que potencia entre os EUA e a Europa, tentando colocar os Açores no mapa dessa colaboração, em particular, ao nível da sustentabilidade e das energias renováveis. Uma aposta que, a um nível talvez mais político, também me parece importante.
(In Ana Coelho - Correio dos Açores)
(In Ana Coelho - Correio dos Açores)
Etiquetas: Conferência, energias alternativas, energias renováveis, protocolo
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