sábado, fevereiro 14, 2009

"Desconsideração" dos Açores acentua contencioso autonómico

A falta de compreensão dos interesses dos Açores pelo estado português e a utilização do arquipélago como “moeda de troca” na definição de políticas atlânticas, sobretudo no final do século XIX e na primeira metade do século XX, foram determinantes para a sedimentação de um certo contencioso autonómico, sempre presente na história dos Açores e que, em alguns momentos, acalentou “numa certa elite” a ideia de que se poderia enveredar por outra forma de autogoverno que não aquela que está inscrita na matriz constitucional.
A tese é defendida por José Guilherme Reis Leite, historiador e um dos protagonistas da história contemporânea dos Açores que, juntamente com Teodoro de Matos e Avelino Freitas de Meneses, coordenou a primeira História dos Açores que ontem à noite foi lançada em Ponta Delgada e que hoje terá lançamento em Lisboa. Trata-se de uma publicação editada pelo Instituto Açoriano de Cultura, com o alto patrocínio financeiro da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento que, pela primeira vez, faz uma “síntese” da história política, económica e social dos Açores. Os dois volumes da primeira edição organizada da história do arquipélago, desde a sua descoberta até aos nossos dias, contam com a colaboração de cerca de 30 historiadores e investigadores, alguns deles “protagonistas” dos episódios mais recentes da história açoriana. Entre eles estão Álvaro Monjardino, Medeiros Ferreira, Reis Leite, Avelino Menese e, sobretudo, investigadores ligados ao mundo académico que têm publicado trabalhos cientificos.“Uma história é sempre uma interpretação mas julgo que nada ficou por dizer, embora reconheça que há áreas em que a investigação é mais pobre, mas isso compete à comunidade cientifica corrigir”, adianta Reis Leite. De resto, esta história está dividida em duas partes distintas: uma “que é só história” e que retrata a realidade açoriana até á primeira metade do século XX, objecto de diferentes investigações que agora são dadas a conhecer ao grande público e outra, que é composta por “ memórias” dos protagonistas e que, talvez por isso, “possa ser a mais estimulante”, admite o investigador. O conteúdo deste livro divide-se em seis grandes períodos históricos que começam na “Génese e afirmação de uma sociedade”, passam pela “Estagnação e o desinteresse pelos Açores”, “Unir para dominar: a centralidade administrativa”, “A liberdade e os proveitos”, “Monraquia, Republica e Estado Novo” e termina no “Triunfo da autonomia”.“Com esta História vamos compreender melhor o passado açoriano”, embora “não seja fácil traçar uma imagem das ilhas que são muito complexas” diz Avelino Freitas de Meneses, um dos outros coordenadores científicos do trabalho e Reitor da Universidade dos Açores.Mais do que preencher uma lacuna, este trabalho faz o ponto de situação sobre o passado e o presente das ilhas e acaba por ser a primeira e única publicação organizada sobre estes nove pedaços de terra, condicionados pela geografia ao longo de cinco séculos de história.“Esse é o desafio que fica para a comunidade cientifica”, adianta Avelino Meneses, ciente de que este é o primeiro passo para que os Açores sejam estudados e vistos “de outra forma”. “Não sei é se conseguiremos através deste livro mostrar o que é a açorianidade” que, dadas as especificidades históricas e os condicionalismos geográficos, é uma “realidade muito complexa” que, simultaneamente, “ pode ser sinónimo de universalidade ou de isolamento”.A verdade é que a história dos Açores foi feita de clivagens e elas estão todas retratadas nesta edição.“A unidade, tal como a conhecemos é uma conquista muito recente”, admite Reis Leite. E, a “utopia só se transformou em realidade” quando se encontrou um modelo político de afirmação dessa unidade insular, também ela composta por uma enorme diversidade.É nesta dialéctica que se “escreveu” a história dos Açores e é isso que a partir de agora está disponível ao grande público.“O resultado final é muito encorajador”, diz Avelino Meneses; o desafio que se segue é “prosseguir os estudos e os esforços para uma melhor compreensão do território insular”, conclui.


(in Carmo Rodeia -Açoriano Oriental)

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