domingo, julho 26, 2009

Almoço à sexta com Mota Amaral: "Sou contra o voto obrigatório"

Mota Amaral continua a manter silêncio sobre a actividade política nos Açores mas, em entrevista ao ‘Correio dos Açores”, discorda, em absoluto, da proposta do líder do PS/Açores, Carlos César, do voto ser obrigatório para se ultrapassar a preocupante questão da abstenção. “Sou totalmente contra. O voto tem que ser livre”, afirma o deputado social-democrata açoriano à Assembleia da República já anunciado como candidato do PSD/Açores a mais um mandato. Considera, contudo, “assustador” o aumento da abstenção e defende que é responsabilidade dos políticos “explicarem as coisas melhor, de falarem aos cidadãos”.

Correio dos Açores: Passados doze anos, há muita gente que ainda não percebeu e aceitou a forma repentina com que deixou a Presidência do Governo Regional dos Açores.

João Bosco Mota Amaral (Deputado do PSD/Açores à Assembleia da República) - Eu julgo que expliquei a razão da minha saída na altura. Estavam quase a completarem-se vinte anos das minhas funções de Presidente do Governo Regional dos Açores e, vinte anos, é de facto muito tempo. Não me parecia razoável prolongar nova candidatura, mantendo a minha responsabilidade por mais quatro anos, na medida em que, cumpridas as tarefas de alicerçar a nossa Autonomia democrática, era preciso dar lugar aos novos. Pessoas que viessem com novas ideias, novas energias, para levar os Açores para a frente. Saí, a um ano do final do mandato, no pressuposto de que assim, deixava margem de manobra ao PSD, para encontrar uma solução adequada para uma candidatura às eleições regionais do ano seguinte. Saí, deixando o PSD triunfante, depois de um percalço ocorrido em 1988, em que ficámos apenas com um deputado a mais do que toda a oposição. E logo a seguir, em 1989, após termos perdido as eleições autárquicas, por uma Câmara, empenhei-me a fundo na recuperação e dinamização do partido, levando-o à vitória, como cabeça de lista, em todas as eleições sucessivas: em 1991, para a Assembleia da República, em 1992, para as Regionais, contra o então Presidente da Câmara de Ponta Delgada, Mário Machado e depois, em 1993, vencemos as autárquicas, conquistando 15 Câmaras municipais. Em 1994, vencemos as Europeias, em 1995, encabecei, novamente, a lista à Assembleia da República. O PSD Açores voltou a ganhar, nas eleições à Presidência da República, com o Prof. Cavaco Silva, pese embora este tenha perdido as eleições para Jorge Sampaio. O Partido estava, portanto, em belíssimas condições, aproveitando esta dinâmica vitoriosa para ganhar as eleições de 1996 e iniciar uma nova fase, com novas energias, o que infelizmente, para o PSD, não aconteceu. Entendo que os altos responsáveis políticos, no plano executivo, têm de saber fixar um limite, para a sua presença no poder. Entendi que os cinco mandatos sucessivos me davam perfeita legitimidade para pôr um termo à minha responsabilidade governativa. Não o anunciei antes, porque entendo que estas coisas devem ser feitas no momento determinado, assim poupando as habituais manobras dos delfins e dos aspirantes à sucessão. O PSD fez o seu Congresso, escolheu a sua liderança, eu não influenciei, nem sequer participei neste Congresso e tenho a consciência tranquila de ter aplicado todas as minhas energias, no melhor desempenho da tarefa que me foi confiada.

No entanto, nestes 19 anos de liderança, o partido estava completamente personalizado em si, identificava-se plenamente com a sua imagem. As pessoas votam no Dr. Mota Amaral e não no PSD. Como tal, não acha que essa transição deveria ter sido feita de uma forma planeada e não tão repentina?

Não me preocupei, efectivamente, em escolher sucessor porque, em diversas ocasiões, doutrinando dentro do PSD Açores, sublinhei que tenho do poder democrático uma noção republicana e não monárquica. Portanto, nunca entendi o partido como sendo propriedade minha, muito menos os Açores, era o que mais faltava. Para conquistar o poder, apresentei-me às eleições e ganhei. Preocupei-me sim em preparar uma elite dirigente no PSD, muito descentralizada, abrangendo as nossas ilhas todas, treinado no exercício do poder, aos diversos níveis. De um conjunto de ilhas, dispersas e desavindas, historicamente muito marcadas por querelas injustificadas e inúteis, nasceu uma Região, com a plena consciência da sua identidade, nas quais todos se sentiram envolvidos, graças à política do desenvolvimento harmónico que o meu governo desenvolveu, e superiormente legitimada pela intervenção dos deputados e do Parlamento Regional. Por isso, por haver uma grande interligação entre todos, as pessoas sentiam-se motivadas e votavam. No meu tempo, votava-se muito! Não partilho da opinião de que os responsáveis do poder são uns iluminados, que devam viver sempre em busca de gratidão e de vénia. Os cidadãos é que exprimem as aspirações das populações. É isso que corresponde à democracia e que marcou as primeiras duas décadas da nossa Autonomia. Esta realidade consolidou uma realidade nova, na cena política: a Região Autónoma dos Açores, sem a qual, Portugal hoje não se compreenderia. Por outro lado, o PSD e as maiorias e os governos da sua responsabilidade conquistaram para a Região Autónoma dos Açores um lugar próprio adequado no âmbito da União Europeia e das relações externas do nosso País, com destaque para as relações luso-americanas.

Autonomia consolidada Infra-estruturas construídas

Durante o seu período governativo, privilegiou os objectivos políticos em detrimento dos económicos. Subjacente a essa sua estratégia, teve a preocupação de colocar os Açores no panorama político nacional e europeu?

Na altura em que a Autonomia arranca, os Açores encontravam-se numa situação de grande pobreza, eram uma região pouco desenvolvida. O empenho dos primeiros governos que liderei direccionou-se logo para o desenvolvimento económico e, para isso, era indispensável o lançamento de infra-estruturas essenciais. Construímos infra-estruturas em todas as ilhas, portos, aeroportos, estradas, hospitais, adaptadas às dimensões das próprias ilhas. Quero ressalvar que foi já no meu tempo que acabámos de electrificar a ilha de S. Miguel. Devo dizer que investimos bastante no desenvolvimento da nossa economia, tal como ela na altura se configurava, assente no sector primário. Foi preciso modernizar a agricultura e as pescas, daí, termos apostado em infra-estruturas que permitissem a acessibilidade em todas as ilhas e viabilizassem esses sectores. Em termos institucionais, houve uma transferência enorme de poder para a Região e a sua consequente descentralização. Tudo aquilo que tinha a ver com o dia-a-dia dos cidadãos passou para o âmbito do Governo Regional. É natural que hoje, o interesse da população se centre, mais especificamente, nas questões económicas e de bem-estar, porque o regime autonómico democrático está consolidado e as infra-estruturas fundamentais já estão construídas.

Curiosamente, nunca apostou, de forma estratégica, no sector do Turismo, embora nos seus governos tenham sido elaborados alguns estudos e planos directores, que serviram de base para que o sector seja hoje considerado estratégico para o desenvolvimento dos Açores.

Isso não é bem assim. Na altura, via o desenvolvimento dos Açores assente em três pilares essenciais e equilibrados: a Agricultura e as Pescas, as Indústrias que lhes estavam associadas e o Turismo. No período inicial da nossa Autonomia houve alguns investimentos consistentes no Turismo, equipámos as nossas ilhas, com condições mínimas para acolher os visitantes e desenvolvemos alguns projectos de maior dimensão, aproveitando os fundos comunitários, como marinas e hotéis. Não aceito que digam que apenas me preocupei com questões políticas, a economia modernizou-se, a qualidade de vida das pessoas deu um grande salto qualitativo. Criadas as condições de base, é possível, hoje, acelerar o desenvolvimento económico, pois se está trabalhando sobre um patamar completamente diferente.

A Universidade dos Açores e a RTP Açores foram duas grandes conquistas da nossa Autonomia, mas estão hoje em posições completamente diferentes: a Universidade tem crescido, tem-se consolidado, pelo contrário, a RTP Açores estagnou e já não corresponde às exigências da nossa população.

A Universidade dos Açores, de facto, foi uma das grandes conquistas da nossa Autonomia; potenciou a preparação das nossas elites e criou um centro de fixação de “massa cinzenta”, evitando que as pessoas tivessem que sair para continuarem os seus estudos e depois não regressassem. Tem sabido modernizar-se, ter uma dimensão regional e, desta forma, responder à globalização e às grandes transformações, que se têm verificado em todo o mundo. A Universidade dos Açores é, sem dúvida, uma referência geracional. Em relação à RTP Açores e, pelo contrário, a sua actual situação é lamentável. Pese embora os açorianos terem direito de acesso a outros canais e alternativas de escolha, para a sua informação e divertimento, a RTP Açores, que foi fundamental para que muitos açorianos conhecessem o mundo, darem-se a conhecer ao mundo, e acima de tudo, conhecerem-se a si próprios, não soube acompanhar a evolução tecnológica e assumir-se como um canal regional, igual a tão bons exemplos que conhecemos por esse mundo fora, encontrando-se por isso numa situação de visibilidade muito reduzida.

Teve sempre um relacionamento político e institucional difícil com o então Primeiro-Ministro, Prof. Cavaco Silva. Alguns analistas consideram que este foi o preço que pagou, pelo facto de não o ter apoiado no Congresso da Figueira da Foz, quando ganhou a liderança do PSD, de forma inesperada.

Eu não atribuo a uma divergência, puramente partidária e ocasional, o que se verificou posteriormente. Existia uma tensão de relacionamento, que era óbvia, muitas vezes afirmada e nunca disfarçada publicamente. O Prof. Cavaco Silva tinha e tem as suas convicções e eu tenho as minhas. Isso não impediu termos colaborado em muitas coisas, em conjunto e em sintonia, independentemente de se manter nos media uma imagem negativa à volta da sua actuação como Primeiro-Ministro, em relação aos Açores. Ele, de facto, tinha alguns pontos de vista divergentes dos nossos, o que não impediu de termos mantido as nossas posições e ganho muitas das nossas reivindicações. No entanto, também não me posso esquecer do seu empenhamento na resolução de muitos dos nossos problemas, nomeadamente, na questão da ultraperifería, que tem sido tão útil para os Açores e que obteve consagração ao mais alto nível da então CEE por uma iniciativa pessoal dele no Conselho Europeu de Rodes. O facto de haver divergências é saudável para a democracia, e o que interessa é que depois se trabalhe em convergência para a resolução dos problemas. De qualquer forma, não nos podemos esquecer que os açorianos sempre reconheceram o bom desempenho do Prof. Cavaco Silva enquanto Primeiro-Ministro de Portugal, o que indicia a percepção de que tal é afinal positivo e bom também para os Açores. Sempre lhe deram a vitória nas eleições legislativas e mesmo quando concorreu, pela primeira vez, à Presidência da República, e perdeu. Isto só comprova a admiração e respeito que os açorianos têm por ele, confirmado no excelente resultado obtido nas eleições presidenciais de 2006.
Que vantagens traz, para os Açores, a revisão do Estatuto Politico e Administrativo?

As vantagens são óbvias, a mais importante é a libertação do poder legislativo regional, que agora tem condições para ir ao encontro dos interesses da população, trazendo uma responsabilidade muito grande a quem legisla e ao próprio Governo Regional. A este propósito, deixe-me dizer-lhe, que o PSD esteve sempre do lado das autonomias e a sua posição foi sempre a de arranjar uma plataforma consensual, no sentido deste diploma gerar, ao nível do país, uma aceitação e um entendimento global, que enterrassem definitivamente algumas dúvidas do passado. A questão levantada pela maioria parlamentar socialista, em relação ao veto do Sr. Presidente da República, foi claramente uma forma de distrair a opinião pública para que não se apercebesse que, na especialidade, haviam sido alterados por ela mais de vinte artigos, um dos quais levou mesmo a suprimir a expressão “povo açoriano”. Eu e o deputado Joaquim Ponte mantivemos a nossa posição de voto, o que contribuiu para que aquele diploma na sua aprovação final tivesse a maioria de dois terços. Apesar de todas estas divergências, o Estatuto já foi publicado e está em aplicação, abrindo a porta para grandes feitos para os Açores e para Portugal.

Quanto à norma concreta de constitucionalidade duvidosa, na opinião do PSD, o Tribunal Constitucional há-de dizer da sua justiça. Foi novamente indicado para encabeçar a lista de deputados à Assembleia da República, pelo PSD/Açores. Continua, portanto, ao serviço da causa pública?

Considero-me, na política, como um trabalhador com contrato a prazo. Os meus prazos são definidos pelos mandatos aos quais me candidato. Estava disponível para continuar, os responsáveis pelo PSD Açores reafirmaram também este interesse, pelo que, neste capítulo, foi muito fácil o entendimento. Resta agora esperar pela decisão do eleitorado, que é efectivamente o detentor do poder. Vou-lhe colocar uma última questão: como interpreta o aumento da abstenção, que se tem verificado nos Açores, nestes últimos anos, tal como acontece também no País? Será a forma, encontrada pelo povo, para manifestar o seu descontentamento com a classe política? No meu tempo não era assim, as pessoas iam votar. O aumento da abstenção é assustador, deslegitima a democracia e, infelizmente, este é um fenómeno europeu. Em relação às eleições europeias, julgo que este fenómeno tem a ver com a existência de uma nomenclatura, com um poder enorme, que está muito distante do povo. Em termos internos, é preciso motivar as pessoas para exercerem o seu direito de voto, como sendo um exercício de poder. O poder deve ser exercido pelos seus titulares como um serviço às pessoas e não como uma fonte de privilégios ou até de apropriação das pessoas. Rejeito completamente a ideia do voto obrigatório, sou totalmente contra. O voto tem que ser livre. Aos cidadãos deve caber a decisão de votar ou não votar, e é responsabilidade dos políticos, aqueles que aceitam esta tarefa democrática de se candidatarem, de se apresentarem, de pedirem a confiança, de explicarem as coisas melhor, de falarem aos cidadãos. Deve haver uma intensificação da formação cívica e da participação política dos cidadãos.
(In Luis Guilherme- Correio dos Açores)

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