Liderar a investigação
O Centro de Biotecnologia dos Açores é agora um dos laboratórios associados do Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia. O que é que significa adesão?O Centro de Biotecnologia sofreu, no último ano, uma certa remodelação, uma vez que ampliou a sua equipa. Apesar de fazer parte do departamento de Ciências Agrárias, o Centro de Biotecnologia dos Açores integra elementos que exercem a sua função no campus de São Miguel. É já uma equipa abrangente e, embora pequena, tem uma dinâmica muito grande. Temos que zelar pelo nosso futuro e pela continuidade. A continuidade na investigação vive à base de projetos, de bolsas, o que é uma situação muito volátil. Neste sentido, uma das preocupações deste Centro foi a de associar-se a outros laboratórios criando, ao nível nacional, uma massa crítica que nos permita sobreviver com mais facilidade. A questão que aqui se coloca é realmente uma questão de dimensão e de massa crítica. Não é uma questão de qualidade, porque a qualidade foi afirmada a partir do momento que fomos aceites e admitidos como parceiros. Este grupo permite-nos uma outra dinâmica e uma outra interação importante entre grupos.
É, portanto, uma questão de segurança. Esta associação ao Instituto conferirá também mais alguma visibilidade ao laboratório?Para além disso tudo, a atividade do Centro de Biotecnologia dos Açores não está agora restrita apenas aos seus membros. Hoje temos uma quantidade enorme de parceiros e colaboradores. A Região ganha, de um momento para o outro, uma estrutura de investigação científica muito maior do que aquilo que tem. As questões que nos preocupam e que nos dizem respeito começam a ser debatidas e investigadas, não só apenas ao nosso nível ou ao nível de uma colaboração esporádica, mas também neste todo. E é preciso ter em conta que estamos associados aos melhores laboratórios nacionais.
No que diz respeito à utilização de equipamento e infraestruturas, esta colaboração também trará benefícios?Obviamente. Através da figura do parceiro é muito mais simples encetar esse diálogo do que ter de fazer as ligações todas do zero. Para além disso, o próprio integrar desses laboratórios pressupõe não só uma compreensão, mas uma coerência nas linhas temáticas, o que quer dizer que aquilo que os Açores fazem é uma investigação que interessa aos parceiros do continente. O nosso reportório tecnológico também lhes interessa. Há aqui um intercâmbio muito mais saudável e que nos permite obviamente ter uma outra eficiência na nossa investigação.
O Centro de Biotecnologia dos Açores tem em mãos uma série de projetos de investigação. Fale-nos um pouco do vosso trabalho. Há um projeto que nos norteia, que está acima de tudo: o aproveitamento dos recursos genéticos da Região. No entanto, quando falamos disto, há milhares de coisas que fazem parte desses recursos e, obviamente, não podemos trabalhar em todos eles. Há, portanto, uma atividade na área vegetal, na área animal e, finalmente, na área microbiana. Dentro de cada uma delas há projetos específicos que têm que ver com questões muito particulares, muito próprios. Temos em curso também projetos na área da tecnologia alimentar - estamos, por exemplo, a procurar moléculas derivadas das nossas plantas endémicas que possam servir de preservativos, de conservantes contra determinados micro-organismos. As plantas endémicas também são vistas por três perspetivas: por um lado, temos a preservação de ecossistemas, o restauro de ecossistemas que foram deteriorados e que é necessários lutar para que sejam revitalizados; por outro lado, procuramos dentro desses recursos genéticos biomoléculas que possam ter um interesse medicinal ou outro interesse comercial, como é o caso da hipericina. No que diz respeito à área animal, para além de lado mais conservacionista - que é caso do pónei da Terceira, do barbado, do toiro da terra - aprofundamos o conhecimento das espécies ao nível da molécula, nomeadamente no que diz respeito à qualidade do leite, à genética que dá determinada qualidade de leite. São temas que nos vão ocupando e mediante os quais vamos aproveitando determinadas parcerias.
O saber serve de pouco se não for utilizado. No seu entender, a quem competirá, depois, o aproveitamento do conhecimento produzido neste Centro de Biotecnologia?Há uma dificuldade muito grande da nossa parte em divulgar todo o potencial que temos. Mas também não nos podem culpar diretamente por isso. O nosso dia também tem 24 horas, não somos especialistas em matéria de comunicação e procuramos guiar-nos pelos meios tradicionais, como o são as publicações científicas. Por parte da sociedade também não há curiosidade em vir saber o que se faz. Dou-lhe um exemplo: no aniversário da Adega do Pico apresentámos quatro trabalhos, todos eles cientificamente interessantes e importantes. No entanto, um deles - merecedor de um prémio atribuído por uma organização do Norte de Portugal - tinha a ver com a caracterização das castas portuguesas. Neste trabalho conseguimos identificar a origem do nosso verdelho, do Arinto e Tarrantez, isto é, das castas tradicionais açorianas. Este trabalho foi publicado já há uns anos e quando foi agora apresentado no Pico as pessoas ficaram entusiasmadíssimas. Percebemos, pelo feedback que tivemos, que as pessoas gostaram imenso do trabalho. Com franqueza: julguei que fosse um trabalho que não iria despertar atenções, exatamente porque já tinha sido publicado há pelo menos três ou quatro anos. Há sem dúvida da nossa parte uma certa dificuldade em transmitir, como também haverá talvez uma falta de curiosidade em saber o que por cá se faz.
A que se deve essa incapacidade da comunidade da Universidade dos Açores mostrar o seu trabalho? Há falta de compreensão do discurso científico?Não, não acho que as pessoas não compreendam, mas é preciso ter acesso a este tipo de comunicação. A verdade é que seria extremamente importante reter estas ideias, porque quer queiramos ou não, numa Região pequena como a nossa o único caminho que podemos seguir é o das produções com grande valor acrescentado. É preciso apostar nestas tecnologias assentes em novos conhecimentos, em novas opções. É óbvio que muitos desses conhecimentos que produzimos ficarão à espera de ser utilizados 10, 15 anos mais tarde e alguns deles nunca o serão, mas de certeza que há alguns que vão ter aplicação rápida se houver ouvidos, se houver disponibilidade. Temos agora em mãos um trabalho que foi iniciado em parceria com a Fruter, que é a recolha do património genético de algumas plantas agronomicamente importantes, como é o caso da banana, da batata-doce e do inhame. Estamos a recolhê-los, a caracterizá-los. Já temos uma quantidade enorme de plantas preparadas para no futuro, depois de haver uma análise das suas qualidades agronómicas, podermos distribuir aos agricultores material melhorado. Isso implica, sem dúvida, uma cadeia de produção. Tem que haver alguém que vá vender esse material.
Ou seja, o potencial económico baseado no aproveitamento destes recursos genéticos existe.Sem dúvida, e neste momento o Centro de Biotecnologia está muito vocacionado exatamente para, em primeiro lugar, conhecer esses recursos genéticos para depois saber aproveitá-los. É o caso, por exemplo, do cão barbado da Terceira. No que diz respeito à equinicultura, já fazemos parte de um programa ao nível mundial que tem que ver com a descodificação do genoma do cavalo. Temos sido pioneiros na investigação de algumas patologias do foro genético. Neste momento, os Açores têm toda a tecnologia necessária para ter uma reprodução assistida - inseminações artificiais, transferências de embriões, congelamento de gâmetas, e tudo isso fazemos já com prática. Neste momento, estamos a servir a comunidade nesse aspeto - temos cerca de 25 a 30 éguas que já são inseminadas. Haverá uma melhoria substancial do efetivo quando começarem a aparecer esses potros - animais já de grande categoria.
Este Centro está também a desenvolver um bioinseticida. Que projeto é este?É um trabalho que está a ser desenvolvido pelo colega Nelson Simões, em São Miguel, e é sem dúvida uma das áreas fortes do grupo. Neste sentido, fez-se, mais uma vez, a caracterização dos recursos genéticos, identificou-se as estirpes existentes na Região de determinados bacilos. Verificou-se que alguns deles têm uma atividade muito importante de bioinseticida e começou-se a isolar os genes, as proteínas. Um trabalho moroso que há uns anos atrás quem ouvisse falar sobre essa área diria que era um trabalho de investigação básico. De repente teremos em mãos, possivelmente em muito pouco tempo, um bioinseticida eficiente. Há que mover também essas mentalidades, há que aceitar a investigação como sendo uma fonte de proveito económico, ainda que saibamos que nem todas as coisas que nós descobrimos, nem todas as coisas com que se trabalha, se traduzirão em rentabilidade.
Diria que há alguma desconfiança sobre o trabalho de investigação que se faz nos Açores?Não compreendo porquê. Penso que é, sim, uma questão cultural. No imaginário de grande parte das pessoas a figura do cientista, do investigador, já desapareceu há muito tempo. É preciso saber que os investigadores são pessoas com muito gosto por aquilo que fazem, com muita curiosidade, com muita vontade de conhecer. E é preciso mostrar que há uma nova profissão nos Açores, uma profissão que há relativamente pouco tempo não havia.
Como é que tem funcionado este grupo? O Centro de Biotecnologia dos Açores dá prioridade ao potencial aos alunos da academia açoriana ou integra qualquer investigador interessado, seja de que universidade for?Não concebo um bom ensino desligado de uma boa investigação. A nossa profissão é exatamente produzir conhecimento e é esse o conhecimento que vamos ensinar. Na verdade, quanto melhor for a investigação, melhor será o ensino. Tudo isto tem uma dinâmica: para descobrir o que quer que seja tenho que saber o que os meus colegas por esse mundo fora estão a fazer. A Universidade dos Açores, sendo uma universidade de uma Região arquipelágica, tem de ser uma instituição universal. Temos que concorrer com qualquer universidade do mundo, caso contrário nunca seríamos uma instituição com nome reconhecido. Daí que a nossa equipa integre alunos dos Açores, de várias ilhas, mas também de outras partes de Portugal e do mundo. Os açorianos, tendo qualidade, têm sempre lugar.
E a Universidade dos Açores está em condições de concorrer com essas universidades internacionais? Em muitos casos não só concorremos como somos parceiros muito bem vindos e de igual valor. Há muitos grupos muitíssimo bons que têm conseguido afirmar-se.
Transgénicos nos Açores
Foi pioneiro nos testes com transgénicos que se fizeram na Europa na década de 80 e é especialista nessa área. Como é que tem visto a polémica que se levantou em torno da temática dos transgénicos nos Açores?Acho que é engraçadíssima. É uma situação que se discute nos Açores com alguns anos de atraso. O processo dos transgénicos é extremamente complexo, por vários aspetos: pela novidade que um transgénico representa em si mesmo e pelo poder da tecnologia. Muito poucas pessoas sabem o que é um transgénico e, se não forem da especialidade, dificilmente compreenderão o que representam. Passo a explicá-lo rapidamente: antes do desenvolvimento desta tecnologia, para obter um indivíduo novo era preciso misturar dois genomas; com os transgénicos, para criar um ser novo não preciso de misturar dois indivíduos, basta pegar num gene e adicionar ao que já conheço, o que pode ter benefícios extraordinários. Por exemplo: queremos criar uma resistência numa macieira - hoje em dia temos que por toneladas de pesticidas. Nos Açores, em certas zonas onde a produção é intensa, são utilizados pesticidas da época da floração até à maturação pelo menos cerca de 30 vezes. As pessoas não têm ideia do que isso é. E utilizar tantos pesticidas porquê? Porque se pomos no supermercado uma maçã que é um pouco mais torta, por exemplo, já ninguém compra. É essa hipocrisia que tem de ser debatida e tem de ser vista.
Que benefícios é que estas tecnologias e os transgénicos trazem afinal?O que agora acontece, no caso das macieiras por exemplo, é que podemos ter árvores com genes de resistência contra fungos. Nos métodos tradicionais cruzar-se-ia a macieira boa (suscetível) com a macieira selvagem (resistente) e daí resultaria uma grande quantidade de frutos imperfeitos, porque o cruzamento teria sido feito com uma árvore sem interesse comercial, embora com o gene que nos interessava. Os anos que gastamos a fazer retrocruzamentos até ter uma maçã boa que tem um gene de resistência ou fungicida que me vá permitir usar menos pesticidas, podem ultrapassar a vida de um investigador. Com um transgénico posso chegar, pegar no gene e pô-lo lá e isso pode trazer avanços enormes, até no que diz respeito à saúde humana. Hoje em dia é impensável fazer medicina sem engenharia genética - todos os testes de diagnóstico têm sempre um passo em que a engenharia genética foi aplicada. Nas plantas o que se pretende é dar-lhes capacidade para elas próprias se defenderem.
Diria, portanto, que as críticas que têm sido feitas aos testes com milho transgénico nos Açores são injustas?O que se fez aqui foi transpor uma quantidade de problemas que existiam numa agricultura tradicional ou em metodologias tradicionais para uma nova tecnologia, o que é absolutamente absurdo. Há problemas com bactérias que as pessoas às vezes nem dão conta. O facto de utilizarmos antibióticos desde que nascemos até à idade em que morremos faz com que cada pessoa ponha no meio ambiente milhões de genes de resistência aos antibióticos. Esses estudos estão feitos. Todos nós ouvimos falar também de bactérias que se apanham nos hospitais. Tudo isso não tem nada a ver com transgénicos. Uma ETAR, por exemplo, é uma bomba relógio, porque é para lá que é canalizado o lixo de que não conseguimos dar conta. E lá vivem bactérias, com a única diferença de que o tempo de uma geração de um desses micro-organismos pode ir de meia hora a uma hora. Nós exigimos coisas para o nosso suposto bem e depois não temos noção das consequências. Agora, não se pode responsabilizar uma tecnologia que serve para melhorar as condições de produção e as condições de vida de milhões de pessoas.
O alarmismo que se levantou foi desconhecimento?Este alarmismo já se viveu há alguns anos na Europa e fez com que toda a tecnologia europeia migrasse para os EUA. Nós agora é que estamos a ter essa discussão. É preciso explicar às pessoas que os malefícios desta técnica são iguais a qualquer outra. É que os malefícios que existem não são os que utilizam como argumento.
É, portanto, uma questão de segurança. Esta associação ao Instituto conferirá também mais alguma visibilidade ao laboratório?Para além disso tudo, a atividade do Centro de Biotecnologia dos Açores não está agora restrita apenas aos seus membros. Hoje temos uma quantidade enorme de parceiros e colaboradores. A Região ganha, de um momento para o outro, uma estrutura de investigação científica muito maior do que aquilo que tem. As questões que nos preocupam e que nos dizem respeito começam a ser debatidas e investigadas, não só apenas ao nosso nível ou ao nível de uma colaboração esporádica, mas também neste todo. E é preciso ter em conta que estamos associados aos melhores laboratórios nacionais.
No que diz respeito à utilização de equipamento e infraestruturas, esta colaboração também trará benefícios?Obviamente. Através da figura do parceiro é muito mais simples encetar esse diálogo do que ter de fazer as ligações todas do zero. Para além disso, o próprio integrar desses laboratórios pressupõe não só uma compreensão, mas uma coerência nas linhas temáticas, o que quer dizer que aquilo que os Açores fazem é uma investigação que interessa aos parceiros do continente. O nosso reportório tecnológico também lhes interessa. Há aqui um intercâmbio muito mais saudável e que nos permite obviamente ter uma outra eficiência na nossa investigação.
O Centro de Biotecnologia dos Açores tem em mãos uma série de projetos de investigação. Fale-nos um pouco do vosso trabalho. Há um projeto que nos norteia, que está acima de tudo: o aproveitamento dos recursos genéticos da Região. No entanto, quando falamos disto, há milhares de coisas que fazem parte desses recursos e, obviamente, não podemos trabalhar em todos eles. Há, portanto, uma atividade na área vegetal, na área animal e, finalmente, na área microbiana. Dentro de cada uma delas há projetos específicos que têm que ver com questões muito particulares, muito próprios. Temos em curso também projetos na área da tecnologia alimentar - estamos, por exemplo, a procurar moléculas derivadas das nossas plantas endémicas que possam servir de preservativos, de conservantes contra determinados micro-organismos. As plantas endémicas também são vistas por três perspetivas: por um lado, temos a preservação de ecossistemas, o restauro de ecossistemas que foram deteriorados e que é necessários lutar para que sejam revitalizados; por outro lado, procuramos dentro desses recursos genéticos biomoléculas que possam ter um interesse medicinal ou outro interesse comercial, como é o caso da hipericina. No que diz respeito à área animal, para além de lado mais conservacionista - que é caso do pónei da Terceira, do barbado, do toiro da terra - aprofundamos o conhecimento das espécies ao nível da molécula, nomeadamente no que diz respeito à qualidade do leite, à genética que dá determinada qualidade de leite. São temas que nos vão ocupando e mediante os quais vamos aproveitando determinadas parcerias.
O saber serve de pouco se não for utilizado. No seu entender, a quem competirá, depois, o aproveitamento do conhecimento produzido neste Centro de Biotecnologia?Há uma dificuldade muito grande da nossa parte em divulgar todo o potencial que temos. Mas também não nos podem culpar diretamente por isso. O nosso dia também tem 24 horas, não somos especialistas em matéria de comunicação e procuramos guiar-nos pelos meios tradicionais, como o são as publicações científicas. Por parte da sociedade também não há curiosidade em vir saber o que se faz. Dou-lhe um exemplo: no aniversário da Adega do Pico apresentámos quatro trabalhos, todos eles cientificamente interessantes e importantes. No entanto, um deles - merecedor de um prémio atribuído por uma organização do Norte de Portugal - tinha a ver com a caracterização das castas portuguesas. Neste trabalho conseguimos identificar a origem do nosso verdelho, do Arinto e Tarrantez, isto é, das castas tradicionais açorianas. Este trabalho foi publicado já há uns anos e quando foi agora apresentado no Pico as pessoas ficaram entusiasmadíssimas. Percebemos, pelo feedback que tivemos, que as pessoas gostaram imenso do trabalho. Com franqueza: julguei que fosse um trabalho que não iria despertar atenções, exatamente porque já tinha sido publicado há pelo menos três ou quatro anos. Há sem dúvida da nossa parte uma certa dificuldade em transmitir, como também haverá talvez uma falta de curiosidade em saber o que por cá se faz.
A que se deve essa incapacidade da comunidade da Universidade dos Açores mostrar o seu trabalho? Há falta de compreensão do discurso científico?Não, não acho que as pessoas não compreendam, mas é preciso ter acesso a este tipo de comunicação. A verdade é que seria extremamente importante reter estas ideias, porque quer queiramos ou não, numa Região pequena como a nossa o único caminho que podemos seguir é o das produções com grande valor acrescentado. É preciso apostar nestas tecnologias assentes em novos conhecimentos, em novas opções. É óbvio que muitos desses conhecimentos que produzimos ficarão à espera de ser utilizados 10, 15 anos mais tarde e alguns deles nunca o serão, mas de certeza que há alguns que vão ter aplicação rápida se houver ouvidos, se houver disponibilidade. Temos agora em mãos um trabalho que foi iniciado em parceria com a Fruter, que é a recolha do património genético de algumas plantas agronomicamente importantes, como é o caso da banana, da batata-doce e do inhame. Estamos a recolhê-los, a caracterizá-los. Já temos uma quantidade enorme de plantas preparadas para no futuro, depois de haver uma análise das suas qualidades agronómicas, podermos distribuir aos agricultores material melhorado. Isso implica, sem dúvida, uma cadeia de produção. Tem que haver alguém que vá vender esse material.
Ou seja, o potencial económico baseado no aproveitamento destes recursos genéticos existe.Sem dúvida, e neste momento o Centro de Biotecnologia está muito vocacionado exatamente para, em primeiro lugar, conhecer esses recursos genéticos para depois saber aproveitá-los. É o caso, por exemplo, do cão barbado da Terceira. No que diz respeito à equinicultura, já fazemos parte de um programa ao nível mundial que tem que ver com a descodificação do genoma do cavalo. Temos sido pioneiros na investigação de algumas patologias do foro genético. Neste momento, os Açores têm toda a tecnologia necessária para ter uma reprodução assistida - inseminações artificiais, transferências de embriões, congelamento de gâmetas, e tudo isso fazemos já com prática. Neste momento, estamos a servir a comunidade nesse aspeto - temos cerca de 25 a 30 éguas que já são inseminadas. Haverá uma melhoria substancial do efetivo quando começarem a aparecer esses potros - animais já de grande categoria.
Este Centro está também a desenvolver um bioinseticida. Que projeto é este?É um trabalho que está a ser desenvolvido pelo colega Nelson Simões, em São Miguel, e é sem dúvida uma das áreas fortes do grupo. Neste sentido, fez-se, mais uma vez, a caracterização dos recursos genéticos, identificou-se as estirpes existentes na Região de determinados bacilos. Verificou-se que alguns deles têm uma atividade muito importante de bioinseticida e começou-se a isolar os genes, as proteínas. Um trabalho moroso que há uns anos atrás quem ouvisse falar sobre essa área diria que era um trabalho de investigação básico. De repente teremos em mãos, possivelmente em muito pouco tempo, um bioinseticida eficiente. Há que mover também essas mentalidades, há que aceitar a investigação como sendo uma fonte de proveito económico, ainda que saibamos que nem todas as coisas que nós descobrimos, nem todas as coisas com que se trabalha, se traduzirão em rentabilidade.
Diria que há alguma desconfiança sobre o trabalho de investigação que se faz nos Açores?Não compreendo porquê. Penso que é, sim, uma questão cultural. No imaginário de grande parte das pessoas a figura do cientista, do investigador, já desapareceu há muito tempo. É preciso saber que os investigadores são pessoas com muito gosto por aquilo que fazem, com muita curiosidade, com muita vontade de conhecer. E é preciso mostrar que há uma nova profissão nos Açores, uma profissão que há relativamente pouco tempo não havia.
Como é que tem funcionado este grupo? O Centro de Biotecnologia dos Açores dá prioridade ao potencial aos alunos da academia açoriana ou integra qualquer investigador interessado, seja de que universidade for?Não concebo um bom ensino desligado de uma boa investigação. A nossa profissão é exatamente produzir conhecimento e é esse o conhecimento que vamos ensinar. Na verdade, quanto melhor for a investigação, melhor será o ensino. Tudo isto tem uma dinâmica: para descobrir o que quer que seja tenho que saber o que os meus colegas por esse mundo fora estão a fazer. A Universidade dos Açores, sendo uma universidade de uma Região arquipelágica, tem de ser uma instituição universal. Temos que concorrer com qualquer universidade do mundo, caso contrário nunca seríamos uma instituição com nome reconhecido. Daí que a nossa equipa integre alunos dos Açores, de várias ilhas, mas também de outras partes de Portugal e do mundo. Os açorianos, tendo qualidade, têm sempre lugar.
E a Universidade dos Açores está em condições de concorrer com essas universidades internacionais? Em muitos casos não só concorremos como somos parceiros muito bem vindos e de igual valor. Há muitos grupos muitíssimo bons que têm conseguido afirmar-se.
Transgénicos nos Açores
Foi pioneiro nos testes com transgénicos que se fizeram na Europa na década de 80 e é especialista nessa área. Como é que tem visto a polémica que se levantou em torno da temática dos transgénicos nos Açores?Acho que é engraçadíssima. É uma situação que se discute nos Açores com alguns anos de atraso. O processo dos transgénicos é extremamente complexo, por vários aspetos: pela novidade que um transgénico representa em si mesmo e pelo poder da tecnologia. Muito poucas pessoas sabem o que é um transgénico e, se não forem da especialidade, dificilmente compreenderão o que representam. Passo a explicá-lo rapidamente: antes do desenvolvimento desta tecnologia, para obter um indivíduo novo era preciso misturar dois genomas; com os transgénicos, para criar um ser novo não preciso de misturar dois indivíduos, basta pegar num gene e adicionar ao que já conheço, o que pode ter benefícios extraordinários. Por exemplo: queremos criar uma resistência numa macieira - hoje em dia temos que por toneladas de pesticidas. Nos Açores, em certas zonas onde a produção é intensa, são utilizados pesticidas da época da floração até à maturação pelo menos cerca de 30 vezes. As pessoas não têm ideia do que isso é. E utilizar tantos pesticidas porquê? Porque se pomos no supermercado uma maçã que é um pouco mais torta, por exemplo, já ninguém compra. É essa hipocrisia que tem de ser debatida e tem de ser vista.
Que benefícios é que estas tecnologias e os transgénicos trazem afinal?O que agora acontece, no caso das macieiras por exemplo, é que podemos ter árvores com genes de resistência contra fungos. Nos métodos tradicionais cruzar-se-ia a macieira boa (suscetível) com a macieira selvagem (resistente) e daí resultaria uma grande quantidade de frutos imperfeitos, porque o cruzamento teria sido feito com uma árvore sem interesse comercial, embora com o gene que nos interessava. Os anos que gastamos a fazer retrocruzamentos até ter uma maçã boa que tem um gene de resistência ou fungicida que me vá permitir usar menos pesticidas, podem ultrapassar a vida de um investigador. Com um transgénico posso chegar, pegar no gene e pô-lo lá e isso pode trazer avanços enormes, até no que diz respeito à saúde humana. Hoje em dia é impensável fazer medicina sem engenharia genética - todos os testes de diagnóstico têm sempre um passo em que a engenharia genética foi aplicada. Nas plantas o que se pretende é dar-lhes capacidade para elas próprias se defenderem.
Diria, portanto, que as críticas que têm sido feitas aos testes com milho transgénico nos Açores são injustas?O que se fez aqui foi transpor uma quantidade de problemas que existiam numa agricultura tradicional ou em metodologias tradicionais para uma nova tecnologia, o que é absolutamente absurdo. Há problemas com bactérias que as pessoas às vezes nem dão conta. O facto de utilizarmos antibióticos desde que nascemos até à idade em que morremos faz com que cada pessoa ponha no meio ambiente milhões de genes de resistência aos antibióticos. Esses estudos estão feitos. Todos nós ouvimos falar também de bactérias que se apanham nos hospitais. Tudo isso não tem nada a ver com transgénicos. Uma ETAR, por exemplo, é uma bomba relógio, porque é para lá que é canalizado o lixo de que não conseguimos dar conta. E lá vivem bactérias, com a única diferença de que o tempo de uma geração de um desses micro-organismos pode ir de meia hora a uma hora. Nós exigimos coisas para o nosso suposto bem e depois não temos noção das consequências. Agora, não se pode responsabilizar uma tecnologia que serve para melhorar as condições de produção e as condições de vida de milhões de pessoas.
O alarmismo que se levantou foi desconhecimento?Este alarmismo já se viveu há alguns anos na Europa e fez com que toda a tecnologia europeia migrasse para os EUA. Nós agora é que estamos a ter essa discussão. É preciso explicar às pessoas que os malefícios desta técnica são iguais a qualquer outra. É que os malefícios que existem não são os que utilizam como argumento.
(In DI XL)
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