Preciosa Pastagem- tese de Anabela Gomes
O caminho para a agricultura açoriana não é um regime intensivo com vacas de alta produção alimentadas à base de concentrados. A investigadora da Universidade dos Açores, Anabela Gomes, avisa que não se deve menosprezar o valor da pastagem. "O bom agricultor é o que tem lucro, o que sabe produzir leite utilizando os seus recursos, também com contributos de fora da exploração", afirma.
Defendeu recentemente uma tese de doutoramento sobre a qualidade das pastagens instaladas numa zona de média altitude da Terceira. Em que consistiu esse trabalho?Demorei algum tempo para escrever a tese, mas o trabalho experimental estava feito há muitos anos. Houve um período de três anos em que estudei a importância da escolha dos intervalos de crescimento da erva e dos montantes da adubação azotada mais adequados para a obtenção de elevadas produções, essenciais para se efectuarem cortes para silagens. Num período posterior, também de três anos, estudei os intervalos de crescimento da erva e as adubações azotadas, mas, neste caso, os mais adequados para pastoreio. Tinha trabalho experimental mais recente, mas considero que dos diversos ensaios que já realizei estes eram os mais importantes para um melhor conhecimento do comportamento das pastagens nos Açores e queria deixá-los documentados.Porque é este trabalho tão importante para a agricultura açoriana?No primeiro ensaio estudámos a produção de erva na Primavera, que é uma componente muito importante da produção anual. As pastagens na Primavera produzem muito, devido aos dias compridos e temperaturas amenas. Podem produzir até 50 por cento da produção anual. O excesso de erva que existe nesta época do ano deve ser muito bem aproveitado, porque se não o fizermos, perde-se. A produção de erva é um processo muito dinâmico e esta tem de ser colhida em intervalos que não devem ser muito longos. Não podemos deixá-la crescer na Primavera para colhê-la no Verão, por exemplo, porque perdia as suas qualidades nutritivas. Os lavradores que não fizerem um esforço para aproveitar bem o excesso de erva na Primavera têm dificuldade em alimentar o rebanho no Verão, se este for seco, ou durante o Inverno. Ou então teriam de optar por outro caminho: Reduzir o número de animais em relação ao que podiam ter se tivessem aproveitado os excessos de Primavera. É claro que há lavradores que são exímios em fazê-lo.Este aproveitamento das pastagens será importante até para reduzir os custos de produção...É muito importante. Na verdade não basta saber-se que se tem de aproveitar o excesso de erva na Primavera. Há períodos óptimos para o fazer. Estes dependem das zonas, mas digamos que na zona de média altitude, que foi a que eu estudei mais profundamente, o melhor período é fechar a parcela nos últimos dias de Março, o mais tardar até o dia 1 de Abril, e efectuar o corte no dia 15 de Maio. Depois pode fazer-se um segundo corte de silagem, geralmente numa área menor, com erva que cresce de 15 de Maio até 15 de Julho. É importante os lavradores saberem em que épocas têm mais retorno do adubo azotado que utilizam na Primavera porque a unidade de azoto está cada vez mais cara. Cada unidade de azoto utilizada deve dar uma resposta elevada em termos de produção. Se a resposta for reduzida não é rentável fazerem-se silagens. No período de Primavera verificamos que uma unidade de azoto pode originar acréscimos de produção de 25 a 30 quilos de matéria seca por hectare e dia, para se obterem produções de cerca de 100-120 quilos por hectare e dia. No Inverno podemos ter acréscimos de produção de apenas três ou quatro quilos de matéria seca por hectare e dia, ou mesmo zero se o Inverno for demasiado chuvoso. Actualmente uma unidade de azoto custa cerca de um euro, que tem que ser pago com litros de leite. Um litro de leite é pago em média a 26 cêntimos, é portanto necessário o equivalente a cerca de quatro litros de leite para pagar um quilo de azoto. Além disso, o azoto tem implicações ambientais. Fora dos períodos adequados as ervas utilizam menos azoto. Por exemplo no Inverno ou no Verão as plantas entram num período de repouso vegetativo e não respondem à adubação azotada. Quando a pluviosidade é elevada, arrasta o azoto para fora do alcance das raízes, o que pode ser para um metro ou mais de profundidade, onde este encontra as águas da toalha freática, as águas subterrâneas. Alguns dos furos que agora temos estão localizados em zonas onde se pratica agricultura. Temos de ter muito cuidado com a utilização da adubação azotada, para não poluir essas águas de consumo. Resumindo, verificámos que é na Primavera que se devem fazer as adubações azotadas. Há uma ideia que os agricultores por vezes têm de utilizar adubo azotado no Outono, mas se tiverem nas suas pastagens o trevo branco, só têm que usar adubo azotado na Primavera. Isso ficou bem evidente nos meus ensaios.Qual é a composição ideal para as pastagens?O ideal, nas zonas de média altitude, é terem azevém e trevo branco. Mas é claro que não podemos menosprezar as outras pastagens, à base de espécies espontâneas. São pastagens de longa duração, típicas de zonas com declive e de ilhas em que os agricultores estão abrangidos por medidas agro-ambientais que apoiam a perda de rendimento. Estas medidas são muito restritivas em termos da adubação azotada e os agricultores não podem fazer renovações, o que quer dizer que não podem fazer sementeiras. Quando não se fazem sementeiras as espécies espontâneas vão tomando conta dos terrenos. Esses agricultores não podem ter estas espécies ideais, mas um bom maneio também os ajuda a ter melhores produções, nomeadamente a introdução do trevo branco ou do trevo amarelo.No seu ponto de vista a pastagem representa uma riqueza de que dimensão? As melhores terras são, geralmente, utilizadas para cereais. Sabemos que as grandes cidades foram instaladas em zonas agrícolas produtoras de cereais, podemos falar por exemplo das planícies à volta de Paris. Até mesmo Lisboa é um exemplo disso, porque nas margens do Tejo existem terras muito férteis. Nos Açores também tínhamos boas áreas utilizadas antigamente para o cultivo de trigo, por exemplo na Terceira onde hoje está o aeroporto e nas freguesias circundantes. Acontece que com o aparecimento dos adubos na Europa triplicaram as produções de trigo por hectare e agora utilizam-se máquinas de colheita de grandes dimensões que não se podem utilizar nos Açores. A maior quantidade de trigo disponível na Europa fez baixar o preço e a sua cultura deixou de ser rentável nos Açores, devido às pequenas áreas que os nossos agricultores têm. Normalmente os cereais dão lucro quando os lavradores têm áreas muito grandes. Por exemplo, no Ribatejo quase ninguém tem produção animal. O Ribatejo é uma zona tradicional de produção de milho de regadio, de tomate para a indústria. Já a pecuária é uma maneira de valorizar as explorações de pequena dimensão, porque exige mais mão-de-obra. Vai permitir que se chegue a um produto com maior valor acrescentado, que são os derivados do leite (queijos, iogurtes, sorvetes, etc...) Nunca se sabe se o trigo volta a ser rentável nos Açores, porque a população mundial está a crescer muito e a superfície arável está estabilizada. Não sabemos o que vai acontecer. A verdade é que este é o quarto ano consecutivo em que os stocks de trigo a nível mundial têm vindo a baixar. Países como a Índia e a China necessitam cada vez mais cereais e vêm comprá-los no mercado mundial. Algumas das parcelas que pensamos nunca mais irem produzir cereais podem voltar a fazê-lo, mas isso mantém-se como um ponto de interrogação. Em relação ao cenário que temos hoje, o que dá mais rendimento é a produção pecuária, muito apoiada por Bruxelas. Também devo dizer que o que mais protege os nossos solos para as gerações vindouras é a floresta e a pastagem.Há quem defenda que a pastagem é a grande vantagem dos Açores num cenário de fim das quotas leiteiras.Nas zonas baixas, na quota inferior a 200 metros talvez não fosse recomendável termos tanta pastagem. Estas zonas estão sujeitas a períodos de seca prolongada durante o Verão e os lavradores que têm pastagens nas zonas baixas não tiram grande rendimento dessas parcelas durante o Verão, sobretudo se compararmos com uma situação em que estivessem a cultivar milho. Se semeassem milho, seguido de uma cultura de erva castelhana, obtinham o dobro da produção. Antigamente, aliás, as pessoas nas zonas baixas tinham milho, trigo ou feijão, não tinham pastagens. E hoje em dia pode fazer-se a cultura do milho de sementeira directa, de maneira a proteger os solos da erosão. Nas altitudes superiores a 200 metros é difícil encontrarmos outras culturas que se adaptem ao nosso tipo de clima. A fruticultura não dá, a horticultura também não, porque as condições de clima são muito adversas. Há um período muito bom para certo tipo de horticultura que é o Verão, quando não temos vento, mas não temos rega. Além de não termos zonas de regadio também temos pouca mão de obra barata. A horticultura hoje em dia faz-se muito com exploração de mão-de-obra sazonal e geralmente de emigrantes mal pagos. No Inverno temos água em abundância, mas muito vento... Imaginem-se as alfaces na rua... Podemos e devemos procurar ter horticultura com produção suficiente para o abastecimento das ilhas. Mas será difícil competir com o aspecto, preço e lado prático dos produtos dos hipermercados. A pastagem é o que está melhor adaptada ao nosso clima......e que se adapta à agropecuária, que, depreendo das suas palavras, é o tipo de actividade agrícola com mais espaço para se manter e crescer nos Açores.Em Portugal Continental, devido às restrições que existem em termos de apoios e de subsídios a sistemas intensivos, muitas explorações podem desaparecer. Nesse cenário, talvez o leite dos Açores volte a ter mais importância. Para isso também é preciso que o leite tenha um preço e uma qualidade que lhe permita competir com outros mercados. O recurso a pastagem reduz os custos de produção, o que pode permitir essa maior competitividade?Alguns agricultores estão a menosprezar a pastagem e estão a enveredar por um tipo de agricultura que, daqui a anos, pode-nos trazer problemas. Estão a utilizar muitos produtos importados, que são as rações, modificando a vaca para produzir à base desta alimentação. A vaca que produz à base de erva é diferente, não tem produções tão elevadas.Estamos a falar da mudança para raças como a Jersey?Não necessariamente, embora defenda a utilização de mais sangue Jersey nos nossos rebanhos. Mas mesmo dentro da Holstein, a Nova Zelândia tem um tipo de vaca que não foi melhorada para ter produções muito elevadas à base de concentrados, mas para utilizar mais eficientemente a pastagem. É uma vaca que pastoreia melhor e produz leite com mais sólidos: Mais proteína e mais gordura. Trata-se de uma vaca mais pequena, com características diferentes da vaca de estábulo norte-americana. O que discordo é que nos Açores se esteja sempre a pensar que o bom produtor é o que tem uma vaca de altas produções. Isso não diz nada acerca de se ser um bom produtor, o que interessa é a margem de lucro que obtem. O bom lavrador é o que tem lucro, o que sabe produzir leite utilizando essencialmente os recursos da sua exploração, embora utilizando também alguns bens de produção adquiridos fora da exploração. Já realizei um trabalho na Terceira com uma aluna, a Eng. Graça Areia Belém, repetido em S. Jorge e no Faial, que demonstrou que acima dos 5000 litros por lactação não havia correlação entre as produções de leite por vaca e o rendimento do lavrador. As diferenças nos rendimentos estavam relacionadas com o maneio. E um lavrador com um bom maneio é geralmente melhor em muitos aspectos, na limpeza do leite, na qualidade das silagens, nas decisões que toma em geral, essencialmente no dinheiro que gasta na aquisição de factores de produção. Fala-se muito de incentivos à agricultura "verde". A pastagem açoriana pode também apresentar-se aí como uma mais-valia?Não sei que tonalidades de verde serão de facto essas. É muito difícil avançar para a produção biológica nos Açores... O que defendo é sobretudo uma agricultura sustentável. Não estamos a trabalhar muito nisso, em comparação sobretudo com países como a Alemanha ou os países escandinavos. Trata-se de produzir sobretudo com os nossos recursos internos. Ninguém sabe se os cereais vão aumentar muito, os adubos estão numa escalada de aumentos, os combustíveis também têm tendência para subir... Os países em desenvolvimento como a Índia, a China e o Brasil estão a utilizar muito alguns dos factores de produção que importamos e isso faz disparar o preço no mercado mundial. O nosso desafio deveria ser manter o lucro com menores importações e isso é possível, isto é que é desenvolvimento sustentável, palavra de ordem hoje em dia. O desaparecer das quotas leiteiras levará muito provavelmente a que o leite não aumente ou até baixe ligeiramente de preço. Temos que ser mais competitivos...Qual é o sistema ideal que temos de adoptar para isso acontecer? Produzir também cereais?Nas zonas baixas penso que podíamos tirar mais proveito da cultura do milho para silagem. Um hectare de milho (10 alqueires) pode dar nos Açores facilmente oito a nove toneladas de grão, além das folhas. Esta quantidade de grão vinda de fora representa muito dinheiro. Para as silagens serem mais nutritivas devia cortar-se a planta para silagem só da maçaroca para cima, como já se faz noutras zonas, incluindo Portugal Continental. Outra cultura interessante para as zonas baixas é a luzerna, bastante produtiva de Março a Novembro e que dispensa adubações azotadas, muito caras. Acho que nos Açores o RICA (Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas) deveria englobar mais lavradores e os dados serem todos analisados de forma profunda por equipas pluridisciplinares. Assim poderíamos verificar quais os lavradores que estão a ter mais lucro e estudar os seus sistemas de produção. Os dados deveriam ser actualizados anualmente e publicados para poderem servir de base a políticas mais sólidas. Nos Açores, "acha-se" que os agricultores não estão a ter lucro, mas sei de lavradores bons que estão bastante satisfeitos. Não temos publicada informação para se saber como está a evoluir a agricultura dos Açores. Cada um tira as conclusões que lhe convém...
Defendeu recentemente uma tese de doutoramento sobre a qualidade das pastagens instaladas numa zona de média altitude da Terceira. Em que consistiu esse trabalho?Demorei algum tempo para escrever a tese, mas o trabalho experimental estava feito há muitos anos. Houve um período de três anos em que estudei a importância da escolha dos intervalos de crescimento da erva e dos montantes da adubação azotada mais adequados para a obtenção de elevadas produções, essenciais para se efectuarem cortes para silagens. Num período posterior, também de três anos, estudei os intervalos de crescimento da erva e as adubações azotadas, mas, neste caso, os mais adequados para pastoreio. Tinha trabalho experimental mais recente, mas considero que dos diversos ensaios que já realizei estes eram os mais importantes para um melhor conhecimento do comportamento das pastagens nos Açores e queria deixá-los documentados.Porque é este trabalho tão importante para a agricultura açoriana?No primeiro ensaio estudámos a produção de erva na Primavera, que é uma componente muito importante da produção anual. As pastagens na Primavera produzem muito, devido aos dias compridos e temperaturas amenas. Podem produzir até 50 por cento da produção anual. O excesso de erva que existe nesta época do ano deve ser muito bem aproveitado, porque se não o fizermos, perde-se. A produção de erva é um processo muito dinâmico e esta tem de ser colhida em intervalos que não devem ser muito longos. Não podemos deixá-la crescer na Primavera para colhê-la no Verão, por exemplo, porque perdia as suas qualidades nutritivas. Os lavradores que não fizerem um esforço para aproveitar bem o excesso de erva na Primavera têm dificuldade em alimentar o rebanho no Verão, se este for seco, ou durante o Inverno. Ou então teriam de optar por outro caminho: Reduzir o número de animais em relação ao que podiam ter se tivessem aproveitado os excessos de Primavera. É claro que há lavradores que são exímios em fazê-lo.Este aproveitamento das pastagens será importante até para reduzir os custos de produção...É muito importante. Na verdade não basta saber-se que se tem de aproveitar o excesso de erva na Primavera. Há períodos óptimos para o fazer. Estes dependem das zonas, mas digamos que na zona de média altitude, que foi a que eu estudei mais profundamente, o melhor período é fechar a parcela nos últimos dias de Março, o mais tardar até o dia 1 de Abril, e efectuar o corte no dia 15 de Maio. Depois pode fazer-se um segundo corte de silagem, geralmente numa área menor, com erva que cresce de 15 de Maio até 15 de Julho. É importante os lavradores saberem em que épocas têm mais retorno do adubo azotado que utilizam na Primavera porque a unidade de azoto está cada vez mais cara. Cada unidade de azoto utilizada deve dar uma resposta elevada em termos de produção. Se a resposta for reduzida não é rentável fazerem-se silagens. No período de Primavera verificamos que uma unidade de azoto pode originar acréscimos de produção de 25 a 30 quilos de matéria seca por hectare e dia, para se obterem produções de cerca de 100-120 quilos por hectare e dia. No Inverno podemos ter acréscimos de produção de apenas três ou quatro quilos de matéria seca por hectare e dia, ou mesmo zero se o Inverno for demasiado chuvoso. Actualmente uma unidade de azoto custa cerca de um euro, que tem que ser pago com litros de leite. Um litro de leite é pago em média a 26 cêntimos, é portanto necessário o equivalente a cerca de quatro litros de leite para pagar um quilo de azoto. Além disso, o azoto tem implicações ambientais. Fora dos períodos adequados as ervas utilizam menos azoto. Por exemplo no Inverno ou no Verão as plantas entram num período de repouso vegetativo e não respondem à adubação azotada. Quando a pluviosidade é elevada, arrasta o azoto para fora do alcance das raízes, o que pode ser para um metro ou mais de profundidade, onde este encontra as águas da toalha freática, as águas subterrâneas. Alguns dos furos que agora temos estão localizados em zonas onde se pratica agricultura. Temos de ter muito cuidado com a utilização da adubação azotada, para não poluir essas águas de consumo. Resumindo, verificámos que é na Primavera que se devem fazer as adubações azotadas. Há uma ideia que os agricultores por vezes têm de utilizar adubo azotado no Outono, mas se tiverem nas suas pastagens o trevo branco, só têm que usar adubo azotado na Primavera. Isso ficou bem evidente nos meus ensaios.Qual é a composição ideal para as pastagens?O ideal, nas zonas de média altitude, é terem azevém e trevo branco. Mas é claro que não podemos menosprezar as outras pastagens, à base de espécies espontâneas. São pastagens de longa duração, típicas de zonas com declive e de ilhas em que os agricultores estão abrangidos por medidas agro-ambientais que apoiam a perda de rendimento. Estas medidas são muito restritivas em termos da adubação azotada e os agricultores não podem fazer renovações, o que quer dizer que não podem fazer sementeiras. Quando não se fazem sementeiras as espécies espontâneas vão tomando conta dos terrenos. Esses agricultores não podem ter estas espécies ideais, mas um bom maneio também os ajuda a ter melhores produções, nomeadamente a introdução do trevo branco ou do trevo amarelo.No seu ponto de vista a pastagem representa uma riqueza de que dimensão? As melhores terras são, geralmente, utilizadas para cereais. Sabemos que as grandes cidades foram instaladas em zonas agrícolas produtoras de cereais, podemos falar por exemplo das planícies à volta de Paris. Até mesmo Lisboa é um exemplo disso, porque nas margens do Tejo existem terras muito férteis. Nos Açores também tínhamos boas áreas utilizadas antigamente para o cultivo de trigo, por exemplo na Terceira onde hoje está o aeroporto e nas freguesias circundantes. Acontece que com o aparecimento dos adubos na Europa triplicaram as produções de trigo por hectare e agora utilizam-se máquinas de colheita de grandes dimensões que não se podem utilizar nos Açores. A maior quantidade de trigo disponível na Europa fez baixar o preço e a sua cultura deixou de ser rentável nos Açores, devido às pequenas áreas que os nossos agricultores têm. Normalmente os cereais dão lucro quando os lavradores têm áreas muito grandes. Por exemplo, no Ribatejo quase ninguém tem produção animal. O Ribatejo é uma zona tradicional de produção de milho de regadio, de tomate para a indústria. Já a pecuária é uma maneira de valorizar as explorações de pequena dimensão, porque exige mais mão-de-obra. Vai permitir que se chegue a um produto com maior valor acrescentado, que são os derivados do leite (queijos, iogurtes, sorvetes, etc...) Nunca se sabe se o trigo volta a ser rentável nos Açores, porque a população mundial está a crescer muito e a superfície arável está estabilizada. Não sabemos o que vai acontecer. A verdade é que este é o quarto ano consecutivo em que os stocks de trigo a nível mundial têm vindo a baixar. Países como a Índia e a China necessitam cada vez mais cereais e vêm comprá-los no mercado mundial. Algumas das parcelas que pensamos nunca mais irem produzir cereais podem voltar a fazê-lo, mas isso mantém-se como um ponto de interrogação. Em relação ao cenário que temos hoje, o que dá mais rendimento é a produção pecuária, muito apoiada por Bruxelas. Também devo dizer que o que mais protege os nossos solos para as gerações vindouras é a floresta e a pastagem.Há quem defenda que a pastagem é a grande vantagem dos Açores num cenário de fim das quotas leiteiras.Nas zonas baixas, na quota inferior a 200 metros talvez não fosse recomendável termos tanta pastagem. Estas zonas estão sujeitas a períodos de seca prolongada durante o Verão e os lavradores que têm pastagens nas zonas baixas não tiram grande rendimento dessas parcelas durante o Verão, sobretudo se compararmos com uma situação em que estivessem a cultivar milho. Se semeassem milho, seguido de uma cultura de erva castelhana, obtinham o dobro da produção. Antigamente, aliás, as pessoas nas zonas baixas tinham milho, trigo ou feijão, não tinham pastagens. E hoje em dia pode fazer-se a cultura do milho de sementeira directa, de maneira a proteger os solos da erosão. Nas altitudes superiores a 200 metros é difícil encontrarmos outras culturas que se adaptem ao nosso tipo de clima. A fruticultura não dá, a horticultura também não, porque as condições de clima são muito adversas. Há um período muito bom para certo tipo de horticultura que é o Verão, quando não temos vento, mas não temos rega. Além de não termos zonas de regadio também temos pouca mão de obra barata. A horticultura hoje em dia faz-se muito com exploração de mão-de-obra sazonal e geralmente de emigrantes mal pagos. No Inverno temos água em abundância, mas muito vento... Imaginem-se as alfaces na rua... Podemos e devemos procurar ter horticultura com produção suficiente para o abastecimento das ilhas. Mas será difícil competir com o aspecto, preço e lado prático dos produtos dos hipermercados. A pastagem é o que está melhor adaptada ao nosso clima......e que se adapta à agropecuária, que, depreendo das suas palavras, é o tipo de actividade agrícola com mais espaço para se manter e crescer nos Açores.Em Portugal Continental, devido às restrições que existem em termos de apoios e de subsídios a sistemas intensivos, muitas explorações podem desaparecer. Nesse cenário, talvez o leite dos Açores volte a ter mais importância. Para isso também é preciso que o leite tenha um preço e uma qualidade que lhe permita competir com outros mercados. O recurso a pastagem reduz os custos de produção, o que pode permitir essa maior competitividade?Alguns agricultores estão a menosprezar a pastagem e estão a enveredar por um tipo de agricultura que, daqui a anos, pode-nos trazer problemas. Estão a utilizar muitos produtos importados, que são as rações, modificando a vaca para produzir à base desta alimentação. A vaca que produz à base de erva é diferente, não tem produções tão elevadas.Estamos a falar da mudança para raças como a Jersey?Não necessariamente, embora defenda a utilização de mais sangue Jersey nos nossos rebanhos. Mas mesmo dentro da Holstein, a Nova Zelândia tem um tipo de vaca que não foi melhorada para ter produções muito elevadas à base de concentrados, mas para utilizar mais eficientemente a pastagem. É uma vaca que pastoreia melhor e produz leite com mais sólidos: Mais proteína e mais gordura. Trata-se de uma vaca mais pequena, com características diferentes da vaca de estábulo norte-americana. O que discordo é que nos Açores se esteja sempre a pensar que o bom produtor é o que tem uma vaca de altas produções. Isso não diz nada acerca de se ser um bom produtor, o que interessa é a margem de lucro que obtem. O bom lavrador é o que tem lucro, o que sabe produzir leite utilizando essencialmente os recursos da sua exploração, embora utilizando também alguns bens de produção adquiridos fora da exploração. Já realizei um trabalho na Terceira com uma aluna, a Eng. Graça Areia Belém, repetido em S. Jorge e no Faial, que demonstrou que acima dos 5000 litros por lactação não havia correlação entre as produções de leite por vaca e o rendimento do lavrador. As diferenças nos rendimentos estavam relacionadas com o maneio. E um lavrador com um bom maneio é geralmente melhor em muitos aspectos, na limpeza do leite, na qualidade das silagens, nas decisões que toma em geral, essencialmente no dinheiro que gasta na aquisição de factores de produção. Fala-se muito de incentivos à agricultura "verde". A pastagem açoriana pode também apresentar-se aí como uma mais-valia?Não sei que tonalidades de verde serão de facto essas. É muito difícil avançar para a produção biológica nos Açores... O que defendo é sobretudo uma agricultura sustentável. Não estamos a trabalhar muito nisso, em comparação sobretudo com países como a Alemanha ou os países escandinavos. Trata-se de produzir sobretudo com os nossos recursos internos. Ninguém sabe se os cereais vão aumentar muito, os adubos estão numa escalada de aumentos, os combustíveis também têm tendência para subir... Os países em desenvolvimento como a Índia, a China e o Brasil estão a utilizar muito alguns dos factores de produção que importamos e isso faz disparar o preço no mercado mundial. O nosso desafio deveria ser manter o lucro com menores importações e isso é possível, isto é que é desenvolvimento sustentável, palavra de ordem hoje em dia. O desaparecer das quotas leiteiras levará muito provavelmente a que o leite não aumente ou até baixe ligeiramente de preço. Temos que ser mais competitivos...Qual é o sistema ideal que temos de adoptar para isso acontecer? Produzir também cereais?Nas zonas baixas penso que podíamos tirar mais proveito da cultura do milho para silagem. Um hectare de milho (10 alqueires) pode dar nos Açores facilmente oito a nove toneladas de grão, além das folhas. Esta quantidade de grão vinda de fora representa muito dinheiro. Para as silagens serem mais nutritivas devia cortar-se a planta para silagem só da maçaroca para cima, como já se faz noutras zonas, incluindo Portugal Continental. Outra cultura interessante para as zonas baixas é a luzerna, bastante produtiva de Março a Novembro e que dispensa adubações azotadas, muito caras. Acho que nos Açores o RICA (Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas) deveria englobar mais lavradores e os dados serem todos analisados de forma profunda por equipas pluridisciplinares. Assim poderíamos verificar quais os lavradores que estão a ter mais lucro e estudar os seus sistemas de produção. Os dados deveriam ser actualizados anualmente e publicados para poderem servir de base a políticas mais sólidas. Nos Açores, "acha-se" que os agricultores não estão a ter lucro, mas sei de lavradores bons que estão bastante satisfeitos. Não temos publicada informação para se saber como está a evoluir a agricultura dos Açores. Cada um tira as conclusões que lhe convém...
(In DI Revista)
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