quarta-feira, julho 01, 2009

PÓNEI DA TERCEIRA

Quem ainda os recorda chama-os de cavalos médios, mas, de acordo com Artur Machado, professor da Universidade dos Açores, o nome zootécnico correcto é Pónei da Terceira. A verdade é que a olho nu parecem cavalos em ponto pequeno. E é precisamente essa característica que os distingue. Em tamanho são considerados póneis, uma vez que têm menos de 1,48 metros. No entanto, as suas características físicas são em tudo semelhantes às de um cavalo. “Uma das coisas que caracteriza estes póneis é que as suas proporções são muito correctas”, explica Artur Machado. Completamente diferentes dos póneis de origem celta, que apresentam pernas curtas e barrigas grandes, os póneis da Terceira ostentam “todos os pontos morfológicos de um cavalo de sela de grande categoria”. De acordo com o professor da Universidade dos Açores, estes animais distinguem-se pela “definição do garrote”, pela “proporção dos membros” ou mesmo pelas “inclinações das espáduas”. Natural da ilha de São Miguel, Artur Machado aprendeu a montar num pónei da Terceira. No entanto, quando os procurou anos mais tarde na ilha Terceira, ficou surpreendido com o número reduzido de animais que encontrou. “No início foi muito difícil. Fui encontrar para os lados da Serreta, para o Porto Martins e em Vale Linhares”, conta. O professor não tem dúvidas de que os proprietários têm conhecimento de que possuem “cavalos médios”, mas reconhece que muitos não lhes atribuem o devido valor. “Um bom pónei, hoje me dia, em Inglaterra por exemplo, vale mais do que um cavalo”, salienta. Segundo Artur Machado, o Pónei da Terceira surge de uma selecção continuada por parte dos terceirenses. Como estes cavalos de porte mais pequeno se apresentavam como mais lucrativos, os proprietários começaram a seleccioná-los e a cruzá-los entre si. “Há um fenómeno comum nas ilhas que é a selecção de animais de extremos”, aponta. Exemplos dessa tendência são as “vaquinhas do Corvo” de porte pequeno ou as “vacas do Ramo Grande” de porte grande. De acordo com o professor, esta selecção sofreu ainda um reforço no século XX, com a chegada à Terceira de um cavalo de origem berbere chamado Califa, que cobriu várias éguas na ilha e que apresentava as características do actual pónei. Os póneis eram requisitados na altura para transporte de mercadorias e pessoas ou mesmo para o trabalho na terra. Eram mais económicos para os proprietários por necessitarem menos comida do que um cavalo grande. O porte pequeno era procurado também pelo fácil maneio, que o tornava apto para diferentes tarefas. Com o passar do tempo o “cavalo médio” foi perdendo importância na ilha. O aparecimento de máquinas capazes de executar o mesmo trabalho fez com que os proprietários deixassem de seleccionar animais mais pequenos. Muitos cruzaram mesmo os póneis com cavalos maiores e a raça foi desaparecendo. “Cavalos pequenos há muitos, cavalos pequenos com aquelas características é que não”, explica. Artur Machado recorda que noutros tempos o pónei era requisitado até para outras ilhas. “A Terceira mandava póneis para São Jorge, para São Miguel, para a Graciosa…”, enumera. “Eles iam ganhando um nome, que se desvaneceu porque os terceirenses não foram tomando conta dele”, acrescenta. O professor assegura que, ainda hoje, o pónei é reconhecido na sua ilha de origem. “Se chegar a São Miguel no meio dos cavalos, as pessoas dizem: ‘Isso é um cavalinho da Terceira’”, aponta. Ainda que sem dados rigorosos, o professor estima que existissem na Terceira cerca de cinco mil cavalos entre 1930 e 1940. Artur Machado acredita que dois terços desse número fossem póneis. O professor guarda um certificado que prova a importância dos animais no início do século XX. O documento, datado de 1924, dá vitória, num concurso agro-pecuária da ilha, a uma égua preta com 1,11 metros de altura.
ANIMAL DE TRABALHO
Há cerca de dez anos conseguiu reunir três éguas e um garanhão. Começou a fazer criação e hoje conta já com um efectivo de mais de 40 animais. Uma das primeiras éguas pertencia a José Maria, de Vale Linhares. A idade avançada e a falta de tempo não lhe permitem continuar o negócio do pai, hoje em dia, mas José Maria recorda ainda os tempos em que o pai treinava cavalos para trabalhar a terra. Já nesse tempo, o treinador seleccionava os animais mais pequenos. “O meu pai sempre teve mais ou menos naquele estilo. Teve vermelhos lavrados e pretos lavrados”, revela. Para Artur Machado, as pelagens preta e vermelha lavradas são muito antigas, o que “dá uma indicação exactamente da antiguidade destes cavalos”. Quando questionado sobre o porquê da selecção, José Maria responde sem hesitação, como se a resposta fosse demasiado óbvia. “São mais atinados. Ruinzinhos, mas inteligentes”, revela. “A gente explica uma vez e eles atinam”, acrescenta. José Maria compara mesmo os cavalos às pessoas quando diz que os grandes são muito “molengões”. Das memórias da juventude, José Maria lembra um cavalo preto lavrado que o testou. “Ele surrou-me as pernas na parede para ver se me tirava de cima dele, mas eu dei-lhe uma pancada na orelha e ele percebeu que não era para fazer aquilo”, conta. “Eles são muito refinados”, acrescenta. O pai soube aproveitar da melhor forma as características dos póneis. Treinava os animais para trabalhar a terra, em vez de bois. Para José Maria, ainda hoje, os cavalos médios têm utilidade para um lavrador. “Há lugares pequeninos em que o tractor não entra”, defende. No entanto, empresário de restauração lembra que o pai não era o único a seleccionar animais mais pequenos. “Antigamente toda a gente os usava”, sublinha. José Maria recorda mesmo quem os utilizava para transporte de carroças, no tempo em que ainda não existiam carros e assegura que o tamanho dos animais não era um problema. “Aquelas bestas têm muita força. Pequeninos? Eles têm resistência maior do que um grande”, garante. José Maria não sabe explicar, no entanto, o porquê daqueles animais terem mais “rapidez”, “viveza” ou “inteligência”. Artur Machado também não tem uma explicação científica, mas considera que o facto de serem fruto de uma selecção, assim como o maior contacto com o homem de que desfrutaram podem ter contribuído para o assimilar destas características.
RECONHECER A RAÇA
Hoje, o professor acredita que o animal deverá ser utilizado noutras áreas. Artur Machado garante que o Pónei da Terceira tem grandes potencialidades a nível da equitação. Ao contrário do Garrano do Gerês, de origem celta, o Pónei da Terceira apresenta uma morfologia semelhante ao cavalo de sela, características que, de acordo com o professor, o tornam apelativo às escolas de equitação. De acordo com Artur Machado, países como Alemanha e Inglaterra já seguiram este percurso. Na Terceira, contudo, a raça foi desaparecendo. O professor começa já a dar os primeiros passos na introdução dos póneis nas escolas de equitação. Bentley, Nevão e Terrorista já fazem parte do leque de escolhas do Centro Hípico da Terceira. Fazem as delícias dos mais novos, que aprendem a montar em póneis e só depois passam para os cavalos. Segundo Artur Machado, para além da meiguice do animal que dá mais confiança aos alunos, as dimensões do pónei não são prejudiciais à saúde das crianças, ao contrário das do cavalo, que obriga os mais novos a fazerem um esforço reforçado na zona da anca. Para Artur Machado, a Junto com outros cinco investigadores da Universidade dos Açores, Artur Machado tenta não só aumentar o efectivo, mas também ver a raça ser novamente reconhecida. À semelhança do que fizeram para o Burro da Graciosa, os investigadores já realizaram estudos quer a nível biométrico, como genético e morfológico. Falta agora apresentarem uma candidatura à Fundação Alter Real. No entanto, os cerca de 40 póneis que possuem ainda não são suficientes para garantir a certificação. O grupo prende-se agora com outro entrave. O efectivo chega neste momento aos 40 póneis. O ano passado nasceram seis novas crias, este ano estimam-se que nasçam outras doze. De acordo com Artur Machado, tudo indica que o número de novos nascimentos venha sempre a aumentar, mas para manter o número actual os investigadores já têm de fazer um grande esforço. A alimentação só é possível com alguma “ginástica financeira” e o espaço arrendado numa quinta na Terra Chã começa a não ser suficiente. Para Artur Machado é “fundamental” reconhecer o “património genético de grande importância” do Pónei da Terceira. O professor lamenta, no entanto, a falta de reconhecimento do Governo Regional.
NOVAS POTENCIALIDADES
Há quem defenda que os cavalos podem ter uma função terapêutica. Artur Machado acredita que o Pónei da Terceira pode ser utilizado com o mesmo fim em crianças. Dada a sua estatura, o animal apresenta-se mais seguro aos pais e menos assustador para os mais novos. Cristina Romeiro adquiriu recentemente uma égua deste género. Não a conhecia pelo termo defendido por Artur Machado, mas escolheu-a pelas características da raça. Comprou-a para a filha de cinco anos. Na altura esteve indecisa entre o pónei e um cavalo maior, no entanto o mais pequeno transmitiu-lhe mais segurança. “A égua é muito mansa e pequenina”, conta. Cristina Romeiro lembra mesmo que a filha já chegou a passar por trás da égua sem que o animal se tenha assustado. “Não é fácil de ela se espantar”, acrescenta. O pónei come menos do que um cavalo. Um facto que pesa bastante menos na carteira da família e que também influenciou a escolha. Mesmo assim, a proprietária admite que hoje em dia é difícil encontrar animais com estas características na Terceira. No entanto, o motivo principal da compra começa agora a dar lucros. Cristina já nota melhorias na filha, desde que adquiriu a égua. A criança portadora de autismo criou laços com o animal, que a ajuda a desenvolver certas características. “Ela já está a tentar conduzir a égua sozinha”, revela a mãe. Segundo Cristina Romeiro, os cavalos acalmam as crianças autistas. Já o havia experienciado nas aulas de equitação da filha, agora regista-o com mais frequência em casa.

(in DI-Revista)

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