Estatísticas: Números que por vezes só confundem e enganam
Félix Rodrigues (Opinião)
Vem este artigo a propósito de uma notícia divulgada recentemente no vosso jornal sobre gastos, salários, etc, nas Universidades Portuguesas, usando os dados divulgados pela Direcção Geral do Ensino Superior. Olhando para os números, sem contexto, temos uma leitura completamente diferente daquela que teríamos se os contextualizássemos. Esses números são deveras enganadores.
Diz-se que a Universidade dos Açores é a segunda universidade mais cara do país e só a Universidade Técnica de Lisboa consegue ser mais cara. Ora, qualquer instituição de Ensino Superior é financiada de acordo com a “Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior Público que lhe define os objectivos e os princípios gerais e determina as diferentes componentes: o orçamento de funcionamento, o orçamento de investimento (definido em função dos Planos de Desenvolvimento e formalizado mediante a celebração de contratos de desenvolvimento), e o financiamento contratualizado através de Contratos-Programa, com vista à prossecução de objectivos concretos, a que acrescem as Receitas Próprias que provêm, na sua maioria, das propinas e da celebração de contratos de investigação ou de prestação de serviços”. Sendo assim, como se pode afirmar que uma Universidade é mais cara do que outra tendo em conta as regras de financiamento?
Por outro lado, os cursos universitários são diferentes uns dos outros, dentro da mesma instituição e entre instituições. Por exemplo, um curso de filosofia é bastante mais barato do que um curso de engenharia química ou engenharia física, porque o primeiro não tem aulas de laboratório, aulas essas que são fundamentais na formação técnica. Na componente laboratorial gastam-se reagentes, compram-se instrumentos e é necessário mais pessoal de apoio. Faz algum sentido compararem-se cursos tecnicamente distintos e por consequência os seus custos? Só é passível de comparação cursos semelhantes, se sujeitos a regras diferentes. Assim quando se diz que a Universidade Técnica de Lisboa é a mais cara país, não seria de esperar? Não é essa Universidade que tem o maior número de cursos de engenharia e de tecnologia?
A Universidade dos Açores, dada a sua multiplicidade de cursos, nos quais se incluem os de enfermagem que tem custos acrescidos comparados com outros estritamente teóricos, terá um preço dependente disso. Faz sentido então lançar uma notícia que se comparam custos que fazem parte das regras de financiamento? Qual é o objectivo disso? Reduzir o custo dos cursos técnicos? Passarmos todos a ter cursos não técnicos? Seria caótico termos um analista a fazer-nos análises sem nunca ter visto e tocado num único instrumento, um enfermeiro a dar-nos uma injecção sem nunca ter pegado numa agulha, um veterinário a operar um animal sem nunca ter feito pelo menos uma única operação ou um médico ser nunca ter visto um paciente.
Classificar os custos em pior e melhor performance económica por diplomado, sem referir a sua especificidade, é uma comparação desprovida de sentido.
Não podemos esquecer que as Universidades são instituições públicas, tais como as escolas secundárias. Faz sentido comparar performances de escolas secundárias em termos de eficiência ou desperdícios com os gastos por aluno? Se sim, não é necessário fazer contas para percebermos que as escolas superlotadas são economicamente as mais eficientes. O que é curioso, é que se tal comparação fosse feita, mais tarde acusaríamos essas mesmas escolas de terem os piores resultados (pelo menos é o que seria expectável).
A pior afirmação desse estudo da Direcção Geral é quando se afirma que os Professores da Universidade dos Açores são pagos acima da média nacional. É uma asneira atroz. Até parece que se pagam horas extraordinárias (não existem), orientações de mestrados e doutoramentos (não são pagas), percentagens pela prestações de serviços (não são pagas), bónus pela investigação (não existe) ou gratificações.
O que se passa com a Universidade dos Açores, é que o seu corpo docente é maioritariamente doutorado, e que, se compararmos com Universidades que não os tem, os salários tabelados são menores. Fará sentido comparar desempenhos económicos em termos salariais entre uma escola do ensino secundário cujos professores tem a habilitação mínima e outra cujos professores são todos mestres? A comparação feita em termos dos salários dos professores da Universidade dos Açores com outras instituições é dessa natureza.
Quando se afirma que a média de um salário de um docente da Universidade dos Açores é 45 142 euros anuais e que a média nacional é de 43 816 euros, se isso estiver certo, quer apenas dizer que os professores da Universidade dos Açores tem em média formação mais avançada do que os docentes das outras instituições. Apenas isso, não é uma questão de gestão. Se se acrescentar que o salário líquido anual médio de um docente universitário é inferior a 24 000€, o números anteriores são enganosos e mero artificialismo.
Ora, um professor do ensino pré-escolar, básico ou secundário, sem mestrado e doutoramento com o mesmo tempo de serviço do que eu, ganha mais do que eu e de que a maioria dos meus colegas. Quer isso dizer que é uma questão de má gestão desses níveis de ensino? Um professor do ensino não superior, nas mesmas condições de tempo de serviço anteriormente referidas (só posso comparar comigo e com a maioria dos meus colegas, impedidos de subir à cerca de sete anos, por questões de financiamento do Estado), ganha por ano ilíquido 43 385 €, ou seja, um valor próximo da média nacional do salário ilíquido do Ensino Superior. Se por acaso atendermos ao facto de nos Açores, os professores do ensino não superior ganharem ajudas compensatórias, e os do ensino superior não, os do ensino não superior, ganham mais dos que os do ensino superior, quando com o mesmo tempo de serviço e sem provas publicas prestadas. Acresce ainda o facto de haver horas extraordinárias, comissões, etc, por trabalhos extra para os professores do ensino não superior, que para os do superior não existem. Como é que o próprio Estado que estipula regras de não subida, vem dizer que a Universidade dos Açores paga mais aos seus docentes do que outras instituições?
A comparação feita pela Direcção Geral do Ensino Superior é absurda e descontextualizada.
As Universidades públicas não podem ter lógicas de empresas privadas e sujeitá-las a regras e avaliações públicas ou vice-versa. Neste momento o Ensino Superior tem regras mais apertadas do que as escolas secundárias . Afinal o que é essa estatística?
O ensino superior é neste momento, o menos financiado do país e o mais mal pago, graças à regra que o obriga a procurar financiamento próprio que as outras instituições do ensino não superior não tem obrigação de captar. Isso revela a aposta que tem sido feita nos últimos anos no ensino superior pretendia que os docentes/investigadores, além de pagarem o seu salários ainda tivessem que arranjar dinheiro para pagar a formação dos alunos que o Estado lhes impunha num regime de competição entre instituições públicas, só observável, noutros países entre instituições privadas. Espera-se que algumas dessas regras sejam alteradas para haver justiça e dignidade entre os diferentes níveis de ensino em Portugal.
Há de facto gastos no Ensino Superior que podem ser racionalizados e diminuídos, mas com regras claras e objectivos bem definidos. Misturar coisas que são imiscíveis, o resultado é a confusão. As Universidades portuguesas são semelhantes a água com azeite: um fase corresponde o seu trabalho público e tabelas salariais outra às competências mais privadas, como a disputa por alunos com outras instituições também elas públicas ou prestações de serviços sem tradução em valoração salarial. Por mais que queiramos misturar, as fases separam-se, e nunca se confundem, por isso há que saber olhar para essas instituições pela óptica adequada.
Qualquer número tem um contexto, mesmo em matemática teórica.
(In A União)
Diz-se que a Universidade dos Açores é a segunda universidade mais cara do país e só a Universidade Técnica de Lisboa consegue ser mais cara. Ora, qualquer instituição de Ensino Superior é financiada de acordo com a “Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior Público que lhe define os objectivos e os princípios gerais e determina as diferentes componentes: o orçamento de funcionamento, o orçamento de investimento (definido em função dos Planos de Desenvolvimento e formalizado mediante a celebração de contratos de desenvolvimento), e o financiamento contratualizado através de Contratos-Programa, com vista à prossecução de objectivos concretos, a que acrescem as Receitas Próprias que provêm, na sua maioria, das propinas e da celebração de contratos de investigação ou de prestação de serviços”. Sendo assim, como se pode afirmar que uma Universidade é mais cara do que outra tendo em conta as regras de financiamento?
Por outro lado, os cursos universitários são diferentes uns dos outros, dentro da mesma instituição e entre instituições. Por exemplo, um curso de filosofia é bastante mais barato do que um curso de engenharia química ou engenharia física, porque o primeiro não tem aulas de laboratório, aulas essas que são fundamentais na formação técnica. Na componente laboratorial gastam-se reagentes, compram-se instrumentos e é necessário mais pessoal de apoio. Faz algum sentido compararem-se cursos tecnicamente distintos e por consequência os seus custos? Só é passível de comparação cursos semelhantes, se sujeitos a regras diferentes. Assim quando se diz que a Universidade Técnica de Lisboa é a mais cara país, não seria de esperar? Não é essa Universidade que tem o maior número de cursos de engenharia e de tecnologia?
A Universidade dos Açores, dada a sua multiplicidade de cursos, nos quais se incluem os de enfermagem que tem custos acrescidos comparados com outros estritamente teóricos, terá um preço dependente disso. Faz sentido então lançar uma notícia que se comparam custos que fazem parte das regras de financiamento? Qual é o objectivo disso? Reduzir o custo dos cursos técnicos? Passarmos todos a ter cursos não técnicos? Seria caótico termos um analista a fazer-nos análises sem nunca ter visto e tocado num único instrumento, um enfermeiro a dar-nos uma injecção sem nunca ter pegado numa agulha, um veterinário a operar um animal sem nunca ter feito pelo menos uma única operação ou um médico ser nunca ter visto um paciente.
Classificar os custos em pior e melhor performance económica por diplomado, sem referir a sua especificidade, é uma comparação desprovida de sentido.
Não podemos esquecer que as Universidades são instituições públicas, tais como as escolas secundárias. Faz sentido comparar performances de escolas secundárias em termos de eficiência ou desperdícios com os gastos por aluno? Se sim, não é necessário fazer contas para percebermos que as escolas superlotadas são economicamente as mais eficientes. O que é curioso, é que se tal comparação fosse feita, mais tarde acusaríamos essas mesmas escolas de terem os piores resultados (pelo menos é o que seria expectável).
A pior afirmação desse estudo da Direcção Geral é quando se afirma que os Professores da Universidade dos Açores são pagos acima da média nacional. É uma asneira atroz. Até parece que se pagam horas extraordinárias (não existem), orientações de mestrados e doutoramentos (não são pagas), percentagens pela prestações de serviços (não são pagas), bónus pela investigação (não existe) ou gratificações.
O que se passa com a Universidade dos Açores, é que o seu corpo docente é maioritariamente doutorado, e que, se compararmos com Universidades que não os tem, os salários tabelados são menores. Fará sentido comparar desempenhos económicos em termos salariais entre uma escola do ensino secundário cujos professores tem a habilitação mínima e outra cujos professores são todos mestres? A comparação feita em termos dos salários dos professores da Universidade dos Açores com outras instituições é dessa natureza.
Quando se afirma que a média de um salário de um docente da Universidade dos Açores é 45 142 euros anuais e que a média nacional é de 43 816 euros, se isso estiver certo, quer apenas dizer que os professores da Universidade dos Açores tem em média formação mais avançada do que os docentes das outras instituições. Apenas isso, não é uma questão de gestão. Se se acrescentar que o salário líquido anual médio de um docente universitário é inferior a 24 000€, o números anteriores são enganosos e mero artificialismo.
Ora, um professor do ensino pré-escolar, básico ou secundário, sem mestrado e doutoramento com o mesmo tempo de serviço do que eu, ganha mais do que eu e de que a maioria dos meus colegas. Quer isso dizer que é uma questão de má gestão desses níveis de ensino? Um professor do ensino não superior, nas mesmas condições de tempo de serviço anteriormente referidas (só posso comparar comigo e com a maioria dos meus colegas, impedidos de subir à cerca de sete anos, por questões de financiamento do Estado), ganha por ano ilíquido 43 385 €, ou seja, um valor próximo da média nacional do salário ilíquido do Ensino Superior. Se por acaso atendermos ao facto de nos Açores, os professores do ensino não superior ganharem ajudas compensatórias, e os do ensino superior não, os do ensino não superior, ganham mais dos que os do ensino superior, quando com o mesmo tempo de serviço e sem provas publicas prestadas. Acresce ainda o facto de haver horas extraordinárias, comissões, etc, por trabalhos extra para os professores do ensino não superior, que para os do superior não existem. Como é que o próprio Estado que estipula regras de não subida, vem dizer que a Universidade dos Açores paga mais aos seus docentes do que outras instituições?
A comparação feita pela Direcção Geral do Ensino Superior é absurda e descontextualizada.
As Universidades públicas não podem ter lógicas de empresas privadas e sujeitá-las a regras e avaliações públicas ou vice-versa. Neste momento o Ensino Superior tem regras mais apertadas do que as escolas secundárias . Afinal o que é essa estatística?
O ensino superior é neste momento, o menos financiado do país e o mais mal pago, graças à regra que o obriga a procurar financiamento próprio que as outras instituições do ensino não superior não tem obrigação de captar. Isso revela a aposta que tem sido feita nos últimos anos no ensino superior pretendia que os docentes/investigadores, além de pagarem o seu salários ainda tivessem que arranjar dinheiro para pagar a formação dos alunos que o Estado lhes impunha num regime de competição entre instituições públicas, só observável, noutros países entre instituições privadas. Espera-se que algumas dessas regras sejam alteradas para haver justiça e dignidade entre os diferentes níveis de ensino em Portugal.
Há de facto gastos no Ensino Superior que podem ser racionalizados e diminuídos, mas com regras claras e objectivos bem definidos. Misturar coisas que são imiscíveis, o resultado é a confusão. As Universidades portuguesas são semelhantes a água com azeite: um fase corresponde o seu trabalho público e tabelas salariais outra às competências mais privadas, como a disputa por alunos com outras instituições também elas públicas ou prestações de serviços sem tradução em valoração salarial. Por mais que queiramos misturar, as fases separam-se, e nunca se confundem, por isso há que saber olhar para essas instituições pela óptica adequada.
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(In A União)
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